Esta é a hora do Amor!


Hoje, testemunhamos, com gratidão, a solene inauguração do pontificado de Leão XIV. A celebração, marcada pela imposição do Pálio e do Anel do Pescador, colocou no centro a continuidade apostólica e o compromisso pastoral do novo Papa. Este início é uma semente lançada em terra fértil: não é uma meta gloriosa, mas a humilde oferta da sua vida em serviço contínuo

Leão XIV apresentou-se ao mundo não como soberano, mas como servo. Ele não levantou a sua voz para se afirmar – elevou antes o Evangelho, com a firmeza serena de quem sabe que a autoridade verdadeira nasce exclusivamente do Amor. “Esta é a hora do Amor!”, anunciou o Papa. E quem caminha na estrada da fé sabe bem que o Amor é sempre a hora de Deus.

“Esta é a hora do Amor!” Porque quem vive em Igreja sabe o quanto esta hora é necessária. Todos nós ansiamos por uma Igreja que atualize verdadeiramente o Evangelho, uma Igreja sempre orante e pensante, uma Igreja entregue ao serviço do mundo, desafiada a viver a coerência e a descartar o comodismo e as respostas fáceis.

“Olhem para Cristo e aproximem-se d’Ele.”, propôs-nos hoje o nosso Papa, lembrando-nos que o centro da nossa existência não está em estratégias humanas, mas sim em Cristo vivo, pobre, crucificado e ressuscitado.

“No único Cristo, somos um.” É este o lema episcopal escolhido por Leão XIV. Estas palavras são direção, oração e interpelação. Direção para um mundo confundido pelo egoísmo e pelo poder. Oração no apelo à unidade, à misericórdia, ao encontro. Interpelação para cada cristão assumir a responsabilidade das suas escolhas e fazer das suas vidas um evangelho vivido em cada gesto.

Hoje, no momento em que recebeu o anel do Pescador, foi evidente a emoção do Papa. Uma emoção carregada de gratidão, de responsabilidade, de alegria, de serviço. Quem caminha nesta estrada da fé, sabe que ela está repleta de desafios a que só a confiança em Deus e a esperança cristã sabem dar resposta. Que o Espírito conduza o nosso novo Papa como vento suave, e que a Igreja, sob a sua guia, saiba escutar mais, abraçar mais, amar mais. Pois é no Amor que tudo começa. E é no Amor que tudo se cumpre. E a hora é esta!

Ana

08.maio.2025 – Um Papa escolhido e um terço rezado num dia que é história

Quando no final do mês de abril, ao ser feita a distribuição da orientação da recitação do terço pelos grupos da nossa paróquia, estávamos longe de imaginar que, neste dia em que a Igreja recebe um novo Papa, estaríamos com o coração cheio de alegria e gratidão.

Hoje, sentimos que a nossa oração se entrelaçou com a história. São momentos em que experimentamos aquela alegria diferente que só a esperança cristã traz ao coração. Partilhamos aqui o texto com que iniciámos a recitação do terço de hoje:

“Hoje reunimo-nos em oração num momento de grande alegria e esperança para toda a Igreja: o anúncio do nosso novo Papa. Paz, diálogo, fazer pontes, união, todos… foram as palavras mais repetidas pelo novo sucessor de Pedro. Precisamente no dia em que somos convidados a meditar os mistérios luminosos, iniciemos esta recitação do terço com as palavras proferidas, há momentos, por Leão XIV: “Sem medo, unidos, de mãos dadas com Deus e entre nós, sigamos em frente, somos discípulos de Cristo, Aquele que nos precede. O mundo precisa da sua luz.” O nosso novo Papa invocou também a presença de Maria e numa iniciativa inédita em termos protocolares, ouviu-se “Avé-Maria” naquela praça e, acreditamos também, um pouco por todo o mundo. Como cristãos que somos, sabemos que nada do que vemos, ouvimos e vivemos acontece por mero acaso… Com o coração cheio de esperança, unimo-nos hoje, em oração, pedindo a Maria que acompanhe o Santo Padre na sua missão. Que a sua liderança seja um farol de fé, unidade e caridade para todo o mundo. Rezemos juntos.”

Papa Leão XIV, seguimos juntos nesta Estrada Clara 🌻✨

O lugar onde Deus escolhe

Estamos a horas do início de um novo Conclave. Na capela Sistina, onde a arte toca o mistério, o Céu há-de inclinar-se sobre a Terra. Portas fechadas mas corações abertos. O mundo católico, junto com tantos outros que observam a Igreja com expectativa ou desconfiança, aguardará…

Como Igreja, somos convidados, nestes dias, a viver em comunhão orante. A não olhar de fora, como se fosse um mero espetáculo, mas a contemplar com o coração voltado para Deus. Estamos num ponto de viragem. O próximo Papa herdará uma Igreja em caminho entre tradição e renovação, entre estruturas que resistem e comunidades que avançam, entre a lógica do poder e a lógica do serviço. Por isso, peçamos, em oração, que o Espírito Santo não seja abafado por cálculos geopolíticos ou jogos de influência clerical. Que os cardeais não escolham com medo – medo do mundo, da mudança, das leis. Que não elejam um gestor da estabilidade ou um restaurador da ordem. Que saibam reconhecer o tempo de Deus e responder-lhe com ousadia e confiança.

Como leiga comprometida, rezo por um Papa que saiba acolher todos os batizados. Que confie nas pequenas comunidades, nas mulheres, nos jovens. Que dialogue com as outras confissões, com a ciência, com quem não crê. Que não tema as perguntas nem se esconda nas respostas automáticas. Que diga “não” ao clericalismo e “sim” ao Reino. Que promova uma fé onde há espaço para se ser adulto. Que conduza o seu rebanho pelo caminho do mistério pascal. Que não tenha medo de tocar as feridas do mundo, de abraçar a diferença, de anunciar Cristo com alegria e com a arte.

Por tudo isto, rezo. Não com passividade, mas sempre com esperança ativa. O Conclave é deles, mas o futuro é nosso – de todos os batizados, de todos os homens e mulheres de boa vontade que esperam, de dentro ou de fora, uma Igreja que se mantenha fiel ao Evangelho, ao primeiro Amor. Nestes momentos, confio – e rezo – para que o Espírito conduza esta eleição. Vem, Espírito Santo. Ilumina não só as consciências dos cardeais, mas a coragem de toda a Igreja. Que o novo Pedro seja aquele que Tu já preparaste, aquele com os pés no chão e o coração sempre em Ti.

Ana

Dia da Mãe 2025

Hoje é Dia da Mãe, aquela que foi, desde o nosso início, a nossa primeira casa, o nosso primeiro abrigo, a nossa primeira fortaleza de amor.

Hoje é dia de agradecer a vida das nossas mães nas nossas vidas. As suas escolhas e as suas dúvidas. As suas alegrias e as suas dores. Os seus abraços e as suas exigências. As suas entregas e as suas dificuldades.

Hoje é dia de celebrar a nossa história de amor vivida com as nossas mães em cada dia que nos foi e que nos continua a ser dado para sempre, mesmo quando a separação física se impõe. Somos quem somos porque as nossas mães construíram os nossos alicerces, cuidaram das nossas raízes, fazendo sempre o melhor que os seus corações lhes diziam para fazer por nós, tendo como único guião o do amor imenso por nós. Sempre.

Neste mês de maio, a Igreja lembra diariamente a figura de Maria. Uma mãe como tantas outras mães. Com dúvidas cobertas de amor. Com medos vencidos pela coragem. Com sofrimentos apaziguados com confiança. A maior lição que as mães e os filhos podem aprender de Maria é a do amor que acontece apesar de tudo o que acontece e quando tudo acontece.

Mãe. A palavra maior que canta amor. A palavra que anuncia beijos e abraços apertadinhos. A palavra que faz bater com intensidade o amor que trazemos no coração. A palavra que é um hino ao infinito.

Feliz Dia da Mãe a todos os que são filhos e mães, porque este dia só pode existir porque existe a maior de todas as relações – a do Amor!

Ana

Obrigada, querido Papa Francisco…

Porque soubeste trazer para uma Igreja, tantas vezes adormecida, um caminho novo que nos pede para voltarmos às origens e para saborearmos a simplicidade de uma vida dedicada ao(s) Outro(s).

Porque nos mostraste, em cada dia, a urgência de sermos cristãos de Ressurreição, pessoas em crescimento, em construção de uma fé adulta e sempre alicerçada na esperança.

Porque, como tu próprio afirmaste, te foram “buscar ao fim do mundo” para teres sido tu, ao longo do teu tempo, a mostrar-nos um mundo novo.

Porque viveste o maior dos mandamentos cristãos – o do Amor. Aquele Amor que salva, que acolhe, que acompanha, que nos leva pela mão, que nos faz ser filhos de um Deus Maior.

Porque foste sempre presente, interpelante, apaziguador, atento, perspicaz, orante e pensante.

Porque foste incómodo para quem vive uma fé instalada, confortável e cheia de respostas prontas.

Porque foste um Papa demasiado “moderno” para quem se amarra aos tradicionalismos ocos e desprovidos de sentido e que impedem o olhar para a essencialidade de cada ser humano.

Porque, à semelhança de Maria, soubeste dizer o teu “sim” mesmo não sabendo nada, mas apenas confiando e esperando.

Porque foste construtor de diálogos improváveis, de pontes que são união, de estradas que são autênticas viagens de Emaús.

Porque destruístes preconceitos, julgamentos severos, ideias mesquinhas que só limitam o desenvolvimento integral da Humanidade.

Porque foste um Papa de sorrisos e de afetos, de abraços amigos e de bênçãos calorosas, essas marcas indeléveis de cada cristão.

Porque viveste sem aparato, sem vaidades, sem presunções a contrastar com uma sociedade que parece só viver a partir da exuberância e do exagero.

Porque foste um Papa feliz. “Estou feliz porque me sinto feliz. Deus faz-me feliz.”, disseste numa entrevista recente.

Obrigada, Papa Francisco!

Que privilegiados somos por podermos viver contigo neste mesmo espaço temporal. Mas, acima de tudo, por amarmos e sermos amados pelo mesmo Deus e por nos teres mostrado que em irmandade seremos sempre muito, mas mesmo muito mais felizes!

A tua Luz brilha sempre connosco!

Ana

“Eu desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco.”

21.abril.2025

Querido Papa Francisco,

Habituamo-nos a chamar-te assim porque te soubeste fazer próximo, porque nos mostraste o que é ser abraço em forma humana, porque oferecias sorrisos para enfrentar a frieza que tantas vezes domina este mundo estranho.

Escrevo-te hoje quando acordei com a notícia da tua partida. Agora que já deves saber que escrever ajuda-me a ver a vida e tudo o que nela acontece, terei muito para te dizer ao longo destes dias…

Eis que hoje o mundo parou por um instante. E no meu peito também tudo parou, como se o ar ficasse mais pesado e o tempo mais lento. E mesmo sabendo que o céu hoje te recebe com toda a alegria que mereces, aqui na terra há um silêncio que nos atravessa. Este silêncio que impera, é mais forte do que a agitação natural do dia-a-dia. Mas também este silêncio cria espaço e disponibilidade para ouvir o coração e a razão. Penso no dia de ontem e no que acontece hoje. Tantos sinais da presença deste nosso Deus! Ele só quis o teu regresso à Sua Casa depois de celebrarmos juntos, em família cristã, esse dia maior que foi a Páscoa. Estiveste connosco e abençoaste o mundo! Que belo dia, o de ontem! Festa, luzes, palavras de vida maior, cânticos, palmas, pandeiretas e tantos instrumentos musicais, vozes de júbilo… Tenho a certeza que Ele também estava a ganhar tempo para te preparar uma grande festa como só tu és merecedor. Claro que até o próprio Deus precisava de se inspirar no que de maravilhoso nós os cristãos vivemos ontem!

Hoje, queria dizer-te, antes de mais, obrigada. Obrigada por teres sido Papa com os pés na terra e o coração no Evangelho. Obrigada por nos mostrares que o amor de Deus tem mãos calejadas e que a fé pode cheirar a pão quente, a lágrimas enxutas, a abraço de mãe. Obrigada pela tua voz tantas vezes incómoda para quem não conjuga o verbo amar. Obrigada pela tua vida, verdadeiro hino à misericórdia, à graça, à presença de Deus entre nós. Obrigada por sonhares e edificares uma Igreja pobre para os pobres e aberta como os braços de Jesus na cruz que a todos nos abraça neste momento de dor.

Obrigada!

Um abraço amigo da Ana e da minha irmandade 🌻

Uma Feliz Notícia!

Mensagem para a Páscoa 2025

Na madrugada do terceiro dia, a eternidade anunciou-se em silêncio: o túmulo estava vazio. Mas não era ausência — era plenitude. Não era roubo — era promessa cumprida. Não era fim — era começo. Escuta-se o eco do Nome que a morte não conseguiu calar. Ele ressuscitou. Ele venceu. Ele está aqui!

A Páscoa não é apenas uma alegria. É, sobretudo, uma reviravolta. É Deus a dizer-nos que nada está perdido, que o amor é mais forte do que o túmulo, que a dor pode ser sempre cuidada. Com Ele, ressuscitam também as esperanças adormecidas, os corações cansados e os sonhos esquecidos.

A Páscoa é esta feliz notícia que não envelhece, não é antiga, não é desmentida com o tempo. Esta feliz notícia transforma tudo: o medo, em confiança; a culpa, em graça; a cruz, em árvore de vida. Esta feliz notícia não se lê, experimenta-se; não se guarda, anuncia-se; não se explica, vive-se com fé. E hoje, como naquela madrugada, ela continua a ser sussurrada aos corações despertos: “Ele está vivo. Ele venceu. E caminha contigo.”

É esta a feliz notícia: há um Deus que entra nos nossos túmulos interiores e, com a força mansa do Seu amor, chama-nos pelo nosso nome e diz-nos: “Levanta-te. Vive. Recomeça.” É o Deus que se fez homem e atravessou a noite da morte para nos abrir o dia da graça eterna. Há uma promessa que se inscreveu na nossa história coletiva: onde Ele passou, a vida renasceu. Com Ele, a morte muda de nome: agora chama-se vida em abundância. O túmulo ficou vazio… para que a nossa vida fique cheia.

Uma feliz notícia! Anunciemo-la com a nossa vida! Cantemo-la com as nossas vozes! Hoje é Páscoa! Que felizes somos porque fomos escolhidos por Ele para com Ele voltarmos à Vida! Aleluia! Ele está vivo! Aleluia!

Uma Feliz e Luminosa Páscoa para todos vós neste caminho sempre pascal em que, juntos, fazemos e somos comunidade!

Ana

“Naquela madrugada, a pedra foi removida do meu coração…”

A reflexão de Maria Madalena

(a partir do Evangelho do dia – Lc 24, 1-12)

Fui ao sepulcro antes do nascer do sol. O coração pesado. Os olhos cansados de tanto chorar. Levei perfumes e óleos, pois queria cuidar do corpo d’Aquele que me devolveu a vida. Era o mínimo que podia fazer, depois de tudo o que Ele fez por mim. Depois de me levantar do abismo da vergonha, da solidão, do preconceito…

Acompanhavam-me Maria e Joana. Mas ao chegar, a pedra… não estava lá! O túmulo… vazio! Corri, chamei, chorei. O desespero tomou conta de mim. Pensei que O tinham levado. Roubaram o corpo? Porquê? Já não Lhe bastava a cruz? Então, dois homens em vestes brilhantes apareceram. Tremi. Mas, então ouvi as palavras que mudariam tudo: “Porque buscais entre os mortos Aquele que está vivo?”

Vivo? No início, o coração recusava acreditar. Mas aquela pergunta… ecoava dentro de mim como um novo sopro. Aquelas palavras não foram apenas anúncio. Foram luz. Luz para os corações que tinham amado sem reservas. Luz para nós que ficamos quando tantos fugiram. As palavras d’Ele voltaram ao meu coração. E o medo transformou-se em certeza.

Corremos para anunciar aos discípulos, mas eles não acreditaram em nós. Disseram que era delírio… Nós, que tínhamos ficado aos pés da cruz. Nós, que estávamos ali naquela manhã enquanto muitos ainda dormiam. Mas não nos importou. A verdade já ardia em nós: o Senhor está vivo. E ninguém nos poderia tirar essa certeza.

Naquela madrugada, não foi apenas a pedra do sepulcro que foi removida. Foi a pedra da tristeza, do desespero, da morte que pesava no meu coração. Foi a pedra da dúvida, do pessimismo, do negativismo. Procurei-O entre os mortos… e encontrei-O na Vida. Hoje, entendo: Ele não está no passado, na saudade, na culpa. Ele está no agora. No teu coração. Porque o amor nunca fica no túmulo. O amor, quando é fiel, vê o impossível tornar-se realidade.

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

“Naquele dia, sujei a minha alma…”

A reflexão de Pôncio Pilatos

(a partir do Evangelho do dia – Jo 18, 1-19, 42)

Ainda ouço as vozes da multidão a gritar, os chefes religiosos a pressionar, aquele nome a repetir-se como um peso: Jesus de Nazaré. Trouxeram-nO diante de mim como um malfeitor, mas não vi crime nem maldade. Vi um homem ferido, mas sereno e com um olhar que logo me desarmou. Nunca ninguém olhou assim para mim — sem medo, sem ódio e como se me conhecesse melhor do que eu a mim mesmo.

“És tu o rei dos judeus?”, perguntei-Lhe, mais por formalidade que por fé. Ele respondeu: “O meu Reino não é deste mundo.” Que tipo de prisioneiro fala assim? Eu, habituado ao poder, à força, à estratégia, fiquei rendido. Havia algo naquele homem… Eu, que julgava homens, percebi que estava a ser julgado por aquele que se deixava julgar. O silêncio d’Ele não era de fraqueza — era de quem conhece a verdade e não precisa de se defender.

Tentei libertá-lo. Ofereci à multidão a escolha: Jesus ou Barrabás? Mas, escolheram o ladrão. O violento. O culpado. Eu ainda disse: “Não vejo culpa neste homem!” Mas eles gritavam mais alto: “Crucifica-O!”.  Sentia as rédeas do poder escorregarem-me das mãos. “Se libertares este homem, não és amigo de César!” — foi a ameaça final. Com essa frase, prenderam-me. A minha posição, o meu cargo, o meu comodismo, o meu medo de Roma… tudo pesou mais do que a minha consciência.

Então, lavei as mãos. Lavei-as diante de todos. Um gesto vazio. Porque a água limpou os dedos, mas não a consciência. Ainda hoje, nas noites sem sono, vejo os olhos d’Ele. Não olhos de acusação, mas de misericórdia.

Pergunto-me muitas vezes quem era Ele, de verdade. Ouço rumores de que ressuscitou, de que os Seus discípulos agora espalham a Sua mensagem. Às vezes imagino o que teria sucedido se eu O tivesse libertado… O que teria acontecido ao mundo? Ao Reino de que Ele falava? À história que parecia estar a ser escrita não por mim, mas por Alguém maior do que todos nós? Naquele dia… o que o que aconteceu ali não foi apenas um julgamento…

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Naquela noite, descalcei-me diante do Mistério…

A reflexão de João, discípulo de Jesus

(a partir do Evangelho do dia – Jo 13, 1-15)

Recordo aquela noite como se ainda estivesse a vivê-la. A mesa posta, o pão ainda quente, o vinho já servido, mas o que se preparava – sei-o agora – era mais do que uma ceia. Era um testemunho.

Pedro falava alto, contando as suas peripécias para conseguir comprar aquele pão a tempo da ceia. Tomé, sempre desconfiado, fazia-lhe muitas perguntas. Tiago e Filipe divertiam-se a imitar os dois. Todos nós nos riamos. Foi então que Jesus Se levantou. Com um gesto sereno, mas cheio de solenidade, tirou o manto. Pegou na toalha, atou-a à cintura, tal como um servo faria. E ajoelhou-Se diante de cada um de nós.

Eu vi Pedro hesitar, vi os olhos dos outros abrirem-se de espanto. E dentro de mim soavam perguntas: “Como podia Ele, o nosso Mestre, curvar-Se assim? Como podia Ele, o Deus feito carne, tocar com mãos tão limpas a poeira dos nossos pés?” Quando lavou os meus, não ousei falar. Não senti apenas água… senti graça e misericórdia. Era como se cada gota dissesse: “Deixa-Me purificar-te.”

Naquele gesto, Jesus revelou o que muitos nunca compreenderiam: que a verdadeira glória está em servir, que a maior luz é a que se abaixa para iluminar a escuridão. Porque naquele gesto, Ele não lavava apenas os pés. Lavava-nos o orgulho, a rigidez, a falsa ideia de grandeza. Lavava-nos os medos, os atalhos, as pressas de querermos ser os primeiros. E mostrava-nos que o amor verdadeiro é sempre serviço, é dádiva, é entrega. Ali Deus ajoelhou-se na nossa humanidade.

Mais tarde, no Calvário, quando o vi entregar-Se por nós, compreendi que aquele lava-pés era já um prenúncio da cruz: o Deus que Se inclina, que Se doa, que ama até ao fim.

Naquele lava-pés, entendi que ser amado por Jesus é também ser chamado a amar como Ele: de joelhos, com a toalha da humildade e o coração aberto. Naquele Seu gesto, também percebi que quem não aceita ser lavado, nunca será fonte.