(…) a história contada pela Bíblia poderia ser lida como a história da luta que recomeça a cada instante, na qual Deus se compromete ao lado daqueles e daquelas que recusam esta lógica de morte. Se ao longo do Antigo Testamento nem sempre é evidente esta presença de Deus ao lado, o fim do Apocalipse declara-o claramente: em Jesus, Deus mostra que Ele mantém aberto o acesso àarvore da vida para todo aquele que, seguindo o exemplo de Jesus, quer deixar a lógica da cobiça, do açambarcamento e da concorrência. (Ap 22, 1-2)
No relato, a queda está no comer do fruto. que melhor imagem da cobiça poderíamos encontrar do que a do comer? O que é comer? É tomar qualquer coisa, destruí-la para a assimilar a si, fazê-la sua. É este precisamente o movimento da cobiça ou da vontade que consiste em açambarcar, monopolizar. E a melhor maneira de açambarcar somente para si o que não se quer partilhar é a destruição. De outra forma, o risco de que outro se aposse estará sempre presente. Assim, a maneira de relatar a falta, a queda, designa-a como o resultado da cobiça e da inveja.
A cobiça e inveja aparecem assim, segundo a mensagem do Génesis, na raiz do mal e da violência. E o seu processo no ser humano é descrito com minúcia. A cobiça fixa o olhar sobre os limites humanos e faz esquecer que a sua vida também é um dom maravilhoso. Os limites em vez de serem vistos como lugar de possível realização com o outro, aparece como um mal, uma frustação que impede de viver e de ser feliz. A vida torna-se má; chega a considerar-se o bem como o mal e o mal como bem (a mentira) e a acusar os outros de desejarem a minha infelicidade e a minha morte simplesmente porque eles têm o que eu gostaria de ter ou porque eles podem levar-me o que eu tenho. Nestas condições, não há mais nenhuma razão para respeitar os limites nem os rivais que gostariam de ditar as suas leis. Assim, pego e como… e destruo, pela violência, as relações que me faziam viver. Se o relato do Génesis mostra deste modo o caminho da cobiça e da inveja no ser humano, é para advertir que tudo se joga à volta da forma como se usa o dom que se recebe – e o dom essencial é a vida. Põe em evidência, numa história-tipo a armadilha que nos estende a não aceitação dos nossos limites e mostra como o seu caminho é uma lenta deriva para a violência e a morte. Com efeito, poder detetar e desmontar um tal processo, de alguma forma, é sinal de que o podemos dominar senão mesmo eliminar.
André Wenin, Actualité des mythes. Relire les récits mythiques de Genése 1-11, Centre de formation Cardjin, Louvain-la-Neuve, 1993, 19-39.
Pierre Gisel, Lucie Kaennel, La création du monde. Discours religieux, discours scientifiques, discours de foi, Labor et Fides, 1999, 17-31