Felicidade

Fabrice Hadjadj, Avvenire

Êxtase ou interioridade? Relâmpago ou panela ao lume? Quando falamos de felicidade, a ideia que dela temos associa-se a dois tipos de imagem que correspondem a dois modos opostos de nos relacionarmos com o tempo.

O primeiro tipo é o da vida intensa: inesperadamente, eis-nos surpreendidos, deslumbrados, de boca aberta. O segundo é o da vida serena: estamos abrigados, na calma, num banho de doçura. Naquele é a fratura; neste a maturação. Naquele, o instante; neste, a duração.

Esta separação das nossas visões felizes entre o relâmpago e o céu azul, o acontecimento e a harmonia, o sublime e o agradável, divide também a nossa aproximação à beleza.

Uns experimentam-na como uma fratura: a aparição de uma transeunte de corpo esplêndido que passeia no nosso coração. Outros percecionam-na como uma ascensão lenta mas irresistível: a superfície do mar na Grécia, calma e cintilante, mas cuja imensidão luminosa e tremeluzente vence pouco a pouco a nossa alma.

Assim acontece para a verdade: é visão ou caminho, véu que de uma vez se levanta ou diálogo que se prolonga? Para o trabalho: é sucesso rápido ou trabalho atento, eficácia imediata ou paciente recomeçar? Para a conversão: é Paulo ou Pedro, queda abrupta do cavalo ou continuar durante anos sempre a tropeçar?

Certo é que o nosso tempo está mais do lado da fulguração. Ela confunde facilmente o veloz e o vivaz, talvez por causa da aceleração tecnológica, da banda larga e da ligação quase instantânea que desencadeia o deslocamento vertical no ecrã que um instante antes era cinzento. Requerida pelo comboio de alta velocidade mas que impede a contemplação da paisagem.

É por isso que temos tanta dificuldade em agarrar o pensamento dos Antigos que cantavam a paz. Aos nossos olhos encadeados, a paz parece um sono; a sua harmonia uma inércia; a sua duração uma insipidez. Quando Santo Agostinho a define como a «tranquilidade da ordem», pensamos quase na morte, não decerto na felicidade.

O problema com a busca do intenso é que arruína a sensibilidade. As sensações nunca são suficientemente fortes. Começa-se com o parapente para passar ao salto com o elástico, a queda livre com paraquedas, o voo em “wingsuit” e por fim a queda livre sem paraquedas. O suicídio será sempre de intensidade extrema e sem retorno.

Não dou exemplos de tipo carnal, mas, evidentemente, seria necessário neste caso lembrar a violação e o homicídio. Infelizmente, também o assassínio em série acaba por se aborrecer: cortar uma mulher em pedaços, obstinadamente, excita-o tanto quanto descascar uma batata. Dá-se conta de que alguma coisa está errada. Que poderia ter ficado pela batata, se tivesse sido mais sensível, mais capaz de espanto.

É por isso que o gosto pela intensidade faz facilmente cair a sua lógica para jogar melhor nos contrastes. Coloca-se ao ritmo do caracol para ficar desconcertado pela velocidade da tartaruga. Permanece-se dias fechados na obscuridade para abrir repentinamente as portas e perceber um dia cinzento como uma formidável fulguração. Jejua-se três dias e, logo a seguir, nada é mais intenso, mais saboroso, nada dá mais prazer do que um bocado de pão duro. O ascetismo é o único método para viver um hedonismo que não se torna aceite.

Mantendo por muito tempo uma intensidade de vida muito baixa, na solidão, até o meio sorriso de uma senhora idosa pode parecer-nos como uma experiência de um poder extraordinário.

Compreende-se porque é que a questão da intensidade não é a única. A fé seria apenas um golpe de varinha mágica se tudo se decidisse assim, numa queda do cavalo. O amor seria somente ilusão e desilusão se se reduzisse ao orgasmo. A sua vocação e a sua prova estão precisamente em passar do êxtase ao interior, do relâmpago à panela ao lume.

Os românticos volúveis não deixarão de considerar esta passagem como um aburguesamento. É por isso que não conseguem entrar na profunda poesia do quotidiano.

Título original do artigo: «Essa procura de sensações que nos tira o quotidiano».

Tradução de: SNPC, publicado em 01.05.2017