Arquivo mensal: Fevereiro 2018

Quaresma

                                        MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA A QUARESMA DE 2018

«Porque se multiplicará a iniquidade, vai resfriar o amor de muitos» (Mt 24, 12)

Amados irmãos e irmãs!

Mais uma vez vamos encontrar-nos com a Páscoa do Senhor! Todos os anos, com a finalidade de nos preparar para ela, Deus na sua providência oferece-nos a Quaresma, «sinal sacramental da nossa conversão», que anuncia e torna possível voltar ao Senhor de todo o coração e com toda a nossa vida.

Com a presente mensagem desejo, este ano também, ajudar toda a Igreja a viver, neste tempo de graça, com alegria e verdade; faço-o deixando-me inspirar pela seguinte afirmação de Jesus, que aparece no evangelho de Mateus: «Porque se multiplicará a iniquidade, vai resfriar o amor de muitos» (24, 12). Esta frase situa-se no discurso que trata do fim dos tempos, pronunciado em Jerusalém, no Monte das Oliveiras, precisamente onde terá início a paixão do Senhor. Dando resposta a uma pergunta dos discípulos, Jesus anuncia uma grande tribulação e descreve a situação em que poderia encontrar-se a comunidade dos crentes: à vista de fenómenos espaventosos, alguns falsos profetas enganarão a muitos, a ponto de ameaçar apagar-se, nos corações, o amor que é o centro de todo o Evangelho.

  • Os falsos profetas

Escutemos este trecho, interrogando-nos sobre as formas que assumem os falsos profetas. Uns assemelham-se a «encantadores de serpentes», ou seja, aproveitam-se das emoções humanas para escravizar as pessoas e levá-las para onde eles querem. Quantos filhos de Deus acabam encandeados pelas adulações dum prazer de poucos instantes que se confunde com a felicidade! Quantos homens e mulheres vivem fascinados pela ilusão do dinheiro, quando este, na realidade, os torna escravos do lucro ou de interesses mesquinhos! Quantos vivem pensando que se bastam a si mesmos e caem vítimas da solidão!

Outros falsos profetas são aqueles «charlatães» que oferecem soluções simples e imediatas para todas as aflições, mas são remédios que se mostram completamente ineficazes: a quantos jovens se oferece o falso remédio da droga, de relações passageiras, de lucros fáceis mas desonestos! Quantos acabam enredados numa vida completamente virtual, onde as relações parecem mais simples e ágeis, mas depois revelam-se dramaticamente sem sentido! Estes impostores, ao mesmo tempo que oferecem coisas sem valor, tiram aquilo que é mais precioso como a dignidade, a liberdade e a capacidade de amar. É o engano da vaidade, que nos leva a fazer a figura de pavões para, depois, nos precipitar no ridículo; e, do ridículo, não se volta atrás. Não nos admiremos! Desde sempre o demónio, que é «mentiroso e pai da mentira» (Jo 8, 44), apresenta o mal como bem e o falso como verdadeiro, para confundir o coração do homem. Por isso, cada um de nós é chamado a discernir, no seu coração, e verificar se está ameaçado pelas mentiras destes falsos profetas. É preciso aprender a não se deter no nível imediato, superficial, mas reconhecer o que deixa dentro de nós um rasto bom e mais duradouro, porque vem de Deus e visa verdadeiramente o nosso bem.

  • Um coração frio

Na Divina Comédia, ao descrever o Inferno, Dante Alighieri imagina o diabo sentado num trono de gelo; habita no gelo do amor sufocado. Interroguemo-nos então: Como se resfria o amor em nós? Quais são os sinais indicadores de que o amor corre o risco de se apagar em nós?

O que apaga o amor é, antes de mais nada, a ganância do dinheiro, «raiz de todos os males» (1 Tm 6, 10); depois dela, vem a recusa de Deus e, consequentemente, de encontrar consolação n’Ele, preferindo a nossa desolação ao conforto da sua Palavra e dos Sacramentos. Tudo isto se permuta em violência que se abate sobre quantos são considerados uma ameaça para as nossas «certezas»: o bebé nascituro, o idoso doente, o hóspede de passagem, o estrangeiro, mas também o próximo que não corresponde às nossas expetativas.

A própria criação é testemunha silenciosa deste resfriamento do amor: a terra está envenenada por resíduos lançados por negligência e por interesses; os mares, também eles poluídos, devem infelizmente guardar os despojos de tantos náufragos das migrações forçadas; os céus – que, nos desígnios de Deus, cantam a sua glória – são sulcados por máquinas que fazem chover instrumentos de morte.

E o amor resfria-se também nas nossas comunidades: na Exortação apostólica Evangelii gaudium procurei descrever os sinais mais evidentes desta falta de amor. São eles a acédia egoísta, o pessimismo estéril, a tentação de se isolar empenhando-se em contínuas guerras fratricidas, a mentalidade mundana que induz a ocupar-se apenas do que dá nas vistas, reduzindo assim o ardor missionário.

  • Que fazer?

Se porventura detetamos, no nosso íntimo e ao nosso redor, os sinais acabados de descrever, saibamos que, a par do remédio por vezes amargo da verdade, a Igreja, nossa mãe e mestra, nos oferece, neste tempo de Quaresma, o remédio doce da oração, da esmola e do jejum. Dedicando mais tempo à oração, possibilitamos ao nosso coração descobrir as mentiras secretas, com que nos enganamos a nós mesmos, para procurar finalmente a consolação em Deus. Ele é nosso Pai e quer para nós a vida.

A prática da esmola liberta-nos da ganância e ajuda-nos a descobrir que o outro é nosso irmão: aquilo que possuo, nunca é só meu. Como gostaria que a esmola se tornasse um verdadeiro estilo de vida para todos! Como gostaria que, como cristãos, seguíssemos o exemplo dos Apóstolos e víssemos, na possibilidade de partilhar com os outros os nossos bens, um testemunho concreto da comunhão que vivemos na Igreja. A este propósito, faço minhas as palavras exortativas de São Paulo aos Coríntios, quando os convidava a tomar parte na coleta para a comunidade de Jerusalém: «Isto é o que vos convém» (2 Cor 8, 10). Isto vale de modo especial na Quaresma, durante a qual muitos organismos recolhem coletas a favor das Igrejas e populações em dificuldade. Mas como gostaria também que no nosso relacionamento diário, perante cada irmão que nos pede ajuda, pensássemos: aqui está um apelo da Providência divina. Cada esmola é uma ocasião de tomar parte na Providência de Deus para com os seus filhos; e, se hoje Ele Se serve de mim para ajudar um irmão, como deixará amanhã de prover também às minhas necessidades, Ele que nunca Se deixa vencer em generosidade?

Por fim, o jejum tira força à nossa violência, desarma-nos, constituindo uma importante ocasião de crescimento. Por um lado, permite-nos experimentar o que sentem quantos não possuem sequer o mínimo necessário, provando dia a dia as mordeduras da fome. Por outro, expressa a condição do nosso espírito, faminto de bondade e sedento da vida de Deus. O jejum desperta-nos, torna-nos mais atentos a Deus e ao próximo, reanima a vontade de obedecer a Deus, o único que sacia a nossa fome.

Gostaria que a minha voz ultrapassasse as fronteiras da Igreja Católica, alcançando a todos vós, homens e mulheres de boa vontade, abertos à escuta de Deus. Se vos aflige, como a nós, a difusão da iniquidade no mundo, se vos preocupa o gelo que paralisa os corações e a ação, se vedes esmorecer o sentido da humanidade comum, uni-vos a nós para invocar juntos a Deus, jejuar juntos e, juntamente connosco, dar o que puderdes para ajudar os irmãos!

Convido, sobretudo os membros da Igreja, a empreender com ardor o caminho da Quaresma, apoiados na esmola, no jejum e na oração. Se por vezes parece apagar-se em muitos corações o amor, este não se apaga no coração de Deus! Ele sempre nos dá novas ocasiões, para podermos recomeçar a amar. (…)

Abençoo-vos de coração e rezo por vós. Não vos esqueçais de rezar por mim.

Permanecer em pé

Permanecer em pé graças a Deus

                                                                                                                                       Génesis 15,1-6

O Senhor disse a Abrão numa visão: «Nada temas, Abrão! Eu sou o teu escudo, a tua recompensa será muito grande.» Abrão respondeu, «Que me dareis, Senhor Deus? Vou-me sem filhos e o herdeiro da minha casa é Eliézer de Damasco.» Acrescentou: «Não me concedeste descendência e é um escravo, nascido na minha casa, que será o meu herdeiro.» Então a palavra do Senhor foi-lhe dirigida, nos seguintes termos: «Não é ele que será o teu herdeiro, mas aquele que sairá das tuas entranhas.» E, conduzindo-o para fora, disse-lhe: «Levanta os olhos para o céu e conta as estrelas, se fores capaz de as contar.» E acrescentou: «Pois bem, será assim a tua descendência.» Abrão confiou no Senhor e Ele considerou-lhe isso como mérito.                              

Abraão era um migrante. Com o seu pai, ele deixou Ur, a sua cidade natal no sul da Mesopotâmia, para ir a Haran, no norte. Depois retomou o caminho, com a sua esposa Sara e o seu sobrinho Lot, e chegou à Terra Santa. Mas também teve que sair de lá. Fugindo da fome, foi para o exílio no Egipto. Regressou mais tarde à Terra Santa, mas nunca mais voltou à sua terra natal.

Abraão viveu na instabilidade. Nunca construiu uma casa, viveu sempre em tendas. E teve uma experiência de desânimo, quando não via nenhum futuro possível. Como todos nós, ele precisava de uma esperança para viver. Não se pode viver fora da corrente de vida que nos faz avançar. Abraão desejou um filho e que os seus descendentes lhe assegurassem uma reputação e um futuro.

Ao ler o texto bíblico, ouvimos a sua reclamação. Numa visão, Deus promete-lhe proteção e grandes posses. Mas ele queixa-se: «Que me dareis? Vou-me sem filhos…» Deus é lento a responder. E Abraão retoma a sua queixa: «Não me concedeste descendência…». Abraão poderia ter desaparecido no esquecimento como tantos outros antes e depois dele. Mas nós, cristãos, lembramo-nos dele, e antes de nós os judeus e depois também os muçulmanos, que o chamam Ibrahim. Por que será que este homem, cujos traços se perdem na noite dos séculos, nos toca assim?

A Bíblia divulga o seu segredo: Abraão acreditou no Senhor. Mas o que significa esta frase? O significado não pode ser que Abraão começou a acreditar que Deus existe. Naquele tempo todos acreditavam que os deuses existiam.

Há 35 anos, um senhor já de idade avançada, que passou a vida a estudar a Bíblia e as línguas bíblicas, chegou a Taizé. Ele disse-nos que acreditar em Deus significa tornar-se estável em Deus. «Abraão tornou-se estável em Deus». Acreditar é manter-se firme. Acreditar em Deus é ficar de pé graças a Deus. Abraão, indo de um país a outro sem nunca se instalar definitivamente em qualquer lugar, estabeleceu-se em Deus. Descobriu que mesmo com uma vida em que faltam os apoios habituais, é possível permanecer firmes. Ele encontrou em Deus uma estabilidade inesperada.

Será que ele procurou a fé e a esperança? Em vez disso, foram elas que vieram ter com ele: «A palavra do Senhor foi-lhe dirigida», diz o texto. E Abraão confiou nessa palavra. A promessa de Deus de lhe dar filhos como as estrelas do firmamento era inacreditável. Ele poderia tê-la esquecido imediatamente. Mas ele deixou a palavra de Deus colocá-lo de pé.

O apóstolo Paulo diz: «Esperando contra toda a esperança, Abraão acreditou e tornou-se pai de muitos povos.» Um pai para todos nós. Ao tornar-se estável em Deus, Abraão encontrou o lugar certo: «Confiou no Senhor e Ele considerou-lhe isso como mérito». A Bíblia chama pessoas «com mérito» ou «justos» aqueles que são amigos fiéis de Deus e dos homens e sinais vivos de um futuro. «Os justos florescerão como a palmeira e crescerão como os cedros do Líbano», canta um salmo.

É preciso pouco para sermos como aqueles que, seguindo Abraão, abrem caminhos de esperança. Antes de tudo, temos de saber reclamar sobre o que está errado, como fez Abraão. Depois é preciso perseverança para aguardar uma resposta, mesmo quando Deus permanece em silêncio. A fé é a surpresa de ficar de pé apesar de tudo, de viver, de seguir em frente. Deus não existe porque confiamos nele, e não desaparece quando não o fazemos. É ao contrário: é Deus que é a fonte da nossa firmeza, a nossa garantia. A fé é o acesso à estabilidade que está sempre em Deus, mesmo que falte em nós.

  •  Entre as pessoas que conheço ou de quem ouvi falar, há quem seja como Abraão? Em que sentido se parecem?
  •  De que me quero queixar a Deus?
  •  Onde e quando vi abrirem-se caminhos para o futuro? Quem os abriu: pessoas sozinhas ou em grupo, muitas ou poucas?
  •  O que me faz permanecer de pé e seguir em frente?
Textos bíblicos com comentário, de Taizé, fevereiro