Arquivo mensal: Junho 2018

Uma espiritualidade do provisório

José Tolentino Mendonça, O pequeno caminho das grandes perguntas, Quetzal Editores

Muitas vezes parecemos estar suspensos, à espera de um sinal espetacular qualquer para tomar uma decisão de vida sempre adiada. E queixamo-nos de falta de meios para levar a cabo essa transformação que vemos como necessária. Contudo, as verdadeiras transformações inventam os meios próprios para se expressarem, e estes, regra geral, começam por ser espantosamente modestos. Idealizamos de tal maneira o que pode ser a vida que ela arrisca-se a perder o jogo por falta de comparência, sequestrada num plano cada vez mais mental e abstrato. Ora, se não estamos dispostos a aprender com a sabedoria dos pequenos passos e com a dinâmica do provisório, dificilmente alcançaremos o que buscamos.

A história de Taizé é um bom exemplo: uma minúscula povoação que fica a 390 quilómetros a sudeste de Paris, sem nada de especial que a recomende, veio a tornar-se um dos pulmões espirituais da Europa. Em 1940, era apenas uma zona de demarcação entre a França ocupada pelas tropas alemãs e a França livre. Precisamente nesse ano, desembarcava naqueles nenhures um jovem teólogo suíço, Roger Schütz, transportado por uma pergunta, que não o largava: qual seria a sua missão, a que devia ele consagrar a sua vida? Um elemento curioso – e que se liga à espiritualidade do provisório, que escolherá como caminho – é que a primeira vez que ele chegou a Taizé, fê-lo de bicicleta (e pedalar desde Genebra). Poderia ser só um passeio ou uma fuga improvisada. Taizé era uma espécie de ponto zero, uma estação de passagem. mas ele entendeu esse nada como uma oportunidade para reparar as suas feridas e as da humanidade. E decidiu que ficaria ali.

O primeiro a servir

Mateus 20, 20–28

Aproximou-se então de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu, com os seus filhos, e prostrou-se diante dele para lhe fazer um pedido. «Que queres?» – perguntou-lhe Ele. Ela respondeu: «Ordena que estes meus dois filhos se sentem um à tua direita e o outro à tua esquerda, no teu Reino.» Jesus retorquiu: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu estou para beber?» Eles responderam: «Podemos.» Jesus replicou-lhes: «Na verdade, bebereis o meu cálice; mas, o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence a mim concedê-lo: é para quem meu Pai o tem reservado.» Ouvindo isto, os outros dez ficaram indignados com os dois irmãos. Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo; e quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo. Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão.

De acordo com esta passagem, o espírito de competição, o desejo de ser o primeiro e o melhor, não é um fenómeno dos tempos modernos. Será que existe algo no ser humano que busca as honras, que quer ocupar o primeiro lugar? Aqui, é mãe de Tiago e de João que procura um privilégio para os seus filhos, mas é uma velha astúcia: é mais fácil pedir para os outros e, depois, usufruir da sua glória. Jesus não se deixa iludir: dirige-se diretamente aos dois filhos.

A nossa sociedade ocidental foi muito longe nesta direcção. Uma economia capitalista e fundada no espírito da competição. Ensinam-nos, desde muito novos, que devemos ser melhores do que os outros. Um sistema assim produz, forçosamente, vencedores e vencidos e, se não for controlado, teremos, com o tempo, cada vez menos vencedores e cada vez mais vencidos.

Se uma competição saudável pode libertar as energias de cada um e revelar os seus talentos, a mesma conduz inevitavelmente a uma divisão e, até, à violência. Neste relato, vemos que os outros discípulos ficam muito indignados com Tiago e João. A comunidade arrisca implodir.

Jesus mostra-lhes, então, outra forma de viver. Expulsa todos os pensamentos de honras e recompensas. Pergunta aos discípulos se podem beber do mesmo cálice que ele. No mundo antigo, o cálice era símbolo do destino. Aplicado a Jesus, não se refere a um destino cego, mas à missão que o seu Pai lhe confiou: dar a sua vida para que outros possam viver.

De seguida, Jesus aplica este ensinamento à vida política, o que significa que o grupo dos discípulos não constitui apenas uma comunidade, mas que, para Jesus, esta comunidade – Israel restaurada – é uma alternativa às relações políticas do mundo pagão. Ali, onde os dirigentes gostam de exercer o seu poder sobre os outros. Entre os discípulos, pelo contrário, os maiores e os primeiros são, de facto, os últimos – os que servem.

Com esta reviravolta, Jesus liberta o nosso desejo de ser o melhor e o primeiro, colocando-o não ao serviço dos nossos egos, mas ao serviço dos outros. Procurar ser os primeiros a ajudar os outros, a servi-los: eis uma competição saudável. Como diz Paulo: «Considerai os outros superiores a vós próprios, não tendo cada um em mira os próprios interesses, mas todos e cada um exactamente os interesses dos outros» (Filipenses 2,3-4) e «Adiantai-vos uns aos outros na estima mútua» (Romanos 12,10). Um tal espírito de humildade e de partilha torna possível uma verdadeira vida comunitária.

Isso é apenas possível se a a nossa imagem de Deus se transformar. Jesus revela-nos um Deus que não encontra a sua glória no facto de ser o primeiro ou o maior, que não encara a sua divindade como um privilégio, mas que se rebaixa por amor, ficando no último lugar a fim de que os outros possam subir.

  • Qual é a finalidade dos meus estudos ou do meu trabalho?
  • Como colocar os meus dons ao serviço dos outros?
  • Que passos seriam necessários para transformar as nossas Igrejas e a nossas sociedades em verdadeiras comunidades de partilha?
Textos bíblicos com comentário, Taizé, junho