Deus tem um sonho

Quando ontem se anunciou a morte de Desmond Tutu, a nossa comunidade sentiu humanamente essa partida. Há muito que conhecemos este querido arcebispo. E podemos dizer que conhecemos porque partilhamos as mesmas palavras, as mesmas convicções, os mesmos sonhos. E o mesmo sentido de humor! Em 2005, num dos nossos retiros anuais na Casa da Torre (Soutelo) tivemos o privilégio de refletir acerca do seu extraordinário livro “Deus tem um sonho – uma visão de esperança para o nosso tempo”. Durante esse fim de semana, lemos, individualmente e em grupo, passagens deste mesmo livro e partilhamos ideias, conceitos, projetos, sonhos! Saímos desse retiro com a certeza de que cada um de nós era um elemento fundamental neste sonho de Deus para o mundo e que Deus também tinha um sonho para cada um de nós. Esta obra é um pequeno resumo dos vários textos que Desmond Tutu escreveu e com os quais pretende transmitir uma mensagem de esperança, de confiança, de fé e de alegria, mensagem esta pautada pelo seu conhecido humor. Desmond Tutu parte da sua experiência de provação para nos mostrar que todo esse sofrimento pode ser transformado e redimido e dar lugar à esperança e alegria. Este livro está há muito tempo indisponível nas nossas livrarias nacionais, o que é de lamentar, uma vez que é uma obra sempre atual, profética e deveria ser de leitura obrigatória. Pode ser que, com a sua morte, o voltem a publicar. Desmond Tuto está agora a viver o sonho de Deus numa outra dimensão, eterna e gloriosa, depois de ter vivido o sonho de Deus neste mundo terreno e depois de nos ter mostrado que é possível fazermos parte deste sonho. “Como partilhamos o amor de Deus com os nossos irmãos e irmãs, os outros filhos de Deus, não há tirano que nos possa resistir, nenhuma opressão que não possa ser saciada, nenhuma ferida que não possa ser curada, nenhum ódio que não possa ser convertido em amor, nenhum sonho que não se possa realizar.” (Desmond Tutu)

Eis um pequeno excerto do livro “Deus tem um sonho – Uma visão de esperança para o nosso mundo.

Segundo a fé cristã, quando caímos nas garras do diabo e estávamos escravizados pelo pecado, Deus escolheu Maria, uma jovem de uma pequena aldeia, para ser a mãe do Seu filho. Ele enviou um arcanjo para a visitar. Na minha visão isto aconteceu assim:

Truz, truz.

“Entre.”

“…Maria?”

“Sim.”

“Maria, Deus gostaria que tu fosses a mãe do Seu filho.”

“O quê? Eu? Nesta aldeia nem sequer nos podemos coçar sem que toda agente saiba! Tu queres que eu seja uma mãe solteira? Eu sou uma rapariga decente, sabias? Lamento, tenta na porta ao lado.”

Se ela tivesse dito isto, estaríamos numa situação muito complicada. Misericordiosa e maravilhosamente, Maria disse: “Eis a serva do Senhor; que se faça tudo segundo a Sua Palavra.”. E o universo soltou um suspiro cósmico de alívio porque ela tornou possível que o nosso Salvador nascesse.

Maria era uma pobre adolescente na Galileia e lembra-nos que a transfiguração do nosso mundo provém mesmo dos mais improváveis lugares e pessoas. Tu és o indispensável agente da mudança. Não te deves intimidar pela magnitude da tarefa que tens à tua frente. A tua contribuição pode inspirar os outros, encorajar outros que são tímidos a erguer-se no meio do tumulto de distorção, propaganda e engano. A erguer-se pelos direitos humanos onde estes estão a ser violados impunemente. A erguer-se pela justiça, liberdade e amor, onde estes são pisados pela injustiça, opressão, ódio e crueldade; erguer-se pela dignidade humana e pela decência em alturas em que estes nos fazem desesperadamente falta.

Deus chama-nos para sermos seus parceiros, trabalhando para um novo tipo de sociedade em que as pessoas contem, onde as pessoas contem mais do que as coisas, mais do que os bens; onde a vida humana é, não apenas respeitada, mas efetivamente reverenciada; onde as pessoas estejam em segurança e não sofram o medo da fome, a ignorância, a doença; onde haja mais suavidade, mais atenção, mais partilha, mais compaixão, mais riso; onde haja paz e não guerra. A nossa parceria com Deus provém do facto de termos sido feitos à imagem de Deus. Cada ser humano é criado a partir dessa mesma imagem divina. E isto é incrível, uma espantosa asserção sobre os seres humanos.

Do nosso ponto de vista cristão, o nosso Deus é aquele que assumiu a nossa natureza humana. O nosso Deus disse: “Quando fizerdes isto a um dos mais pequenos, meus irmãos, estareis a fazê-lo a mim.” Não temos de andar por aí à procura de Deus. Não temos de perguntar, “Onde está Deus?” Cada um à tua volta – esse é Deus.