Arquivo mensal: Abril 2022

Hoje é Páscoa!

Hoje é Páscoa!

Hoje é Páscoa porque decido acreditar que aquele túmulo, onde tantas vezes teimo em colocar os meus projetos, está vazio, já não existe.

Hoje é Páscoa porque veio este novo dia claro e eu não quero mais deixar que a noite me domine, que os medos me revistam, que a morte tenha a palavra final.

Hoje é Páscoa porque escolho estar disponível para ouvir o que os meus irmãos têm para me contar acerca de um Homem Novo que das leis da morte se libertou e que para sempre vive em cada um de nós.

Hoje é Páscoa porque sei que quero viver a esperança de um dia novo, de um dia luminoso, de um dia inteiro, mesmo quando esse mesmo dia me parece, tantas vezes, impossível de viver.

Hoje é Páscoa porque vou correr juntamente com aquelas mulheres e com elas anunciar que há um mundo novo que começa quando a nossa vida é movimento, é ação, é caminho.

Hoje é Páscoa porque não quero mais estar indiferente à vida que me rodeia, à Luz que eu posso ser para os outros, ao serviço que eu posso prestar a quem precisa.

Hoje é Páscoa porque vou deixar para trás tudo aquilo que não faz de mim um Filho de um Deus maior e me impede de viver a minha dimensão divina.

Hoje é Páscoa porque quero usar todas as palavras criadas e inventadas para anunciar ao Mundo que há uma vida que não morre, que há um Amor que nos transcende, que há uma certeza eterna.

Hoje é Páscoa porque desejo sonhar, projetar, imaginar como posso fazer de cada um dos meus dias um lugar teu.

Hoje é Páscoa porque Tu me ofereces o dom da liberdade, a oportunidade de Te escolher e de fazer de Ti todo o meu coração.

Hoje é Páscoa porque quero abrir a janela alta dos recomeços, a porta ampla das possibilidades, a varanda longa das escolhas verdadeiras e profundas.

Hoje é Páscoa porque quero viver-Te em comunidade, em comunhão com os meus, em abraços apertados e demorados, em beijos e risos de aleluia eterna.

Hoje é Páscoa porque a minha voz só quer cantar para Ti, só quer anunciar a Tua Eternidade, só quer proclamar todas as tuas maravilhas.

Hoje é Páscoa porque quero gritar bem alto que Tu não morreste, que Tu não morrerás.

Hoje é Páscoa porque hoje, com a Tua Ressurreição, me dizes que há um lugar onde Tu, um dia, me esperas para juntos fazermos, para sempre, a Tua grande festa.

Hoje é Páscoa! Aleluia! Jesus ressuscitou!

Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara, Páscoa 2022

Amar com a finalidade única de amar

Texto de Frederico Lourenço, publicado a 15 de abril de 2022 no seu Facebook

Sexta-feira Santa 2022

Já passei fases mais crentes e fases menos crentes: mas, mesmo no período da minha vida em que em afastei mais do cristianismo, a Sexta-feira Santa nunca foi um dia como outro qualquer. É um dia sagrado para mim: um dia diferente de todos os dias do ano. Os meus pensamentos, claro está, estão colados ao homem que pregaram na cruz há quase 2000 anos; homem que, independentemente de tudo e de todos e para lá de religiões e de igrejas, rege e orienta a minha vida interior.

Hoje penso nas razões que o levaram àquele lugar de execução. Penso no bem que ele fez na curta vida que teve. Penso no bem que continua a fazer a todos nós que nos interessamos por saber quem ele foi. E penso, como sempre, que o mundo seria tão diferente se todos puséssemos, de facto, em prática a sua mensagem de amor e de paz.

Mas o amor não é fácil; e a paz, muito menos. Tanto o amor como a paz exigem confrontos intransigentes connosco mesmos; exigem confrontos incómodos com os outros. Não é por acaso que o homem que trouxe a lei do amor também disse que viera para trazer a espada: a espada que corta a direito em tudo o que é hipocrisia e mentira. É cortante exigirmos a verdade a nós mesmos; já para não falar de a exigirmos aos outros.

Jesus foi crucificado na década de 30 do século I. No início da década de 30 do século I a.C., um poeta que escreveu sobre uma nova era de paz que estaria para vir (e sobre um jovem que morreu e subiu ao céu) interrogou-se sobre o amor. No latim de Vergílio, a frase diz-nos «quis enim modus adsit amori?» (Bucólica 2.68), o que pode significar «que medida haveria para o amor?» ou «que limite haveria para o amor?»

Pergunta a que o homem pregado na cruz teria dado resposta segura: não existe medida nem limite para o amor.

No entanto, essa é a resposta de alguém que é tido como Deus encarnado. A pergunta, vista da perspectiva humana, é mais difícil: para nós, humanos, a palavra latina «modus» aponta para a dificuldade humana em amar. «Que jeito haveria para o amor?» Ou então: «Será que o amor tem jeito?»

Como amar o próximo como a mim mesmo? Como praticar o amor para com pessoas que me desagradam, que me suscitam censura, tédio e repúdio? E, mais difícil ainda: como praticar, em toda a verdade, o amor para com as pessoas que eu amo de verdade?

O homem que foi pregado na cruz, numa sexta-feira que nunca iremos esquecer, disse: «Nisto se reconhecerão todos que sois meus discípulos, se amor tiverdes entre vós» (João 13:35).

Amor que é a sua própria finalidade, como se vê na mais extraordinária duplicação de uma frase final em toda a literatura grega: «dou-vos um novo mandamento, PARA QUE vos ameis uns aos outros, tal como eu vos amei, PARA QUE também vós vos ameis uns aos outros» (João 13:34).

Amar com a finalidade única de amar. Só e mais nada.

No primeiro dia…

Reflexão para o mês de abril de 2022

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

“Pusemos a nossa esperança no Deus Vivo” (da 1.ª Carta a Timóteo 4,10)

A primeira carta que São Paulo escreve a Timóteo é dirigida a este jovem pastor que, apesar da sua idade e da sua pouca experiência, está como responsável da comunidade em Éfeso. Ao longo da carta, Paulo pede a Timóteo que se mantenha firme na fé e que desempenhe sempre com coragem, fidelidade e determinação a tarefa para a qual foi escolhido. Paulo, ao aconselhar o jovem Timóteo, traça um perfil interessante daquele que se diz ser seguidor de Jesus Cristo, acabando por definir tudo aquilo que pode ser considerado relevante para um cristão autêntico. Paulo entende que aquele que professa a vida cristã deve ser modelo para os outros na fé, no amor e na esperança. Se bem que outra atitude não deveríamos esperar de verdadeiros cristãos, por vezes parece que nem sempre é assim tão fácil encontramos a personificação destes modelos e esses valores em cada um de nós. Paulo aconselha Timóteo a ser perseverante e firme, a não desistir nem desanimar, pois só assim poderá ultrapassar os seus limites e conhecer novas forças e novos alentos. Assim, o verdadeiro seguidor de Cristo será sempre aquele que conhecendo as suas capacidades, os seus talentos e o seu carisma os põe a render e a dar fruto, indo ao encontro dos outros. Paulo também pede a Timóteo para que este se dedique à leitura e ao ensino e que cuide dele próprio para assim poder ser luz para os outros e caminho de salvação. Por último, Paulo pede a Timóteo para este ter esperança e acreditar no Deus vivo.

As palavras de Paulo a Timóteo atravessam os séculos e chegam até nós. É uma ideia interessante esta, a de colocarmos a nossa esperança num Deus…vivo! Parece ser uma afirmação redundante e pouco propositada, mas… Por vezes, dizemos acreditar neste Deus, mas parece que nos esquecemos que Ele continua vivo hoje, na nossa realidade, nas nossas casas, nos livros que lemos, nas escolas e nos empregos, nos passeios e nas conversas, nos caminhos que percorremos. Este Deus – vivo! – não é apenas um Deus que um dia veio até nós e fez coisas maravilhosas e extraordinárias e depois morreu, deixando como herança as suas palavras e as suas ideias e tendo depois sido proclamado herói e assim adquirido uma legião de seguidores. É muito mais que isso! É um Deus que continua vivo hoje! E a nossa esperança deve ser sempre colocada naquilo que não morre, no que não tem fim, naquilo que perdura.

A esperança deve ser uma palavra querida e obrigatória para todos aqueles que se dizem cristãos. É impossível dizermo-nos cristãos e não sermos capazes de verdadeiramente sentir e concretizar no dia-a-dia a existência dessa força, dessa esperança maior que nós próprios e que nos faz acreditar profundamente na imensidão e na eternidade das nossas vidas. Os primeiros cristãos souberam viver esta e nesta esperança. Num ambiente marcado por perseguições, medos e injustiças, a esperança daqueles homens foi sempre tão forte, tão firme e tão persistente que foram capazes de manter vivo aquele Deus no qual acreditavam. Depois de terem experimentado a novidade da mensagem de Jesus, era-lhes impossível não falar dela e não podiam deixar de anunciar que este seu Deus continuava vivo e era para todo o sempre imortal. Naquele contexto, era-lhes pedido que manifestassem a sua fé através das suas vidas, indo muitas vezes até ao limite. Na nossa sociedade ocidental atual, somos chamados a viver esta nossa fé de uma forma exigente e adequada à nossa própria realidade e ao nosso tempo. Como cristãos do mundo de hoje, de uma sociedade ultra e mega tecnológica, de um tempo moderno e universal, devemos ousar e anunciar este Deus vivo! Não nos devemos deixar contagiar por aqueles para quem Deus só aparece nos maus momentos, para quem a crise fala mais alto que a esperança, para quem Deus não pode nunca ser motivo de uma infinita alegria. Somos responsáveis por manter vivo este Deus através de vidas verdadeiramente vivas e cheias de significado. Devemos ser sempre os primeiros a acreditar e a confiar e a saber falar de esperança. Como cristãos autênticos, não podemos proclamar um Deus morto, sofrido, apenas e só quaresmal. Nem podemos apenas limitar Deus a um mero protetor naquelas horas mais tristes. Devemos procurar sempre que as nossas atitudes e ações sejam um reflexo do nosso acreditar num Deus que vence a morte. Sempre. Todos os dias. Ao depositarmos a nossa esperança num Deus infinito, estamos a enraizar a nossa vida na certeza profunda da absoluta imortalidade. Confiar totalmente num Deus vivo leva-nos a acreditar que não podemos deixar que o medo, o desânimo e o desespero nos dominem. E este acreditar e esta confiança dependem de nós próprios, da nossa vontade e do nosso desejo. São as escolhas que escolhemos fazer.

António Alçada Baptista, um homem que soube compreender como a imortalidade vive no coração de cada homem, dizia que “Deus deve ter em nós uma presença permanente. Ter Cristo em nós, sempre acordado, é uma presença vital.” Acreditar num Deus vivo é isto mesmo, é fazer com que Ele esteja sempre acordado dentro de nós. Só assim a mensagem de Jesus continua a ser atual e transformadora, só assim poderemos ser cristãos autênticos, com vidas acordadas e ativas, capazes de mudar e de fazer crescer o nosso pequeno mundo e tornar mais despertos os mundos daqueles que estão perto de nós. Só assim podermos celebrar a Páscoa todos os dias. Só assim é Páscoa todos os dias. Acreditar num Deus vivo desafia-nos constantemente a evitar tudo aquilo que é terreno, superficial e desnecessário e a crescer e a evoluir, a descobrir forças em nós, a estarmos atentos aos outros e a sermos mais criativos. A sermos Luz. Sempre Luz! A sermos Páscoa!