Arquivo mensal: Novembro 2022

Mensagem do Papa Francisco para a XXXVII Jornada Mundial da Juventude (2022-2023)

«Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39)

Queridos jovens!

O tema da JMJ do Panamá era este: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Depois daquele evento, retomamos o caminho para uma nova meta – Lisboa 2023 –, deixando ecoar nos nossos corações o premente convite de Deus a levantar-nos. Em 2020, meditamos nesta palavra de Jesus: «Jovem, Eu te digo, levanta-te!» (cf. Lc 7, 14). No ano passado, serviu-nos de inspiração a figura do apóstolo São Paulo, a quem o Senhor ressuscitado dissera: «Levanta-te! Eu te constituo testemunha do que viste» (cf. At 26, 16). No troço de estrada que ainda nos falta para chegar a Lisboa, caminharemos juntos com a Virgem de Nazaré, que, imediatamente depois da Anunciação, «levantou-se e partiu apressadamente” (Lc 1, 39) para ir ajudar a prima Isabel. Comum aos três temas é o verbo levantar-se, palavra (é bom lembrá-lo!) que significa também «ressuscitar», «despertar para a vida».

Nestes últimos tempos tão difíceis, em que a humanidade já provada pelo trauma da pandemia, é dilacerada pelo drama da guerra, Maria reabre para todos e em particular para vós, jovens como Ela, o caminho da proximidade e do encontro. Espero e creio fortemente que a experiência que muitos de vós ireis viver em Lisboa, no mês de agosto do próximo ano, representará um novo começo para vós jovens e, convosco, para toda a humanidade.

Maria levantou-se

Depois da Anunciação, Maria teria podido concentrar-se em si mesma, nas preocupações e temores derivados da sua nova condição; mas não! Entrega-se totalmente a Deus! Pensa, antes, em Isabel. Levanta-se e sai para a luz do sol, onde há vida e movimento. Apesar do inquietante anúncio do Anjo ter provocado um «terremoto» nos seus planos, a jovem não se deixa paralisar, porque dentro d’Ela está Jesus, poder de ressurreição. Dentro d’Ela, traz já o Cordeiro Imolado mas sempre vivo. Levanta-se e põe-se em movimento, porque tem a certeza de que os planos de Deus são o melhor projeto possível para a sua vida. Maria torna-se templo de Deus, imagem da Igreja em caminho, a Igreja que sai e se coloca ao serviço, a Igreja portadora da Boa Nova.

Experimentar na própria vida a presença de Cristo ressuscitado, encontrá-Lo «vivo», é a maior alegria espiritual, uma explosão de luz que não pode deixar ninguém «parado». Imediatamente põe em movimento impelindo a levar aos outros esta notícia, a testemunhar a alegria deste encontro. É aquilo que anima a pressa dos primeiros discípulos nos dias que se seguiram à ressurreição: «Afastando-se apressadamente do sepulcro, cheias de temor e grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos» (Mt 28, 8).

As narrações da ressurreição usam muitas vezes dois verbos: acordar e levantar-se. Através deles, o Senhor impele-nos a sair para a luz, a deixar-se conduzir por Ele para superar o limiar de todas as nossas portas fechadas. «É uma imagem significativa para a Igreja. Também nós, como discípulos do Senhor e como Comunidade Cristã, somos chamados a erguer-nos apressadamente para entrar no dinamismo da ressurreição e deixar-nos conduzir pelo Senhor ao longo dos caminhos que Ele nos queira indicar» (Francisco, Homilia na Solenidade de São Pedro e São Paulo, 29/VI/2022).

A Mãe do Senhor é modelo dos jovens em movimento, jovens que não ficam imóveis diante do espelho em contemplação da própria imagem, nem «alheados» nas redes. Ela está completamente projetada para o exterior. É a mulher pascal, num estado permanente de êxodo, de saída de si mesma para o Outro, com letra grande, que é Deus e para os outros, os irmãos e as irmãs, sobretudo os necessitados, como estava então a prima Isabel.

…e partiu apressadamente

Santo Ambrósio de Milão escreve, no seu comentário ao Evangelho de Lucas, que Maria partiu apressadamente para a montanha, «porque estava feliz com a promessa e desejosa de prestar devotadamente um serviço, com o entusiasmo que lhe vinha da alegria interior. Agora, cheia de Deus, para onde poderia apressar-se se não em direção ao alto? A graça do Espírito Santo não admite morosidades». Por isso a pressa de Maria é ditada pela solicitude do serviço, do anúncio jubiloso, duma pronta resposta à graça do Espírito Santo.

Maria deixou-se interpelar pela necessidade da sua prima idosa. Não se escusou, não ficou indiferente. Pensou mais nos outros do que em si mesma. E isto conferiu dinamismo e entusiasmo à sua vida. Cada um de vós pode perguntar-se: Como reajo perante as necessidades que vejo ao meu redor? Busco imediatamente uma justificação para não me comprometer, ou interesso-me e torno-me disponível? É certo que não podeis resolver todos os problemas do mundo; mas talvez possais começar por aqueles de quem está mais próximo de vós, pelas questões do vosso território. Uma vez disseram a Madre Teresa que «quanto ela fazia não passava duma gota no oceano». E ela respondeu: «Mas, se não o fizesse, o oceano teria uma gota a menos».

Perante uma necessidade concreta e urgente, é preciso agir apressadamente. No mundo, quantas pessoas esperam uma visita de alguém que cuide delas! Quantos idosos, doentes, presos, refugiados precisam do nosso olhar compassivo, da nossa visita, de um irmão ou uma irmã que ultrapasse as barreiras da indiferença!

Quais são as «pressas» que vos movem, queridos jovens? O que é que vos faz sentir de tal maneira a premência de vos moverdes que não conseguis ficar parados? Há muitos que, impressionados por realidades como a pandemia, a guerra, a migração forçada, a pobreza, a violência, as calamidades climáticas, se interrogam: Porque é que me acontece isto? Porquê precisamente a mim? Porquê agora? Mas a pergunta central da nossa existência é esta: Para quem sou eu? (cf. Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 286).

A pressa da jovem mulher de Nazaré é a pressa típica daqueles que receberam dons extraordinários do Senhor e não podem deixar de partilhar, de fazer transbordar a graça imensa que experimentaram. É a pressa de quem sabe colocar as necessidades do outro acima das próprias. Maria é exemplo de jovem que não perde tempo a mendigar a atenção ou a aprovação dos outros – como acontece quando dependemos daquele «gosto» nas redes sociais –, mas move-se para procurar a conexão mais genuína, aquela que provem do encontro, da partilha, do amor e do serviço.

A partir da Anunciação, desde aquela primeira vez quando partiu para ir visitar a sua prima, Maria não cessa de atravessar espaços e tempos para visitar os filhos carecidos da sua ajuda carinhosa. Os nossos passos, se habitados por Deus, levam-nos diretamente ao coração de cada um dos nossos irmãos e irmãs. Quantos testemunhos nos chegam de pessoas «visitadas» por Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe. Em quantos lugares remotos da terra, ao longo dos séculos, Maria visitou o seu povo com aparições ou graças especiais. Praticamente não há lugar, na Terra, que não tenha sido visitado por Ela. Movida por uma solícita ternura, a Mãe de Deus caminha no meio do seu povo e cuida das suas angústias e vicissitudes. E onde quer que haja um santuário, uma igreja, uma capela a Ela dedicada, lá acorrem numerosos os seus filhos. Quantas expressões de piedade popular! As peregrinações, as festas, as súplicas, o acolhimento das imagens nas casas e muitas outras iniciativas são exemplos concretos da relação viva entre a Mãe do Senhor e o seu povo, que se visitam reciprocamente.

Uma pressa boa impele-nos sempre para o alto e para o outro

Uma pressa boa impele-nos sempre para alto e para o outro. Mas há também uma pressa não boa, como, por exemplo, a pressa que nos leva a viver superficialmente, tomar tudo levianamente sem empenho nem atenção, sem nos envolvermos verdadeiramente no que fazemos; a pressa de quando vivemos, estudamos, trabalhamos, convivemos com os outros sem colocarmos nisso a cabeça e menos ainda o coração. Pode acontecer nas relações interpessoais: na família, quando nunca ouvimos verdadeiramente os outros nem lhes dedicamos tempo; nas amizades, quando esperamos que um amigo nos faça divertir e dê resposta às nossas exigências, mas, se virmos que ele está em crise e precisa de nós, imediatamente o evitamos e procuramos outro; e mesmo nas relações afetivas, entre noivos, poucos têm a paciência de se conhecerem e compreenderem a fundo. E, a mesma atitude, podemos tê-la na escola, no trabalho e noutras áreas da vida quotidiana. Ora, todas estas coisas vividas com pressa dificilmente darão fruto; há o risco de permanecerem estéreis. Assim se lê no livro dos Provérbios: «Os projetos do homem diligente têm êxito, mas quem se precipita [a pressa má] cai certamente na ruína» (21, 5).

Quando Maria, finalmente, chega à casa de Zacarias e Isabel, sucede um encontro maravilhoso. Isabel experimentou em si mesma uma intervenção prodigiosa de Deus, que lhe deu um filho na velhice. Teria todas as razões para falar, primeiro, de si mesma; mas não o fez, toda propensa a acolher a jovem prima e o fruto do seu ventre. Logo que ouve a sua saudação, Isabel fica cheia do Espírito Santo. Acontecem estas surpresas e irrupções do Espírito quando vivemos uma verdadeira hospitalidade, quando colocamos no centro o hóspede, e não a nós próprios. Vemos isto mesmo também na história de Zaqueu, que lemos em Lucas: «Quando chegou àquele local [onde estava Zaqueu], Jesus levantou os olhos e disse-lhe: “Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa”. Ele desceu imediatamente e acolheu Jesus cheio de alegria» (19, 5-6).

Já aconteceu a muitos de nós sentir que, inesperadamente, Jesus vem ao nosso encontro: n’Ele, pela primeira vez, experimentamos uma proximidade, um respeito, uma ausência de preconceitos e condenações, um olhar de misericórdia que nunca tínhamos encontrado nos outros. Mais, sentimos também que, a Jesus, não Lhe bastava olhar-nos de longe, mas queria estar connosco, queria partilhar a sua vida connosco. A alegria desta experiência suscitou em nós a pressa de O acolher, a urgência de estar com Ele e conhecê-Lo melhor. Isabel e Zacarias hospedaram Maria e Jesus. Aprendamos daqueles dois anciãos o significado da hospitalidade. Perguntai aos vossos pais e aos vossos avós, bem como aos membros mais idosos das vossas comunidades, que significa para eles serem hospitaleiros para com Deus e com os outros. Fazer-vos-á bem escutar a experiência de quem vos precedeu.

Queridos jovens, é tempo de voltar a partir apressadamente para encontros concretos, para um real acolhimento de quem é diferente de nós, como acontece entre a jovem Maria e a idosa Isabel. Só assim superaremos as distâncias entre gerações, entre classes sociais, entre etnias, entre grupos e categorias de todo o género, e superaremos também as guerras. Os jovens são sempre a esperança duma nova unidade para a humanidade fragmentada e dividida. Mas somente se tiverem memória, apenas se escutarem os dramas e os sonhos dos idosos. «Não é por acaso que a guerra tenha voltado à Europa no momento em que está a desaparecer a geração que a viveu no século passado» (Francisco, Mensagem para o II Dia Mundial dos Avós e do Idosos). Há necessidade da aliança entre jovens e idosos, para não esquecer as lições da história, para superar as polarizações e os extremismos deste tempo.

Ao escrever aos Efésios, São Paulo anunciou: «Em Cristo Jesus, vós, que outrora estáveis longe, agora estais perto, pelo Sangue de Cristo. Com efeito, Ele é a nossa paz, Ele que, dos dois povos, fez um só e destruiu o muro de separação, a inimizade, na sua carne» (2, 13-14). Jesus é a resposta de Deus face aos desafios da humanidade em todos os tempos. E esta resposta, Maria leva-a dentro de si quando vai ao encontro de Isabel. A maior prenda que Maria oferece à sua parente idosa é levar-lhe Jesus: certamente também a ajuda concreta foi muito preciosa; mas nada teria podido encher a casa de Zacarias com uma alegria tão grande e um significado assim pleno como o fez a presença de Jesus no ventre da Virgem, que se tornara o tabernáculo do Deus vivo. Naquela região montanhosa, Jesus, com a mera presença, sem dizer uma palavra, pronuncia o seu primeiro «discurso da montanha»: proclama em silêncio a bem-aventurança dos pequeninos e dos humildes que se entregam à misericórdia de Deus.

A minha mensagem para vós jovens, a grande mensagem de que é portadora a Igreja é Jesus! Sim, Ele mesmo, o seu amor infinito por cada um de nós, a sua salvação e a vida nova que nos deu. E Maria é o modelo de como acolher este imenso dom na nossa vida e comunicá-lo aos outros, fazendo-nos por nossa vez portadores de Cristo, portadores do seu amor compassivo, do seu serviço generoso, à humanidade sofredora.

Todos juntos em Lisboa!

Maria era uma jovem como muitos de vós. Era uma de nós. Assim escrevia acerca dela o bispo D. Tonino Bello: «Santa Maria, (…) bem sabemos que foste destinada a navegar no alto mar. Mas, se te constrangemos a navegar junto da costa, não é porque queremos reduzir-te aos níveis da nossa pequena navegação costeira. É porque, vendo-te tão perto das praias do nosso desânimo, possa apoderar-se de nós a consciência de sermos chamados, também nós, a aventurar-nos, como Tu, nos oceanos da liberdade» (Maria, mulher dos nossos dias, Cinisello/Balsamo 2012, 12-13).

Como recordei na primeira Mensagem desta trilogia, nos séculos XV e XVI, muitos jovens (incluindo tantos missionários) partiram de Portugal rumo a mundos desconhecidos, inclusive para partilhar a sua experiência de Jesus com outros povos e nações (cf. Francisco, Mensagem JMJ 2020). E a esta terra, no início do século XX, Maria quis fazer uma visita especial, quando de Fátima lançou a todas as gerações a mensagem forte e maravilhosa do amor de Deus que chama à conversão, à verdadeira liberdade. A cada um e cada uma de vós renovo o meu caloroso convite a participar na grande peregrinação intercontinental dos jovens que culminará na JMJ de Lisboa em agosto do próximo ano; e recordo-vos que, no próximo 20 de novembro, Solenidade de Cristo Rei, celebraremos a Jornada Mundial da Juventude nas Igrejas particulares espalhadas pelo mundo inteiro. A propósito, o recente documento do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida – Orientações pastorais para a celebração da JMJ nas Igrejas particulares– pode ser de grande ajuda para todas as pessoas que trabalham na pastoral juvenil.

Sonho, queridos jovens, que na JMJ possais experimentar novamente a alegria do encontro com Deus e com os irmãos e as irmãs. Depois dum prolongado período de distanciamento e separação, em Lisboa – com a ajuda de Deus – reencontraremos juntos a alegria do abraço fraterno entre os povos e entre as gerações, o abraço da reconciliação e da paz, o abraço duma nova fraternidade missionária! Que o Espírito Santo acenda nos vossos corações o desejo de vos levantardes e a alegria de caminhardes todos juntos, em estilo sinodal, abandonando falsas fronteiras. O tempo de nos levantarmos é agora. Levantemo-nos apressadamente! E, como Maria, levemos Jesus dentro de nós, para O comunicar a todos. Neste belíssimo momento da vossa vida, avançai, não adieis o que o Espírito pode realizar em vós! De coração abençoo os vossos sonhos e os vossos passos.

Roma, São João de Latrão, na Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria,15 de agosto de 2022.

Francisco

Caminho em Ti – 05.10.22 (Junqueira, Vila do Conde)

No passado dia 5 de outubro, no início do novo ano catequético, a Comunidade Estrada Clara orientou um encontro “Caminho em Ti” para o grupo de catequistas da paróquia da Junqueira (Vila do Conde). Durante a manhã, após as apresentações iniciais e o momento de oração, foi trabalhado, em grande grupo, o tema “Deus investe em nós – a parábola dos talentos”. Juntos, concluímos, a partir do texto evangélico, que cada um de nós, tendo em conta as suas características e individualidade, dispõe de capacidades dadas por Deus e que se multiplicam e ganham um significado maior quando são colocadas a render, isto é, quando são dinamizadas com os outros e para os outros. Abordaram-se também os principais obstáculos experimentados na aplicação destes talentos, ou seja, quando deixamos que o medo, a apatia, a indiferença e o egoísmo nos dominem e assim ficamos aquém do que verdadeiramente podemos ser. Seguiu-se o almoço partilhado e um passeio pela bela quinta dos Padres Monfortinos, um espaço privilegiado para o contacto com a natureza e com o silêncio. Durante a tarde, trabalhamos a Nota Pastoral “O Educador Cristão, um guia no caminho” elaborada pela Comissão Episcopal da Educação Cristã e da Doutrina da Fé. Os catequistas formaram pequenos grupos onde abordaram as seguintes questões: a partir dos cinco pontos mencionados na Nota Pastoral, o que melhor define o educador cristão; qual a responsabilidade de cada um, enquanto educador cristão, no seu contexto paroquial. Depois, em grande grupo, partilhamos as várias conclusões, tendo sido destacada a necessidade de se saber acolher com amor cada catequizando, respeitando a sua individualidade, e a necessidade de adotar estratégias que possibilitem uma maior participação das crianças e das famílias na vida comunitária. O Encontro terminou com uma Oração de Compromisso, onde cada um se disponibilizou a usar os seus dons no contexto paroquial. A Comunidade Estrada Clara agradece, com muita gratidão, o convite feito pelo padre Delfim Afonso e a presença deste grupo de catequistas, sempre tão disponíveis e empáticos. Que juntos façamos um caminho de Luz, de descoberta e de alegria n’Aquele que é tudo em nós!

No primeiro dia…

Reflexão para o mês de novembro de 2022

Vaidade das riquezas

Texto de Jorge Ferreira, Comunidade Estrada Clara (este texto foi escrito pelo Jorge em novembro de 2008)

“O homem que vive na opulência não permanecerá. Esta é a sorte dos que confiam em si mesmos. Não te preocupes, se alguém enriquece, se aumenta a fortuna da sua casa. Quando morrer, nada levará consigo; a sua fortuna não há-de acompanhá-lo.”  Salmo 49

Em tempo de crise, as palavras proféticas da Bíblia gritam-nos com mais força. Crise que não é uma doença nem uma catástrofe natural diante das quais somos quase impotentes, mas uma crise provocada por homens. Homens que sem escrúpulos fazem mal aos seus semelhantes. Há dias, na SIC Notícias, um comentador dizia que a irresponsabilidade dos especuladores da bolsa estava ao nível da irresponsabilidade de Hitler, Mao Tse ou Pol Pot. Homens estes que queriam ter mais dinheiro e mais poder, mais dinheiro e mais lucro, mais lucro e mais dinheiro, mais dinheiro e mais dinheiro. Perderam. E com eles todos. E ao que parece todo o mundo, em efeito dominó, como dizem os economistas.

Penso que toda esta busca incessante e incansável que se faz pelo dinheiro é uma ideia confusa que se generalizou em todas as pessoas de que o dinheiro traz felicidade ou nos põe perto dela. Querer ter mais dinheiro é normal e saudável. Querer ter muito dinheiro, acumular riqueza, possuir tudo à volta até onde o olhar alcança é doença. A árvore do fruto proibido do Éden lembra-nos isso: não nos é dado ter tudo nem saber tudo. O homem não soube ver quão maravilhoso era tudo à volta e preferiu aquele fruto. Hoje faz-se o mesmo. A felicidade não vem de termos mais dinheiro, mas vem na medida em que nos realizamos. Não valemos pelo que temos dentro dos bolsos, mas pelo que temos dentro da cabeça. Somos felizes na medida em que percebemos o que se passa à nossa volta, na medida em que compreendemos os nossos irmãos, os nossos amigos, o mundo, o cosmos. Não se chega a este conhecimento preocupados em ganhar dinheiro nem a pensar no carro que vamos comprar amanhã. A felicidade é um estado sereno. Quieto. Calmo. A felicidade não faz barulho. Não é um mero divertimento. É um estado interior. Parece-me que a felicidade estará ao nível daquilo a Abraham Maslow chama de autorrealização. Na teoria da hierarquia das necessidades humanas que ele apresenta em forma de pirâmide com cinco níveis, a autorrealização é o nível mais elevado e “depende da realização e cumprimentos máximos dos nossos potenciais, talentos e capacidades. Se uma pessoa não estiver autorrealizada, ficará impaciente, frustrada e descontente”. Assim estava o Jovem rico que Jesus encontrou um dia. Apesar da sua grande fortuna e de cumprir todos os mandamentos, como dizia, sentia-se insatisfeito. Jesus disse-lhe como deveria alcançar a felicidade, mas ele não foi capaz de a encontrar “porque possuía muitos bens”. Diz-nos também Maslow que “independentemente das nossas ocupações e interesses podemos maximizar as habilidades pessoais e atingir o desenvolvimento completo da personalidade. A autorrealização não é limitada a celebridades intelectuais e criativas, como os músicos, artistas, astrofísicos. O importante é desenvolver os seus próprios potenciais no mais alto nível possível, qualquer que seja a missão escolhida”. Uma das diversas condições para que possamos sentirmo-nos realizados que mais aprecio é esta: “Estar livre de restrições impostas pela sociedade e por nós mesmos”. Quais são as restrições que a sociedade nos impõe? Como é que eu me livro destas restrições? Como é que eu descubro que tenho uma vontade, um gosto, uma ideia se estou obcecado pela moda, pela fama, pelas tecnologias, pelo dinheiro, pelo bem-estar material? E já agora: o que é que me faz rir? Rio-me com aquilo que os outros se riem? O que é que de mim quero mostrar aos outros? O que é que os outros vêm em mim? Conhecermo-nos e pensarmo-nos chama a felicidade a nós. Ter um telemóvel que a sociedade nos impõe não chama. Nas Forças de Assinatura de Martin Seligman não é mencionado o dinheiro, ter muito ou pouco. Pelo contrário ter muito dinheiro é normalmente sinal de muitas preocupações. “A boa vida consiste em obter a felicidade através da utilização das suas forças de assinatura nos principais domínios da vida. Uma vida com significado adiciona mais um componente: utilizar estas mesmas forças para promover o conhecimento, o poder ou a bondade.”(Martim Seligman). A descoberta das nossas forças e a sua utilização no dia-a-dia pressupõem estarmos livres de restrições, regras e modelos que nada têm a ver connosco, nada nos acrescentam e nada valem. Maslow diz que a autorrealização exige coragem. Eu digo que é preciso coragem para, por vezes, tomarmos certas decisões, tais como abandonarmos um curso que não nos interessa, um(a) namorado(a) que não nos completa, a comida que nos faz mal, o telemóvel, as modas, as manias, as mentiras, a cama, a televisão, o trânsito, o computador se preciso for para sermos nós mesmos, para sermos felizes. “O processo de autorrealização exige esforço, disciplina e autocontrole. Assim, para muitas pessoas pode parecer mais fácil e seguro aceitar a vida como ela é, em vez de procurar novos desafios. As pessoas realizadas testam-se a si mesmas constantemente, abandonando rotinas seguras, comportamentos e atitudes familiares”. (Maslow)

 “Estou interessada em fazer filmes que desafiem as pessoas a ser protagonistas das suas próprias vidas.” disse Susan Sarandon há dias de passagem por Lisboa. Ela descobriu que todos podemos conduzir e nossa vida. Ela não acha que só os artistas ou pessoas com dinheiro o podem fazer. Por fim, podemos especular se os especuladores da bolsa que especularam demais e com o dinheiro dos outros se sentirão felizes e realizados. Ou especulados!

“Uma vida cheia de significado é aquela que se junta a algo maior do que nós” (Martim Seligman)

Uma comunidade orante

Faz hoje um ano que iniciamos o “Encontro em Ti”, o momento de oração mensal, na nossa igreja Matriz e alargada à nossa comunidade paroquial. Tem sido uma experiência enriquecedora, de partilha com quem tem vindo meditar connosco e assim fazer memória e presença de um Deus que vem sempre ao nosso encontro. A oração é a base primordial na essencialidade da Comunidade Estrada Clara. Desde sempre que, como qualquer grupo cristão, privilegiamos estes momentos de meditação e de silêncio, num encontro com Ele e connosco próprios. A oração diária da Comunidade Estrada Clara surge, como compromisso comunitário, depois da nossa primeira experiência em Taizé, em 2004, ao sentirmos que a oração precisava de ganhar um espaço e um tempo inequívocos na nossa vida, que não podia ser apenas uma mera atividade semanal de grupo. Assim como somos pessoas, profissionais, pais e mães, amigos, maridos e esposas, também somos cristãos todos os dias. E ser cristão é viver Jesus no meu dia. Desde então, diariamente, em comunidade (quando é possível, juntamo-nos na nossa casa comunitária, quando tal não é possível, cada elemento medita individualmente em sua casa), temos dois momentos de oração, um de manhã e outro à noite. O esquema da nossa oração baseia-se na Liturgia das Horas, a oração pública e comunitária oficial da Igreja. A esta liturgia juntamos os cânticos, as nossas reflexões e o silêncio. Sempre o silêncio. Tão importante numa sociedade em que parece que o mais valioso é sempre o barulho, o ruído, o que fala mais alto. Há muito que descobrimos que é no silêncio e na serenidade que vamos sendo mais pessoas, que vamos conhecendo mais a nossa luz, que nos vamos tornando embaixadores do divino que vive em nós. Poder proporcionar esta nossa experiência comunitária de oração aos outros foi, desde sempre, um desejo antigo do Jorge. Por várias circunstâncias, não lhe foi possível viver, nesta dimensão, esta nossa experiência que cumpre hoje um ano. Mas como acreditamos que ele, agora com Ele, vai guiando sempre a nossa estrada, sabemos que tudo o que temos vivido é fruto dessa sua vontade em que, juntos, sejamos uma comunidade pensante e orante. 

Eu sei

Lembramos hoje a partida do Jorge. Um dia agridoce, um misto de gratidão e dor. Não sei porque é que o Jorge morreu. Com tantos projetos por concretizar. Com metade da vida por viver. Com tantas pessoas que o queriam continuar a amar. Com tantas músicas por fazer e tantas conversas para ter. Com tanto ainda para nos rirmos juntos. Não sei porque é que o Jorge morreu. Mas sei o mais importante! Sei bem porque é que o Jorge viveu. Viveu para nos anunciar que é possível uma vida diferente. Viveu para nos fazer cantar mais e melhor. Viveu para nos mostrar um modo livre, sereno e pleno de acreditar num Deus que é só Amor. Viveu para que a música fosse para nós um meio de anunciar que somos feitos de infinito. Viveu para nos encorajar a saltar em lagoas frias, para aprendermos a contemplar as estrelas e para descobrirmos que há sempre caminhos novos a seguir. Viveu para nos fazer escolher a melhor parte, aquela que só quem vê com o coração conhece bem. Viveu para nos unir numa comunidade orante e pensante. Viveu para nos confrontar com os medos que atrapalham a nossa essência e para nos mostrar que somos muito mais felizes quando nos despojamos do nosso egoísmo e nos focamos uns nos outros. Viveu para desconstruir as nossas ideias pré-concebidas em relação a tantos temas da vida que nos impedem de sermos mais pessoas. Viveu para nos desinstalar da apatia e daquelas vidas que são futilidade e vazias de divindade. O Jorge viveu para nós. Foi a sua escolha. E para sermos nós, agora, nos nossos dias, a continuar este caminho há muito iniciado. Por isso, o que nos tem acontecido, nestes dois últimos anos, também tem sido, como o Jorge diria, “uma riqueza”! Mesmo que não seja como idealizamos, mesmo que seja diferente do que julgávamos que iria ser. Um caminho claro, bonito, edificante porque ele, agora com Ele, caminha à nossa frente. E, afinal, tem sido tudo como sempre foi! O Jorge continua a ser o primeiro, aquele que ia e vai sempre à frente. “Como é, vindes ou não?”, perguntava ele tantas vezes. Sim, Jorge, nós vamos! Nós seguimos aqui, juntos e com tanta gente boa a caminhar connosco nesta Estrada Clara até que, um dia, nos encontraremos juntos num abraço amigo!

Ana