Natal! Esta palavra promete logo alegria, festa, encontro, nascimento. Em cada ano, o mundo inteiro renova votos de esperança e de paz, enfeita-se para receber o seu Deus, descobre a existência única de cada ser humano e percebe que afinal aquilo a que chamam Amor teima em não acabar e só pode ser escrito com letras maiúsculas.
É uma data sem idade esta que celebramos. É um Deus sempre menino, sempre promessa, sempre novidade. É um presépio onde o frio nunca entra, onde o silêncio é encantador, onde o pai e a mãe estão sempre presentes e onde os amigos chegam para fazer uma grande festa. O Natal é isto mesmo, uma grande festa, e é preciso festejá-lo com tudo o que somos, acreditando sempre que cada Natal é sempre novo porque novos podemos ser sempre nós.
O nascimento de Jesus é o sonho projetado por Deus para se realizar em cada Homem. Há um absoluto divino que vive em nós, que nos foi dado e que é preciso fazer nascer nas nossas vidas. Acredito que o Amor nos torna maiores que nós próprios. Que colaboramos com o Universo, com a criação, com Deus. Que o Natal que em cada ano celebramos é nosso, pertence-nos. Que por isso somos responsáveis por fazer nascer pequenos grandes Natais nas nossas vidas e nas vidas de quem está perto de nós. Só assim celebramos verdadeiramente o Natal! Por isso, entendo que o nascimento de Jesus não aconteceu apenas naquele presépio, nem foi só há dois mil e vinte e dois anos. Não faria sentido celebrar um acontecimento passado se ele não pudesse ser presente e, também, futuro. O Natal é sempre de hoje, é meu e teu! Jesus nasce na vida de cada um de nós e em cada dia sempre que acreditamos que Ele faz parte de cada vida, de cada projeto, sempre que o fazemos nascer nas nossas escolhas, nos nossos gestos, nas nossas canções.
Celebrar o Natal é, por isso, muito mais do que assinalar uma data, uma época, uma história. O Natal é a nossa festa da criação, da esperança e da comunidade. É o anúncio da simplicidade e da universalidade. É um mistério que só o Amor pode explicar, se é que são precisas explicações para quem ama. É sentir que afinal de muito pouco precisamos para sermos felizes e que Deus também nos escolhe para vir ao mundo. E se acreditamos que somos filhos de Deus, de que mais precisamos nós para fazermos das nossas vidas algo de significativo e imortal?
Natal! Um feliz Natal só pode ser isso mesmo… um feliz Natal! Que aquele primeiro Natal nos faça acreditar que a nossa vida é sempre o nosso bem mais valioso e valioso é também tudo aquilo que podemos e devemos fazer com ela.
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
“Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’” (Evangelho segundo São Mateus – Mt 3, 3)
A época em que estamos a viver é sinónimo de azafama, de agitação, do “não deixes para ontem o que podes fazer hoje”. A sociedade grita-nos que o tempo urge para sermos os mais felizes, os mais ricos, os mais importantes. Há um lema que nos é imposto que é o de evitar derrotas e sermos sempre vencedores. A corrente da movimentação faz com que grande parte da sociedade viva a ansiedade de querer tudo, de experimentar tudo, de preencher todas as horas com atividades e ocupações que sejam sempre e só lucrativas. Pede-nos ainda que fujamos do sofrimento e que finjamos que a morte só acontece aos outros. Pouco espaço parece existir para a simplicidade, para o silêncio, para o gratuito. Alguém que esteja quieto a contemplar a vida é logo questionado se está triste. Tantos se espantam quando veem outros a escolher não correr atrás de carreiras cheias de sucesso e de dinheiro, mas que lhes roubam o tempo de estar consigo e com quem mais amam. Hoje vive-se sempre com pressa, com horários, com prazos, com objetivos só mundanos. Hoje o Homem vive como se fosse uma máquina feita para o sucesso. Vive para o lucro e com o lucro. Escolhe em função do resultado final que só pode ser um: ganhar.
É neste contexto que os cristãos aparecem, tantas vezes, como aqueles que poucos entendem, como aqueles que não sabem aproveitar a vida de acordo com os modelos que a sociedade quer impor. O cristão autêntico é aquele que, muitas vezes, anda na contra-corrente. A mensagem de Jesus Cristo é anti-pressa, anti-barulho, anti-lucro. É a mensagem de um Homem que veio ao Mundo anunciar que a Vida só é vida em abundância quando é vivida na simplicidade, na gratidão, no encontro. Sem trocas, sem contratos, sem lucros, sem lógicas de mercado. É um modo de viver que implica a maior das escolhas: amar. Só amar. No seu tempo, Jesus morreu porque a vida que anunciava era incompatível com a vida da sociedade em que escolheu viver. Hoje, Jesus continua a morrer de cada vez que os homens se recusam a escolher o amor, o outro, a comunidade. Por isso, precisamos tanto do Natal, precisamos que Jesus venha até nós e nos recorde que é sempre possível voltarmos a escolher o amor de novo. Por isso, precisamos todos de voltar a nascer com aquele menino em Belém para nos lembrarmos que a vida é simplicidade.
Acabamos de iniciar o tempo do Advento. O Advento surge como uma época de preparação. Enfeitam-se as casas, iluminam-se as ruas, cuidam-se das ementas natalícias, procuram-se as melhores ofertas, vemos os filmes familiares que a televisão nos proporciona, fazemos listas de tarefas para cumprir. Toda a sociedade se prepara para a grande festa natalícia. Nada pode falhar ou faltar. Há mais de dois mil anos, usando as palavras do profeta Isaías, João Batista anunciava que Deus precisava que os homens preparassem caminho, fizessem estrada, aplanassem as suas veredas. Mas este caminho que João Batista lembrava que todos temos de preparar não é a via das compras, da pressa, do imediato, do consumismo. É o meu caminho. É o teu caminho. É o caminho que nos leva à Vida Eterna, é o caminho que nos direciona para um Deus que insiste, todos os anos, em nascer em nós e para nós. É um caminho que traz tanto trabalho como leveza, que apresenta tantas dúvidas como certezas, que tem tantas curvas como retas, que é tão solitário como comunitário. Esse caminho é a minha Vida. É a tua Vida. E este caminho é sempre uma escolha, um trabalho que eu posso fazer, uma estrada para andar.
Deus vem para que nós possamos ser, para que a Humanidade tenha esse toque divino que nos eterniza. Por isso, cada um de nós é sempre o lugar onde Deus escolheu estar, a nossa estrada é o espaço onde Deus caminha connosco, a nossa vida é a manifestação de um Deus que nos nasce. Deus é connosco. Não estamos sozinhos. Mesmo quando não o queremos na nossa estrada, ele insiste em aparecer sob a forma de uma palavra que lemos, de um amigo que encontramos, de um abraço que recebemos, de uma música que cantamos. E assim Deus continua a visitar-nos através daquilo que nos é próximo. É por isto que se faz Natal.
“Ao lado do teu amigo, nenhum caminho será longo.” Este provérbio japonês, que serviu de título a um livro magnífico do Cardeal Tolentino, põe em evidência a essência comunitária do caminho. Quando caminhamos juntos, quando as nossas estradas são partilhadas, tudo fica mais simples, mais completo, mais fácil, mais suportável. Assim é Deus em nós. Acreditando na sua presença, sentindo o seu amor, vamos seguindo neste caminho que é a vida. Com Ele e por Ele, o nosso coração sente que a vida pode ser sempre mais, que a estrada segue, que os trilhos se desenham.
Por isso, nesta caminhada de Advento, reflito nas questões que se me impõem. Que caminho é este que eu quero preparar? A que me quero eu dedicar? Que estrada estou eu a construir? Com quem quero eu partilhar este meu caminho? Que obstáculos devo eu tentar retirar das minhas veredas? A vida é um conjunto de questões, de interrogações, de avanços e recuos. Só o Amor é inquestionável. E eu avanço na medida em que eu confio e assim vou caminhando. Sempre. Mais depressa ou mais lentamente. Eu sigo. Seguimos. Nesta estrada que escolhemos. Numa estrada clara.