Os meus ruídos salvam-me
Mensagem para a Quaresma
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
Dentro de mim, há espaço para luzes e sombras, para o bem e para o mal. Quando o mundo exterior se acalma, presto atenção aos meus ruídos interiores, frutos de emoções desaproveitadas, de desenganos, de incómodos.
Nesta Quaresma, vou acolher estes meus ruídos. Vou olhá-los e aprender a lavrá-los para que se tornem fertilizante para uma terra fecunda, a dar Vida.
Os meus ruídos são silêncios. De indiferença e de omissão. De egoísmo e de preconceito. De exigências desumanas e de desamor.
Os meus ruídos evocam-me memórias. Do que não sonhei. Do que não cuidei. Do que não defendi. Do que disse. Do que senti. Do que não ofereci.
Os meus ruídos provocam-me. Com perguntas para as quais não tenho resposta, com dúvidas para as quais não encontro certezas.
Os meus ruídos existem. E lembram-me que a vida só pode ser caminho, construção, colocar e retirar, andar e recuar.
Os meus ruídos falam-me. E dizem-me que não tenho em mim todas as respostas, que não domino todos os acontecimentos.
Os meus ruídos ensinam-me. Que o caminho que vou percorrendo resulta das escolhas que vou fazendo com aquilo que me é dado saber, abrindo espaço para acontecer.
Os meus ruídos mostram-me. Que posso cair, mas que o Amor de Deus ergue-me sempre de novo. Que posso ter medo, mas que não o atravesso sozinha. Que posso sofrer, mas estou sempre bem acompanhada.
Por isso, os meus ruídos também me salvam. Porque me fazem acreditar que há um Deus que só sabe ser Amor, um Deus que sabe dançar comigo, um Pastor que me conduz àqueles belos prados verdejantes.
Os meus ruídos também me permitem aceitar em mim a fragilidade da vida, a imprevisibilidade dos acontecimentos. E assim caminho entre pedras e planícies, entre voos e mergulhos, entre abraços e separações.
Os meus ruídos trabalhados em mim são boia de salvação. Fazem-me acreditar que, no meio da tempestade, há um Deus que fica sempre comigo.
Os meus ruídos pedem-me que confie no que ainda não vejo. Naquele amanhã novo da decisão de viver mais. Na loucura de uma cruz que é sempre salvação para o mundo. No desconhecido que anuncia aquela manhã gloriosa de Primavera em flor.
Os meus ruídos são a ponte que me leva à outra margem. A um lugar onde o silêncio é apaziguador, onde a Vida é sempre vida em tom maior, onde Ele me espera de braços abertos.
Os meus ruídos levam-me a um Deus que me conhece antes de eu mesma me conhecer, um Deus sempre novo que quer fazer da minha vida, em cada dia, uma Páscoa sem fim.
Quaresma. Escutar o que me fala em mim. Quarenta dias de procura, de trabalho, de conhecimento interior. Não para penitenciar. Não para desesperar. Quarenta dias de oportunidade. Para escutar estes ruídos. Para os transformar. Para fazer da minha vida um dia de Páscoa eterna.