Arquivo mensal: Julho 2023

Do crachá ao QR Code – uma jornada pelas Jornadas

A Beatriz escreveu um breve testemunho sobre sua participação nas Jornadas Mundiais da Juventude. As que se vão realizar em Lisboa serão as suas sextas Jornadas. E que caminho bonito foi este que a Beatriz foi fazendo ao longo destas Jornadas.

Santiago de Compostela (1989)

Fui pela primeira vez às Jornadas em 1989, em Santiago de Compostela. Ainda estava tudo a começar sendo que estas foram as quartas Jornadas a acontecer, e apenas as segundas fora de Roma. Estas Jornadas em Santiago duraram apenas um fim de semana, de 18 a 20 de agosto, e nela participaram 600 000 pessoas.

Lembro-me que o acolhimento ao Papa João Paulo II foi feito na praça em frente à Catedral. Nós ficamos alojados num colégio, e lembro-me de encarar tudo como um acampamento de fim de semana, tendo até levado um fogão de campanha, pequenino, onde cozinhamos a refeição mais simples que se possa imaginar: arroz branco com rodelas de chouriça … Ainda não existiam as senhas para as refeições, nem locais onde as ir levantar. Na altura não tinha grande noção do evento em que estava a participar. Fui com o grupo da paróquia do qual fazia parte na altura, andei com o grupo, subi ao monte do Gozo com o grupo e descemos, logo de seguida, em virtude de algumas pessoas do grupo sofrerem de problemas respiratórios e as condições no monte serem demasiado adversas para elas: muita terra no chão (onde é o lugar dela), mas também no ar e principalmente nas pessoas! Nada que me espante agora, após 5 Jornadas, mas, na altura, ia com um grupo e acompanhei-o sempre. Portanto, a noite da vigília com o Papa foi passada no Colégio, com muita ressonadela por parte das ditas pessoas com problemas respiratórios que trouxeram a terra do monte Gozo nos seus narizes… Uns anos depois, numa viagem a Santiago de Compostela, um dos artigos à venda nas lojas para turistas era um saquinho com terra do monte do Gozo …!!!

Assim sendo, no domingo, assistimos à missa pela televisão, e mal os peregrinos portugueses que haviam pernoitado no monte chegaram, o autocarro partiu de regresso a casa …. Dentro vinham pessoas muito lavadas e pessoas completamente negras de pó! Foram uma Jornadas sui generis, mas ficou qualquer coisa.

Paris (1997)

As minhas segundas Jornadas foram em Paris, em 1997. Tinha acabado de sair de uma situação profissional e estava “entre empregos”. E o que faz uma pessoa que está à procura de trabalho? … Inscreve-se nas Jornadas, claro! Fomos um pequeno grupo de quatro pessoas: eu, a minha irmã, e dois amigos. Inscrevemo-nos através da Comunidade Emanuel, e isso foi um acaso feliz, que influenciou muito do caminho que fizemos depois. A Comunidade Emanuel tinha, e tem, por costume realizar umas pré-Jornadas, habitualmente em Paray le Monial. Foi a primeira vez que lá fui e fiquei maravilhada. Paray é a cidade onde o Sagrado Coração de Jesus apareceu a Santa Margarida Maria, e toda a cidade vive em torno desse acontecimento. Tem uma Basílica lindíssima, e uns prados onde a Comunidade Emanuel realiza diversos encontros: para adolescentes, para jovens, para adultos, para casais, para sacerdotes … As pré-jornadas decorrem ao longo de quase uma semana, com oração, concertos, workshops, adoração e, principalmente, muita animação musical. Paray funciona como ponto de encontro, nas Jornadas, para os diversos núcleos da Comunidade Emanuel espalhados por França e, no final da semana, todos se dirigem, em caravana, para Paris.

Em Paris, ficamos alojados numa família francesa, que nos acolheu com muito carinho, cedeu-nos o quarto dos filhos e, todas as noites, esperavam por nós para uma pequena conversa antes de dormirmos. Tenho recordações de muita gente (na celebração final estavam 1 200 000 pessoas), muitas bandeiras, muitos espetáculos, muitas caminhadas, muita alegria e muitos sorrisos. A celebração final foi no Hipódromo de Longchamp, na qual participamos e da qual regressamos entusiasmados pelo convite do papa João Paulo II a não termos medo de ser “os santos do novo milénio”.

Roma (2000)

A experiência foi tão boa que entusiasmei outros amigos a participarem nas Jornadas de Roma, no ano 2000, de novo com a Comunidade Emanuel, para poder regressar a Paray e repetir a experiência da internacionalidade e comunidade das Jornadas. Estas Jornadas coincidiram com o Jubileu, que incluía a passagem pela Porta Santa na Basílica de São Pedro. Lembro-me da fila interminável para lá chegar e da frustração acompanhada por muito riso, quando a fila em que íamos passou, não pela porta principal, mas por uma ao lado… Roma ficou-me no coração como uma cidade lindíssima, onde em qualquer rua ou esquina encontrávamos lugares que valia a pena visitar. Ficamos alojados numa paróquia que nos acolheu com muito carinho, com um pároco que acompanhava a celebração da Eucaristia à guitarra, e que nos acompanhou todo o caminho para Tor Vergata a tocar, acompanhado pelos cânticos dos jovens paroquianos. Estiveram presentes 2 000 000 pessoas na vigília. Lembro-me do calor e do regresso a casa com regadelas por parte das pessoas nas casas por onde passávamos, e da oferta de fatias de melancia para refrescar. Ficou a alegria e o carinho do povo italiano.

Colónia (2005)

Em 2005 decidimos ir a Colónia com os nossos jovens, ainda através da Comunidade Emanuel, mas agora com transporte próprio. Fizemos mais uma vez as pré-jornadas em Paray, cidade que me ficou no coração desde as Jornadas de Paris, e depois seguimos para Colónia em caravana com os grupos da Comunidade Emanuel.

A Alemanha foi uma surpresa muito agradável para mim. Tinha uma ideia de os alemães serem pessoas rígidas e pouco empáticas, e foi com muito agrado que vi o seu perfeito oposto. Ficámos alojados em Bergheim, em casas de famílias, que nos acolheram com muito carinho. Partilharam algumas refeições connosco e vi o que agora é comum em Portugal, mas não o era na altura: fazerem encomenda de gelado para entregar em casa no final da refeição … Onde estava a Glovo, Ubereats e outras que tal na altura! Colónia revelou-se uma cidade lindíssima, os polícias (com muitos metros de altura) muito atenciosos, a catedral maravilhosa e um povo muito acolhedor. Durante esta Jornada, participamos em vários eventos, visitamos lugares maravilhosos e vivemos cada experiência em comunidade. Foi uma Jornada em que muitos dos elementos do nosso grupo descobriram a sua veia mais artística, pois formou-se um grupo de animação de Metros e comboios, sempre pronto a atuar com cantos e danças! Mas também disponíveis para bater palmas a quem o fizer. A vigília foi em Marienfeld, já com o papa recém-eleito Bento XVI, onde participaram 1 200 000 pessoas. Estas Jornadas ficaram marcadas pela presença de dois Papas, João Paulo II recentemente falecido, e Bento XVI. Havia imagens dos dois Papas espalhadas por toda a cidade. Foi uma Jornada com dois Papas!

Madrid (2011)

Seis anos depois decidimos repetir a experiência, nas Jornadas de Madrid, em 2011, mais uma vez com autocarro próprio e com o nosso grupo de adolescentes e ainda com a Comunidade Emanuel. As pré-jornadas em que participamos foram em Toledo, apesar de também haver em Paray, por uma questão de logística. Toledo é uma cidade linda e tivemos a oportunidade de visitar a cidade antiga e de participar em inúmeras atividades.

Seguimos para Madrid e tivemos a sorte de ficar alojados num colégio mesmo no centro da cidade. Mais uma vez muitas pessoas, muitas bandeiras, muitas línguas, muitos sorrisos, muita alegria e muito calor! Passeamos, visitamos Museus, participamos em atividades das Jornadas, descansamos, rimos e cantamos. A vigília foi no aeroporto de Cuatro Vientos com o papa Bento XVI. Participaram 2 000 000 de pessoas. Foi uma vigília diferente das anteriores, muito molhada e ventosa, mas passada entre risos, gritos e muita agitação. Fiquei comovida com a preocupação que o Papa mostrou com os peregrinos, no dia seguinte, mal chegou ao local.

E assim considerei a minha participação nas Jornadas terminada. Fiquei de coração cheio com a experiência vivida, com a união na multiculturalidade, com o conhecimento de tantos países e de tantas pessoas, línguas, culturas, com a presença forte e atual da Igreja no mundo, com os sorrisos e abraços trocados … Gostei muito de ter participado, mas entendo que seja para a juventude, como o nome indica, por muitos e variados motivos, sendo um dos quais a disponibilidade para encarar alegremente, com generosidade e espírito aberto todas as situações que acompanham a Jornada em si: a deslocação para o país, o alojamento, a alimentação, a massa humana presente em todos os locais e a vigília no fim de semana de encerramento das Jornadas.

Gostei? Muito! Quero repetir? …….!

Então por que motivo vou à minha sexta Jornada?

Passo a explicar: temos um jovem amigo que se juntou ao nosso grupo há dois anos e nunca participou nas Jornadas!!!!! Com 25 anos!!! Não pode ser!!! Depois soubemos que outro nosso amigo também iria pela primeira vez. E como eu sou uma pessoa de comunidade…. Então decidimos ir!… De espírito aberto, com generosidade, alegremente, e com intenção de rirmos muito, de nós, dos outros e com os outros! Além disso, ainda me faltava uma Jornada com o Papa Francisco para encerrar a minha participação. E há um espírito de alegria, de entusiasmo, de movimento que só se sente nas Jornadas. Afinal, tenho muitos motivos para ir! E assim vou! Vamos! Apressadamente como Maria! Ou pelo menos o mais apressadamente que a minha provecta idade permitir!!!!!!

Celebração do Crisma – 2 de julho de 2023

*Celebração do Batismo e da Confirmação de Adultos – 2 de julho de 2023 – Igreja Matriz da Póvoa de Varzim*

O segundo grupo deste segundo ano de Formação Cristã de Adultos, promovida pela Paróquia Nossa Senhora da Conceição (Matriz) em parceria com a Comunidade Estrada Clara, culminou com a celebração do Crisma pelo Bispo Dom Delfim Gomes no dia 2 de julho de 2023, na nossa Igreja Matriz. Recordamos, com imensa alegria e muita gratidão, esse dia festivo em que os nossos doze crismandos (a Fátima, a Inês, a Joana, a Joana, a Letícia, da Letícia, o Márcio, o Pedro, o Ricardo, a Rute, a Telma e a Verónica) receberam o Espírito Santo e foram fortalecidos com os seus dons. Lembramos também o percurso particular do Márcio e da Telma que, escolhendo, numa idade adulta, assumir uma vida cristã, receberam os sacramentos do Batismo e da Eucaristia. Foi uma celebração comunitária de fé, de ação de graças e de louvor por este caminho percorrido e pela descoberta de um Deus que nos ama e que nos quer sempre a caminho com Ele e com os nossos irmãos. Que este tenha sido o dia primeiro de um percurso numa fé adulta, consciente, pensada e experimentada, questionada e trabalhada sempre numa dimensão comunitária. Um bem-haja a todo este grupo pelos momentos de partilha, de reflexão e de conhecimento e pela certeza que nos dão de que viver em Deus é, essencialmente, um viver com e para os outros. A nossa eterna gratidão ao nosso pároco e companheiro de caminho, pe Avelino Castro, por este desafio de podermos ser testemunhas de Luz e de Vida. E a nossa alegria tornou-se completa e plena com a presença amável, irmã e acolhedora do nosso Bispo, Dom Delfim Gomes, neste dia em que a Igreja se torna mais Igreja, em que confirmamos que somos Cristãos sempre em comunidade e nunca sozinhos.

Falar para CRER – 4.º Encontro

Deixamos aqui os registos do quarto encontro “Falar para CRER”, organizado pela paróquia da Matriz em colaboração com a Comunidade Estrada Clara. Este encontro aconteceu no dia 21 de junho e o tema foi “Deus é Amor – o Amor a Deus e o Amor ao próximo”.  Neste quarto encontro, fizemos a leitura trabalhada de um excerto da primeira encíclica do Papa Bento XVI, “Deus caritas est”. O texto falava-nos desta dimensão do Amor de Deus e deste Deus que é Amor e da forma como este Amor é concretizado e concretizável na relação humana e na dimensão comunitária. Em seguida, como já vem sendo habitual, em pequenos grupos, os participantes do encontro foram convidados a refletir acerca de duas questões: onde encontro, na minha vida, este Deus que me ama; como sou eu capaz de responder a este amor de Deus. Por fim, em grande grupo, todos partilharam as suas reflexões.

Nestes encontros, continuamos a refletir acerca da atualidade da mensagem cristã e do modo como é possível dizermos que somos cristãos em todas as circunstâncias da nossa vida. Tem sido um caminho bonito este que temos feito nestes encontros. Há uma variedade interessante de vivências e de experiências, mas que têm culminado num ponto comum e significativo – a necessidade de conhecer mais para amar mais, a vontade de partilhar mais para dar mais, o desejo de escutar mais para anunciar mais.

Recordamos que estes encontros “Falar para CRER” estão sempre abertos a todos os agentes da Pastoral (Catequistas, Jovens, Conselho Paroquial, Leitores, Grupos Corais, etc.) das comunidades paroquiais. Não é necessária inscrição, basta aparecer. O próximo encontro é já esta 4.ª feira! Em jeito de balanço final das atividades pastorais, o tema a tratar irá focar a perspetiva sinodal da Igreja como caminho de construção. Juntem-se a nós.

Próximo Encontro “Falar para CRER” – 12 de julho de 2023 (4.ª feira), das 21h às 22h30, no Salão Paroquial da Matriz (Póvoa de Varzim)

Hoje é dia de festa!

“Este é o dia que o Senhor fez. Nele exultemos e nos alegremos.”(Salmo 117)

Hoje o dia é de festa, de alegria, de gratidão! Os nossos doze formandos do segundo grupo da Formação Cristã de Adultos recebem o Sacramento da Confirmação. Destes doze, dois elementos serão também batizados. De outubro de 2022 a junho de 2023, às sextas-feiras, das 21h30 às 23h, na paróquia da Matriz (Póvoa de Varzim), este grupo foi fazendo o seu percurso na descoberta de um Deus que é Amor e presença em cada um de nós, construindo assim o início de uma fé adulta, pensada e experimentada, concreta, vivida em ações, participada no quotidiano e celebrada em comunidade. Ao longo destes cerca de 30 encontros, procuramos dar a conhecer o que significa, nos dias de hoje e no contexto da nossa sociedade, saber ser cristão comprometido, esclarecido, com um propósito de vida consciente e com a concretização da dimensão comunitária.

Hoje o dia é nos dado pelo Senhor! Dia de festa porque há que celebrar as escolhas de vida que são feitas, a família cristã e comunitária onde os abraços são sempre amigos. Dia de alegria por uma etapa que se conclui e que abre novas perspetivas para o futuro de compromisso com a Vida que cada um destes jovens adultos quer construir. Dia de gratidão pelos caminhos que foram sendo partilhados e pelas descobertas que foram sendo percecionadas na construção de um modo novo de viver o Deus que me ama e que me faz ser mais pessoa. Hoje o dia tem todas estas cores, tem o hino da esperança que nos guia, tem a luz que nos faz cantar um Deus sempre novo e ressuscitado.

Hoje o dia é da Fátima, da Inês, da Joana, da Joana, da Letícia, da Letícia, do Márcio, do Pedro, do Ricardo, da Rute, da Telma e da Verónica. Este é o dia que o Senhor lhes oferece para que, a partir de hoje, possam seguir os seus caminhos com a presença de um Deus vivo, com mais reflexão, com mais compreensão, com mais partilha. Este é o dia que todos eles escolheram. Hoje é um dia de Luz! Alegremo-nos com todos estes jovens adultos e com as suas famílias, exprimindo a nossa imensa gratidão por termos partilhado estes encontros de reflexão, de crescimento, de cultura. Hoje é um dia de Luz!

Reflexão para o mês de julho de 2023

Um tesouro terás

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro nos céus.” (do Evangelho de São Mateus, Mt 19, 21)

A passagem tão conhecida do jovem rico é a história de uma inquietação, de uma procura, de um desejo em busca de uma resposta, de uma insatisfação. É a narrativa de um homem que tudo tinha, mas que não era livre, precisamente porque estava totalmente preso àquilo que possuía, isto é, ele era dominado por aquilo que tinha. E aquilo que possuía, por si só, não era mau, mas impedia-o de se dar, de estar atento aos outros, de se multiplicar, de compreender a totalidade da vida e de aceder ao significado último da transcendência. Este jovem tinha tudo. Segurança financeira, posicionamento social, reconhecimento entre os pares. Ainda assim, havia algo que lhe faltava. E ele foi à procura. Foi ter com Jesus. Precisava de sarar aquele seu vazio existencial.

A inquietação deste jovem é também a nossa inquietação. Ele possuía todos os meios necessários para viver, mas não tinha encontrado os propósitos necessários para viver. Ele tinha com o que viver, mas não tinha pelo que viver. Aquilo que ele possuía também nós tantas vezes possuímos, não a riqueza material, mas sobretudo outras riquezas terrenas que carregamos no nosso coração e que nos impedem de darmos espaço ao que realmente importa. Aquele jovem sentia que algo lhe faltava. Cumpria todas as obrigações, respeitava todas as leis, seguia todos os preceitos. Mas algo lhe faltava. E num ato de coragem e de ousadia, vai ter com Jesus e questiona-o: “O que me falta ainda?”. Há aqui um grito de ajuda, um pedido de orientação e um reconhecimento de Jesus como pessoa de sabedoria. Então, Jesus diz-lhe algo que não voltou a repetir a ninguém: “Vai, vende tudo o que tens e distribui o teu dinheiro pelos pobres.” A Jesus não lhe interessava a riqueza material do jovem. A Jesus interessava-lhe conseguir mostrar ao jovem que a sua vida, da forma com ele a vivia naquele momento, estava limitada apenas ao material, à posse e que, no seu coração, faltava-lhe espaço para Deus e, consequentemente, para os outros. Jesus não condenou a riqueza do jovem; Jesus mostrou-lhe que para aceder à verdadeira riqueza, seria necessário deixar o que não interessava para trás. As palavras de Jesus revelam ao jovem que a sua vida estava totalmente preenchida com a efemeridade e, por conseguinte, ele sentia que algo lhe faltava.

A resposta que Jesus dá à interpelação do jovem é um hino à dádiva e à liberdade, não é uma condenação nem um julgamento. Jesus começa por dizer-lhe: “Vai, vende tudo o que tens”, isto é, desprende-te, torna-te livre, rejeita o que te diminui. E imediatamente a seguir, Jesus afirma: “Dá o que tens aos pobres e terás um tesouro no céu”, isto é, coloca a tua vida, os teus dons ao serviço dos outros, torna-te espaço de acolhimento, lugar de empatia, abraço de comunhão. Pratica a gratidão, a atenção para com os teus irmãos, dá-te em palavras, em gestos, em canções. Prepara o futuro com quem precisa de ti, constrói caminhos de partilha, encontra-te na relação. Só assim a vida é verdadeiramente vida. Só assim alcançaremos a vida eterna. Só assim compreenderemos o tesouro que nos aguarda. O que não se dá, perde-se. A vida partilhada, a comunidade, a dádiva são as grandes lições que Jesus nos deixou. Cada um de nós é sempre chamado a ser mais na relação que constrói com os outros. Ninguém é pessoa sozinho. Ninguém é cristão sozinho. Somos o que somos na relação, na entrega, no desprendimento de nós próprios.

Esta interpelação de Jesus ao jovem rico é de uma atualidade inegável. A propósito desta passagem do Evangelho de Mateus, diz-nos o Cardeal Tolentino: “Para eu escolher uma coisa tenho de deixar outras, não posso levar tudo. A vida espiritual não é um grande carro de mudanças, é uma bicicleta. O homem e a mulher espiritual andam de bicicleta, não andam de camião a querer levar tudo atrás de si. Nós temos de carregar connosco aquilo que cabe numa bicicleta, a vida mínima, o essencial.” A experiência da dádiva está condicionada por uma série de prisões que nós colocamos a nós próprios e que nos impedem, tantas vezes, de sermos livres. A própria sociedade, marcada pelo consumo e pelo défice ao nível da espiritualidade, rejeita este modelo de serviço, de oferta, de dom que Jesus nos propõe. Esta radicalidade saudável que Jesus nos urge a seguir é posta em causa pelas normas sociais e por uma sociedade que proclama, tantas vezes, a vitória do egoísmo acima do bem comum, deturpando aquilo que deveriam ser as nossas escolhas significativas. Não deveria ser mais fácil dizer sim a uma proposta de trabalho que fará de nós diretores de uma empresa do que dizer sim a um convite para um simples ensaio para animar uma missa. Não deveria ser mais aceitável possuir o último modelo de telemóvel do que usar uma parte desse dinheiro gasto para pagar a inscrição de um jovem nas Jornadas. Não deveria ser mais admissível faltar às aulas porque no dia anterior tivemos uma festa que acabou na discoteca do que faltar às aulas porque no dia anterior a nossa paróquia promoveu um Lausperene de 24 horas e o meu grupo foi o responsável pela atividade noturna. Não deveria ser mais percetível ficar mais de uma hora numa fila numa loja para comprar um produto exclusivo da moda recente do que estar quinze minutos em silêncio e em meditação. Não deveria ser mais compreensível emigrar para o estrangeiro para se trabalhar do que ir para aqueles países tão carentes de África para ajudar quem precisa. Não deveria ser mais claro gastar dias de férias para meu único proveito do que usar alguns desses dias para acompanhar os jovens num retiro ou num campo de férias. Não deveria ser mais óbvio obter “gostos” nas redes sociais com a publicação de textos de empoderamento e facilitismos do que com este texto que agora vos escrevo.

Há tanto que se perde nestas escolhas muito pouco comunitárias que se fazem. E há tanto que se ganha quando contrariamos a corrente de uma sociedade que promove apenas a satisfação individual, que valoriza o “eu” em detrimento do “nós”. O irmão Roger dizia, com toda a sua sabedoria, na última carta que deixou escrita, que nada de duradouro se constrói na facilidade. O papa Bento XVI também nos alertava de que o entusiasmo inicial é sempre o mais fácil. O Papa Francisco outra coisa não faz a não ser despertar a Humanidade para o cuidado com o tesouro que é a vida de cada um de nós. E com as escolhas que fazemos. Em cada dia.

A juventude é o espaço privilegiado do questionamento. Neste contexto, convoco aqui os nossos acantonamentos em São João d’ Arga, Caminha, uma das experiências mais gratificantes que pudemos viver e que pudemos proporcionar aos adolescentes e jovens que connosco vinham. Uma semana, sempre com uma média de 20 jovens juntamente com os seus animadores, num mosteiro degradado, sem luz elétrica, sem comodidades, mas rodeados de uma paisagem magnifica e brindados com um céu estrelado todas as noites. Nessa semana, havia lugar e tempo para conversas, para tarefas caseiras, para partilhas, para jogos, para passeios, para mergulhos nas lagoas, para orações, para refeições deliciosas, para trabalhos manuais. Nessa semana, os jovens viviam na simplicidade, desligados dos telemóveis, das distrações citadinas, das roupas da moda, dos jogos da playstation, dos horários repletos de escola, explicações e desportos. Havia espaço e tempo para se descobrirem, para fazerem o exercício de estarem consigo mesmos e com os outros, porque ninguém é pessoa sozinho. Penso muitas vezes que o jovem rico teria sido feliz com uma experiência destas, ele que tinha tudo e, ao mesmo tempo, tudo lhe faltava.

A mensagem de Jesus Cristo não nos vem aplanar o caminho, mas vem nos ajudar a compreender quando esse nosso caminho não é assim tão plano. A mensagem de Jesus Cristo não nos vem libertar das dúvidas, mas vem trazer-nos a serenidade necessária para as aceitarmos. A mensagem de Jesus Cristo não nos cura as doenças do corpo, mas cura-nos as doenças da alma. Os Evangelhos nada nos dizem se, tempos mais tarde, aquele jovem teria voltado. Se teria refletido acerca daquilo que Jesus lhe disse. Se teria até mudado de vida. Esta passagem do jovem rico mostra-nos que amar as coisas é uma capacidade humana, mas amar a Humanidade é um dom divino. E é sempre nossa a vontade e a decisão de querer viver com sentido, com coragem, construindo o futuro e dando futuro. Depende de mim, de ti, das minhas e das tuas escolhas. Cada um de nós é responsável por enfrentar, nos nossos contextos, o egoísmo, a indiferença, o materialismo que a sociedade nos quer impor. Que saibamos escolher sempre o Amor, sem cálculos nem provas. Que saibamos guardar o nosso coração para o que é amável, luminoso, maior. Que saibamos anunciar a gratidão, a esperança, a comunhão. Termino com as palavras sábias do nosso sempre querido Vergílio Ferreira: “O amor acrescenta-nos com o que amarmos. O ódio diminui-nos. Se amares o universo, serás do tamanho dele.”