Reflexão para o mês de janeiro de 2024
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
“E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas.” (do Livro do Apocalipse 21, 5)
Um ano novo que começa é sempre uma oportunidade para revermos tudo o que fizemos e para nos projetarmos num futuro próximo. O primeiro dia do ano desperta em praticamente todas as pessoas o desejo de um recomeço, de uma novidade, de um caminho, de uma folha em branco pronta para ser escrita. Para quem é cristão, esta oportunidade de novos recomeços está sempre disponível. É o próprio Deus que o confirma quando, por meio dos profetas e dos próprio Jesus Cristo, nos garante que há sempre tempo e espaço para renascermos, para nos erguermos, para seguirmos em frente. Confiando a Deus a nossa vida, com as nossas dúvidas e medos, com as nossas dores e abalos, temos a certeza de que Ele tudo fará para o nosso bem, mesmo que, muitas e tantas vezes, não tenhamos a capacidade necessária para compreender tudo o que nos acontece. E é precisamente quando não compreendemos, quando não encontramos respostas, quando nos sentimos perdidos, que devemos deixar fluir a confiança e viver da e na fé. Viver o invisível. Viver o que não calculamos. Viver o que ultrapassa o nosso entendimento. É aqui, neste viver confiante, que Deus está, naquele tempo e naquele espaço que nós não conseguimos atravessar sozinhos. Ele está connosco. Escolheu ser um de nós e um connosco na nossa humanidade, nas nossas fragilidades e inseguranças. Um Deus que se fez humano para que a nossa humanidade se faça divina.
Há dias escrevia para uma amiga – que está a atravessar uma etapa difícil – que a vida é uma montanha-russa na qual todos viajamos. Uma montanha-russa cheia de desafios, de subidas e descidas, enfeitada com gritos de alegria e de medo, de momentos aparentemente calmos e outros de grande agitação. Todos seguimos nessa montanha-russa. Uns preferem nem vê-la e nela seguem de olhos fechados para nada verem, nem o que é bonito nem o que é mais assustador. Outros enfrentam-na de olhos bem abertos, não querendo perder nada do que lhes é dado viver. Outros ainda oscilam entre manter os olhos abertos ou fechá-los quando o medo é maior. Todos nós adotamos estratégias diferentes para enfrentar tudo aquilo que nos acontece. Porém, há algo significativo que todos temos em comum. Ninguém viaja nesta montanha-russa sozinho. Ninguém. Vamos juntos, partilhando estas emoções, os risos e as lágrimas, dando as mãos, abraçando, segurando o coração uns dos outros. E este é o maior tesouro que Deus nos oferece: o de podermos fazer esta viagem acompanhados, sustentados pelo amor de quem está connosco, seguros na confiança que a irmandade nos traz. É por isto que as coisas novas que Deus anuncia acontecem. Porque acreditamos uns nos outros. Porque seguimos nesta viagem acompanhados. Porque somos o lugar onde Deus habita e assim o anunciamos a quem quer percorrer este caminho connosco.
O maior desafio para um cristão é precisamente o acontecimento da morte. Porque somos humanos, porque não compreendemos tudo, porque não conhecemos tudo, temos dificuldade em aceitar a morte. A nossa e a de quem amamos. Temos sobretudo dificuldade em continuar a viver para lá da morte, da separação, do afastamento. Mas, precisamente porque somos cristãos e nos é dada a graça de confiar e de acreditar, sabemos que esta vida continua para quem cá fica e continua também para quem vive já na Eternidade da Terra Prometida, naquele tempo e lugar onde todos, todos, todos viveremos juntos. E esta vida continua sempre que nós acreditamos que ela possa continuar, sempre que investimos no caminho que se constrói dia-a-dia, sempre que confiamos naquilo que não vemos.
“Eu faço novas todas as coisas.”, promete-nos Deus. A nossa vida é toda ela uma promessa. Vivida na confiança em Deus, a nossa vida não está isenta de sofrimento, mas está protegida pelo Amor que não tem fim. Vivida na entrega a Deus, a nossa vida é mais esperançosa, mais eterna, mais vida! “Eu faço novas todas as coisas.”, continua o Senhor a dizer-nos. É interessante perceber que esta sua mensagem está no tempo verbal do presente do Indicativo. Deus não nos diz que fará novas todas as coisas, mas que, neste nosso tempo e neste nosso lugar, estas novas coisas já estão por Ele a serem feitas e a acontecer para cada um de nós. O nosso Deus é o Deus das novidades, das surpresas. A nossa fé reside precisamente nisto. Em confiar que estas novidades são transformadoras. Em acreditar que o que Deus nos dá de novo é o novo que nós precisamos que nos seja dado.
A fotografia que acompanha este texto é um registo do momento final da Eucaristia do dia 1 de novembro, a festa de Todos os Santos, a data em que celebramos a viagem do Jorge connosco e agradecemos a sua vida entre nós e também a nossa vida uns com os outros. Uma fotografia espontânea, desfocada e sem filtros porque a vida é isto mesmo e a alegria genuína não precisa de ser enfeitada, glamorosa ou programada artificialmente. Nós somos estes. Os que acreditam que é possível continuar a caminhar. Os que querem continuar juntos de lágrimas nos olhos, mas com muitas mais gargalhadas para partilhar. Os que confiam que mesmo não conhecendo todas as respostas, sabem que a irmandade é a solução para todas as questões importantes. Os que escolheram pertencer uns aos outros e crescer uns com os outros. Por tudo isto, somos gratos porque já descobrimos que a Vida é sempre mais forte do que qualquer morte, porque acreditamos que a alegria multiplicada é o ingrediente fundamental para continuar a seguir viagem, porque escolhemos sermos cristãos uns com os outros numa comunidade orante e pensante.
Que este novo Ano que nos é dado nos encontre totalmente disponíveis para o espanto. Que este novo Ano que nos é oferecido nos encontre preparados para olhar cada dia com gratidão, com fé, com confiança. Que este novo Ano que nos é presenteado nos encontre em caminho, no caminho para a Terra Prometida. Que este novo Ano seja o tempo e o espaço que eu possibilito para me aproximar mais do que é essencial. Que este novo Ano me encontre de braços preparados para acolher os meus irmãos, de mãos estendidas para os segurar, de olhos abertos para ver a maravilha maravilhosa que é a vida em comunidade, na comunidade e pela comunidade.