Arquivo da categoria: Bento XVI

o nascimento de Jesus

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Bento XVI, A Infância de Jesus

“E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.” Lc 2, 6-7

Começamos o nosso comentário a partir das últimas palavras desta frase: “por não haver lugar para eles na hospedaria”. A meditação, na fé, destas palavras encontrou nesta afirmação um paralelismo íntimo com as palavras, cheias de profundo conteúdo, que temos no Prólogo de São João: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (Jo, 1, 11). Para o Salvador do mundo, Aquele para quem todas as coisas foram criadas, não há lugar. “As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8, 20). Aquele que foi crucificado fora da porta da cidade (Heb 13, 12) também nasceu fora da porta da cidade.

Tudo isto nos deve fazer pensar, nos deve recordar a inversão dos valores que se verifica na figura de Jesus Cristo, na sua mensagem. Desde o seus nascimento, Jesus não pertence àquele ambiente que, aos olhos do mundo, é importante e poderoso; e contudo é precisamente este homem irrelevante e sem poder que Se revela como o verdadeiramente Poderoso, como Aquele de quem, no fim de contas, tudo depende. Por conseguinte, faz parte do tornar-se cristão este sair do âmbito daquilo que todos pensam e querem, sair dos critérios predominantes, para entrar na luz da verdade sobre o nosso ser e, com esta luz, alcançar o justo caminho.

a 13 de maio…

joseph-ratzinger-p_1273448161Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé

Mensagem de Fátima, Comentário Teológico, 13 de maio de 2000

(…) Chegamos assim a uma última pergunta: O que é que significa no seu conjunto (nas suas três partes) o « segredo » de Fátima? O que é nos diz a nós? Em primeiro lugar, devemos supor, como afirma o Cardeal Sodano, que «os acontecimentos a que faz referência a terceira parte do “segredo” de Fátima parecem pertencer já ao passado». Os diversos acontecimentos, na medida em que lá são representados, pertencem já ao passado. Quem estava à espera de impressionantes revelações apocalípticas sobre o fim do mundo ou sobre o futuro desenrolar da história, deve ficar desiludido. Fátima não oferece tais satisfações à nossa curiosidade, como, aliás, a fé cristã em geral que não pretende nem pode ser alimento para a nossa curiosidade. O que permanece — dissemo-lo logo ao início das nossas reflexões sobre o texto do « segredo » — é a exortação à oração como caminho para a «salvação das almas», e no mesmo sentido o apelo à penitência e à conversão.

Queria, no fim, tomar uma vez mais outra palavra-chave do «segredo» que justamente se tornou famosa: «O meu Imaculado Coração triunfará». Que significa isto? Significa que este Coração aberto a Deus, purificado pela contemplação de Deus, é mais forte que as pistolas ou outras armas de qualquer espécie. O fiat de Maria, a palavra do seu Coração, mudou a história do mundo, porque introduziu neste mundo o Salvador: graças àquele «Sim», Deus pôde fazer-Se homem no nosso meio e tal permanece para sempre. Que o maligno tem poder neste mundo, vemo-lo e experimentamo-lo continuamente; tem poder, porque a nossa liberdade se deixa continuamente desviar de Deus. Mas, desde que Deus passou a ter um coração humano e deste modo orientou a liberdade do homem para o bem, para Deus, a liberdade para o mal deixou de ter a última palavra. O que vale desde então, está expresso nesta frase: « No mundo tereis aflições, mas tende confiança! Eu venci o mundo » (Jo 16, 33). A mensagem de Fátima convida a confiar nesta promessa.

Fé Verdade Tolerância

bento-16Bento XVFé Verdade Tolerância

Variações sobre o tema Fé, Religião e Cultura

Embora o Cristianismo, como já se confirmou, visse a sua pré-história interior no esclarecimento racional e não nas religiões, ligou-se contudo à procura religiosa dos homens, e na configuração da oração e do culto recorreu à herança das religiões. Já a sua pré-história interior – o Antigo Testamento – consiste num permanente debate entre a absorção das formas religiosas dos povos e o esclarecimento profético, que põe os deuses de lado a fim de encontrar a face de Deus. Deste modo, existe uma posição inteiramente característica do Cristianismo na história espiritual da humanidade. Poderíamos dizer que ela consiste no facto de a fé cristã não separar esclarecimento racional e religião, não os pôr em confronto, mas ligá-los como que numa estrutura na qual, de modo contínuo, ambos se têm de reciprocamente purificar e aprofundar. Faz parte da essência do Cristianismo esta vontade de racionalidade – que aliás sempre levou a razão a uma auto-superação que ela de bom grado se prestava a recusar. Podemos também dizer: a fé cristã, que nasceu da fé de Abraão, insiste inexoravelmente na questão da verdade e, assim, naquilo que diz respeito a todos os homens e os liga uns aos outros. Pois todos nós temos de ser peregrinos da verdade.

LIBERDADE E VERDADE

bento-16Bento XVI, Fé Verdade Tolerância

Problemática da moderna história da liberdade e seu conceito de liberdade

“O homem é criado livre, é livre, mesmo se tivesse nascido em grilhões”, disse Friedrich von Schiller. Não é uma frase que console escravos com um pensamento metafísico, é frase de luta, uma máxima de acção. Prescrições legais que criem escravatura, são prescrições ilegais. A partir da sua criação o homem possui direitos que têm de ser respeitados para que haja justiça. A liberdade não é dada de fora ao homem. Ele tem direitos, porque foi criado livre. É deste pensamento que nasceu a ideia dos direitos do homem como magna carta do moderno movimento de liberdade. Quanto neste contexto se fala de natureza não se entende com isso simplesmente um sistema de processos biológicos. Afirma-se, antes, que o homem, pela sua própria natureza humana, possui direitos anteriores a qualquer configuração legal. Neste sentido, a ideia dos direitos humanos é, antes de mais, uma ideia revolucionária, pois se levanta contra o absolutismo do Estado, contra o arbítrio de uma legislação positiva. Mas é também uma ideia metafísica, dado que no próprio ser radica uma reivindicação ética legal. Não se trata de simples elemento material a que se possa dar forma; a natureza tem em si espírito (Geist), comporta ética e dignidade, constitui reivindicação por direito à nossa libertação da qual, ela própria, é a medida.

LIBERDADE E VERDADE

Bento XVI, Fé Verdade Tolerância

Problemática da moderna história da liberdade e seu conceito de liberdade

Não há dúvida: a época a que chamamos Idade Moderna caracteriza-se desde o seu começo pelo tema da liberdade; a partida para novas liberdades é afinal a única razão que justifica esta periodização. O escrito de luta de Lutero Da liberdade do homem cristão, lança imediatamente o tema com tons fortes. Era o clamor da liberdade que fazia as pessoas escutarem, que punha em movimento uma verdadeira avalanche, e fazia dos escritos de um monge um movimento de massas que deu radicalmente nova forma à fisionomia do mundo medievo. Tratava-se da liberdade de consciência em confronto com a autoridade da Igreja, no fundo a mais íntima liberdade do homem. Não são as regras comunitárias que salvam o homem, mas a sua fé pessoal em Cristo. Que, de repente, todo o sistema que ordenava a Igreja da Idade Média tenha perdido a sua validade, foi sentido como um empurrão imenso para a liberdade. As regras que, em princípio, deviam suportar a vida e trazer-lhe salvação, apareciam como um fardo; já não obrigam, quer dizer, já não têm importância para a salvação. A redenção é libertação, libertação do jugo das regras supra-individuais. Mesmo que não se devesse falar de individualismo na Reforma, a nova importância do indivíduo e a alteração da relação entre a consciência individual e a autoridade é um seu traço fundamental. Este movimento de libertação permaneceu, no entanto, limitado ao domínio religioso. Onde ele se tornou também um programa politico, como nas guerras dos camponeses e no movimento dos anabaptistas, Lutero opôs-se-lhe terminantemente. No domínio político, ao contrário, aumentou-se e endureceu o poder da autoridade secular pela instituição de Igrejas estatais e nacionais. No espaço anglo-saxónico, as Igrejas livres irrompem desta nova fusão de governação religiosa e política, e tronam-se percursoras de uma nova construção da história, que vai tomar forma definitiva na segunda fase da Idade Moderna, no Iluminismo.

LIBERDADE E VERDADE

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A questão

Na consciência da humanidade de hoje a liberdade aparece como o bem máximo ao qual todos os outros bens estão subordinados. A jurisprudência dá à liberdade da arte, à liberdade de expressão de opinião, a total precedência sobre qualquer outro valor ético. Valores que aparecem em concorrência com a liberdade, que possam tornar necessária a sua limitação, são tidos como grilhões, como “tabus”, relíquias de proibições e medos arcaicos. A ação politica tem de ser credenciada pelo seu fomento da liberdade. Também a religião só se pode afirmar enquanto se apresente como força libertadora para o homem e para a humanidade. Na escala de valores que importam ao homem e à sua vida humanamente digna, a liberdade é o valor básico e o fundamento absoluto do direito humano. Perante ela, o conceito da verdade é visto sobretudo com suspeita. Recordamos quantas opiniões e sistemas reclamaram já para si o conceito da verdade; quantas vezes não serviu a afirmação da verdade como meio para reprimir a liberdade. Acresce o cepticismo, alimentado pelas ciências da natureza, contra tudo o que não se pode esclarecer ou provar com exatidão; tudo isto parece ser apenas avaliação subjetiva, que não pode ser de obrigatoriedade geral. A posição moderna na questão da verdade tem a sua expressão mais categórica na palavra de Pilatos: O que é a verdade? Quem declara estar ao serviço da verdade com a sua vida e com a sua palavra e ação, deve contar, no mínimo, com a classificação de visionário ou fanático. Pois “para além, a nossa vista está obstruída”, como diz Goethe no seu Fausto, e assim caracteriza o sentir de todos nós. Sem dúvida, perante uma “paixão da verdade” que se apresente com demasiada segurança, há razões que cheguem para perguntar com cautela: O que é a verdade? Mas há igualmente outras tantas razões para perguntar. O que é a liberdade? Que queremos propriamente dizer, quando louvamos a liberdade e quando a colocamos no mais alto grau a nossa escala de valores? Creio que o conteúdo geralmente associado à exigência da liberdade foi bastante bem interpretado pelas palavras com que Karl Marx exprimiu uma vez o seu sonho de liberdade. A situação da futura sociedade comunista cai tornar possível “fazer isto hoje, amanhã aquilo, caçar de manhã, pescar à tarde, fazer criação de gado à tardinha, tecer críticas depois do jantar, conforme me der vontade…” É exatamente nesse sentido que o sentimento geral irrefletido entende liberdade – como direito e a possibilidade de fazer tudo o que nos parece, e não ter de fazer nada que não queiramos. Por outras palavras, a liberdade significaria que o nosso querer é a única lei das nossas ações, e que a vontade pode querer tudo e ter a possibilidade de realizar tudo o que quer. Aqui levantam-se, porém, novas questões: até que ponto a vontade é livre? E quem medida é razoável? Será uma vontade irrazoável uma vontade livre? É realmente liberdade uma liberdade irracional? É realmente um bem? Não deverá a definição da liberdade, a partir do poder querer e do poder fazer o que se quer, ser completada pela sua referência à razão, à totalidade do homem, para que não resulte em tirania do irracional? Não pertencerá à mútua implicação da razão e da vontade a procura também da comum razão de todos os homens, conseguindo assim a recíproca compatibilidade das liberdades? É evidente que na questão da razoabilidade da vontade, da sua ligação à razão, está latente a questão da verdade.

Não são apenas reflexões abstratas filosóficas que nos obrigam a fazer perguntas, mas a nossa muito concreta situação social, onde, é certo, persiste inquebrantável a exigência da liberdade, mas em que aparecem, no entanto, dúvidas sempre mais dramáticas quanto aos movimentos de libertação e aos sistemas de liberdade. Não esqueçamos que o marxismo surgiu como a única grande força política do sec. XX a reclamar para si a criação do novo mundo da liberdade e do homem liberto. Foi exatamente para a liberdade e para a criação do mundo novo, que fez com que aderissem a ele muitos dos espírtos mais arrojados da nossa época: enfim, até apareceu como a força que podia mudar a doutrina cristã da redenção numa prática de liberdade realista – como força que podia instaurar o reino de Deus à maneira do verdadeiro reino do homem. O desabar do socialismo real nos Estados da Europa de Leste não removeu tais esperanças por completo; aqui e além elas persistem silenciosamente e procuram novas formas. À derrocada política e económica não correspondeu uma superação espiritual efetiva, e por isso a questão levantada pelo marxismo ainda não se encontra solucionada. É, todavia, óbvio que o seu sistema não funcionou como prometido. Que esse pretenso movimento de libertação, a par do nacional-socialismo, foi o maior sistema de escravatura na história dos tempos modernos, já ninguém o pode negar. A dimensão da cínica destruição do homem e do mundo é muitas vezes coberta por um manto envergonhado de silêncio, mas contestá-la já não é possível a ninguém.

A superioridade moral do sistema liberal na política e na economia, que deste modo se evidenciou, não provoca, no entanto, nenhum entusiasmo. É demasiado grande o número de pessoas que não partilham dos frutos desta liberdade, ou mesmo perdem qualquer liberdade: o desemprego torna-se novamente um fenómeno de massas; o sentimento de não ser necessário, da utilidade, atormenta os homens não menos que a pobreza material. A exploração sem escrúpulos pratica-se cada vez em maior escala, o crime organizado faz uso das oportunidades do mundo livre, e no meio de tudo vagueia o fantasma do sem-sentido. O filósofo polaco Andrzej Szczypiorski descreveu cruamente nas Semanas Académicas de Salzburgo, em 1995, o dilema da liberdade que se fez sentir depois da queda do muro; vale a pena ouvir mais em pormenor:

“Não existe qualquer dúvida de que o capitalismo trouxe grandes progressos. Também não há qualquer dúvida de que não satisfez expectativas. No capitalismo ouve-se sempre o grito das grandes massas cujas ambições não foram atendidas… O naufrágio da concepção soviética do mundo e do homem na prática politica e social foi uma libertação da servidão para milhões de vidas humanas. Todavia, no pensamento europeu, à luz da tradição dos últimos duzentos anos, a revolução anticomunista é também o fim das ilusões iluministas, a destruição portanto da concepção intelectual em que se baseava o desenvolvimento desta Europa… Apareceu uma singular época de uniformização do desenvolvimento, de ninguém conhecida até aqui. E de repente tornou-se claro – porventura a primeira vez na história – que havia apenas uma única receita, um único caminho, um único modelo, uma única maneira de dar forma ao futuro. E os homens perderam a fé no sentido das transformações em curso. Também perderam a esperança de que o mundo possa ser mudado, que valha a pena mudar o mundo… A falta hoje de alternativa faz, porém, que os homens levantem questões completamente novas. Primeira dúvida: talvez o Ocidente não tivesse razão. Segunda dúvida: se o Ocidente não tinha razão, quem tinha então razão? Como na Europa ninguém duvida que o comunismo não tinha razão, coloca-se a terceira pergunta: talvez não exista o que tenha razão? Mas, se assim é, então todo o tesouro de pensamento do Iluminismo não tem qualquer valor… Talvez que a velha máquina de vapor do Iluminismo, após duzentos anos de trabalho útil e ininterrupto, tenha parado diante dos nossos olhos e com a nossa ajuda. E o vapor escapa-se apenas para o ar. Se, de facto, é assim, então são negras as perspetivas.”

Por mais questões que se possam levantar contra esta exposição, não podemos, contudo, afastar o realismo e a lógica das questões fundamentais de Szczypiorski; e, ao mesmo tempo, o diagnóstico é de tal maneira deprimente, que não podemos parar aqui. Não tinha ninguém razão? Acaso não haverá nada em que se tenha razão? Os fundamentos do Iluminismo europeu, em que se apoia o nosso caminho de liberdade, serão falsos, ou pelo menos deficientes? Não é a pergunta “O que é a liberdade?”, afinal, não menos complicada que a pergunta “O que é a verdade?”. O dilema do Iluminismo, em que inegavelmente caímos, força-nos a pôr as duas perguntas de maneira nova e, de maneira nova, a procurar a sua mútua implicação. Para avançar é necessário que pensemos de novo o ponto de origem do percurso moderno da liberdade; a correção de percurso – de que claramente precisamos para que, na escuridão das perspetivas, se tornem visíveis novos caminhos – tem de se reportar aos inícios para aí tornar o seu ponto de partida. Naturalmente, só posso fazer aqui a tentativa de lançar alguma luz sobre a grandeza e os perigos deste caminho dos Tempos Modernos, para ajudar a uma nova tomada de consciência.

Cristianismo

bento-16Bento XVI, Fé Verdade Tolerância

A fé cristã não é fundada em poesia e política, estas duas fontes de religião; o seu fundamento é o conhecimento. A fé venera aquele Ser, que está na base de tudo o que existe, o “verdadeiro Deus”.  No Cristianismo, o esclarecimento racional tornou-se religião, não o seu adversário. Porque foi assim, porque o Cristianismo se entendeu a si mesmo como vitória da desmitologização, como vitória do conhecimento e, com ele, da verdade, por isso ele tinha de ser visto como universal e ser levado a todos os povos: não como uma religião específica que reprime outras, não a partir de uma espécie de imperialismo religioso, mas como verdade que torna supérflua a aparência. Exatamente por isso o Cristianismo aparece como intolerável para a vasta tolerância dos politeísmos.