Texto de Frederico Lourenço, publicado a 15 de abril de 2022 no seu Facebook
Sexta-feira Santa 2022
Já passei fases mais crentes e fases menos crentes: mas, mesmo no período da minha vida em que em afastei mais do cristianismo, a Sexta-feira Santa nunca foi um dia como outro qualquer. É um dia sagrado para mim: um dia diferente de todos os dias do ano. Os meus pensamentos, claro está, estão colados ao homem que pregaram na cruz há quase 2000 anos; homem que, independentemente de tudo e de todos e para lá de religiões e de igrejas, rege e orienta a minha vida interior.
Hoje penso nas razões que o levaram àquele lugar de execução. Penso no bem que ele fez na curta vida que teve. Penso no bem que continua a fazer a todos nós que nos interessamos por saber quem ele foi. E penso, como sempre, que o mundo seria tão diferente se todos puséssemos, de facto, em prática a sua mensagem de amor e de paz.
Mas o amor não é fácil; e a paz, muito menos. Tanto o amor como a paz exigem confrontos intransigentes connosco mesmos; exigem confrontos incómodos com os outros. Não é por acaso que o homem que trouxe a lei do amor também disse que viera para trazer a espada: a espada que corta a direito em tudo o que é hipocrisia e mentira. É cortante exigirmos a verdade a nós mesmos; já para não falar de a exigirmos aos outros.
Jesus foi crucificado na década de 30 do século I. No início da década de 30 do século I a.C., um poeta que escreveu sobre uma nova era de paz que estaria para vir (e sobre um jovem que morreu e subiu ao céu) interrogou-se sobre o amor. No latim de Vergílio, a frase diz-nos «quis enim modus adsit amori?» (Bucólica 2.68), o que pode significar «que medida haveria para o amor?» ou «que limite haveria para o amor?»
Pergunta a que o homem pregado na cruz teria dado resposta segura: não existe medida nem limite para o amor.
No entanto, essa é a resposta de alguém que é tido como Deus encarnado. A pergunta, vista da perspectiva humana, é mais difícil: para nós, humanos, a palavra latina «modus» aponta para a dificuldade humana em amar. «Que jeito haveria para o amor?» Ou então: «Será que o amor tem jeito?»
Como amar o próximo como a mim mesmo? Como praticar o amor para com pessoas que me desagradam, que me suscitam censura, tédio e repúdio? E, mais difícil ainda: como praticar, em toda a verdade, o amor para com as pessoas que eu amo de verdade?
O homem que foi pregado na cruz, numa sexta-feira que nunca iremos esquecer, disse: «Nisto se reconhecerão todos que sois meus discípulos, se amor tiverdes entre vós» (João 13:35).
Amor que é a sua própria finalidade, como se vê na mais extraordinária duplicação de uma frase final em toda a literatura grega: «dou-vos um novo mandamento, PARA QUE vos ameis uns aos outros, tal como eu vos amei, PARA QUE também vós vos ameis uns aos outros» (João 13:34).
Amar com a finalidade única de amar. Só e mais nada.