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10 anos de Papa Francisco

13.03.2023

Hoje celebramos os 10 anos do Pontificado do Papa Francisco.

10 anos de um Papa que soube trazer para uma Igreja, tantas vezes adormecida, um caminho novo que nos pede para voltarmos às origens e para saborearmos a simplicidade de uma vida dedicada ao(s) Outro(s).

10 anos de um Papa que nos mostra em cada dia a urgência de sermos cristãos de Ressurreição, pessoas em crescimento, em construção de uma fé adulta e sempre alicerçada na esperança.

10 anos de um Papa que, como ele próprio afirmou, o foram “buscar ao fim do mundo” para ser ele, neste tempo, a mostrar-nos agora um mundo novo.

10 anos de um Papa que vive o maior dos mandamentos cristãos – o do Amor. Aquele Amor que salva, que acolhe, que acompanha, que nos leva pela mão, que nos faz ser filhos de um Deus Maior.

10 anos de um Papa presente, interpelante, apaziguador, atento, perspicaz, orante e pensante.

10 anos de um Papa incómodo para quem vive uma fé instalada, confortável e cheia de respostas prontas.

10 anos de um Papa demasiado “moderno” para quem se amarra aos tradicionalismos ocos e desprovidos de sentido e que impedem o olhar para a essencialidade de cada ser humano.

10 anos de um Papa mariano que, à semelhança de Maria, soube dizer o seu “sim” mesmo não sabendo nada, mas apenas confiando e esperando.

10 anos de um Papa construtor de diálogos improváveis, de pontes que são só união, de estradas que são autênticas viagens de Emaús.

10 anos de um Papa destruidor de preconceitos, de julgamentos severos, de ideias mesquinhas que só limitam o desenvolvimento integral da Humanidade.

10 anos de um Papa de sorrisos e de afetos, de abraços amigos e de bênçãos calorosas porque ele sabe que o acolhimento deve ser sempre a marca indelével de cada cristão.

10 anos de um Papa sem aparato, sem vaidades, sem presunções a contrastar com uma sociedade que parece só viver a partir da exuberância e do exagero.

10 anos de um Papa feliz. “Estou feliz porque me sinto feliz. Deus faz-me feliz.”, disse numa entrevista recente.

Obrigada, Papa Francisco! Que privilegiados somos por podermos viver no mesmo espaço temporal. Mas, acima de tudo, por amarmos e sermos amados pelo mesmo Deus.

Falar para CRER – 1.º Encontro

No passado dia 8 de fevereiro, realizou-se o primeiro encontro “Falar para CRER” organizado pela paróquia da Matriz em colaboração com a Comunidade Estrada Clara. O tema abordado neste encontro inicial foi o da vida em comunidade enquanto concretização do mandamento novo de Jesus. No primeiro momento deste encontro partiu-se da leitura de uma homilia do Cardeal José Tolentino Mendonça sobre a essencialidade da identidade cristã sob o signo “Vede como eles se amam”. Em seguida, em pequenos grupos, os participantes deste encontro foram convidados a refletir acerca das consequências da concretização do mandamento do Amor que Jesus nos ofereceu como possibilidade transformadora de vida. Por fim, em grande grupo, todos partilharam como será possível materializar a novidade da mensagem cristã nos nossos grupos paroquiais e na nossa comunidade pastoral. Neste encontro, estiveram presentes cerca de 40 elementos dos vários movimentos paroquiais da nossa comunidade pastoral.

Os encontros “Falar para CRER” têm como objetivo primordial ser um espaço de partilha e de reflexão acerca da vida comunitária. Partindo das vivências de cada cristão, é fundamental refletir acerca da atualidade da mensagem cristã e pensá-la na vida concreta do dia-a-dia, fazendo-a acontecer em atitudes, em ações, em projetos. E em comunidade, em partilha, as ideias fluem de um modo mais construtivo e comum e vamos crescendo em conjunto, alicerçados numa fé trabalhada, adulta, esclarecida e, assim, mais próxima de um Deus que nos quer pessoas inteiras e sempre Ressuscitadas! O próximo encontro “Falar para CRER” acontecerá já esta próxima 4.ª feira, dia 8 de março. Refletiremos acerca da Eucaristia, do seu significado litúrgico e pastoral, do seu impacto na vida cristã, do que simboliza enquanto momento comunitário. Este encontro está aberto a todos os todos os agentes da Pastoral (Catequistas, Jovens, Conselho Pastoral Paroquial, Leitores, Grupos Corais, Confrarias) das comunidades paroquiais. Contamos com todos os que se quiserem juntar a nós.

2.º Encontro “Falar para CRER” – 8 de março de 2023 (4.ª feira), das 21h às 22h30, no Salão Paroquial da Matriz (Póvoa de Varzim)

Falar para CRER

A paróquia da Matriz vai promover, em parceria com a Comunidade Estrada Clara, os encontros “Falar para CRER”. Numa época em que é cada vez mais imperioso e urgente que os cristãos saibam “dar razões da sua esperança” (1 Pe 3, 15), estes encontros surgem com o objetivo de fomentar o conhecimento da vida cristã, de refletir acerca do que é acreditar e de permitir a partilha de experiências comunitárias. Atualmente, é visível e inegável o poder da palavra, a força da comunicação. É importante falar, mas mais importante é saber falar e saber do que se fala quando se está a falar. É em partilha, em conversa, em relação que vamos aprendendo, descobrindo, assimilando ideias, conhecimentos e conceitos e construindo, assim, a nossa identidade. Tudo isto é igualmente válido para a vida em Igreja. Há muita desinformação a circular, ideias pré-concebidas, preconceitos enraizados que precisam de ser desconstruídos e isto só é possível através da formação. O poder da comunicação é universal e, em contexto religioso, leva-nos a consolidar as nossas crenças, a perceber aquilo em que acreditamos, a viver o que cremos.

Neste sentido, os encontros “Falar para CRER” pretendem ser um espaço de partilha e de reflexão sobre o Outro, que é Deus, e com os outros, que somos todos nós. Os temas abordados terão por base a atualidade da mensagem da vida cristã e o modo como podemos (e devemos!) trazê-la para o nosso quotidiano, para as nossas escolhas e para os nossos contextos. Refletiremos sobre a possibilidade de viver nas nossas vidas a vida de Jesus Cristo e, de um modo muito particular, como podemos ser cristãos esclarecidos e comprometidos com a comunidade paroquial em que estamos inseridos. A metodologia utilizada será a do diálogo partindo sempre de um texto, sendo depois a partilha feita também em pequenos grupos comunitários. Estes encontros terão uma periocidade mensal e estão abertos a todos os elementos das comunidades paroquiais. Não é necessária inscrição. Contamos com todos os que se quiserem juntar a nós.

1.º Encontro “Falar para CRER” – 8 de fevereiro de 2023 (4.ª feira), das 21h às 22h30, no Salão Paroquial da Matriz

Mensagem do Papa Francisco para a XXXVII Jornada Mundial da Juventude (2022-2023)

«Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39)

Queridos jovens!

O tema da JMJ do Panamá era este: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Depois daquele evento, retomamos o caminho para uma nova meta – Lisboa 2023 –, deixando ecoar nos nossos corações o premente convite de Deus a levantar-nos. Em 2020, meditamos nesta palavra de Jesus: «Jovem, Eu te digo, levanta-te!» (cf. Lc 7, 14). No ano passado, serviu-nos de inspiração a figura do apóstolo São Paulo, a quem o Senhor ressuscitado dissera: «Levanta-te! Eu te constituo testemunha do que viste» (cf. At 26, 16). No troço de estrada que ainda nos falta para chegar a Lisboa, caminharemos juntos com a Virgem de Nazaré, que, imediatamente depois da Anunciação, «levantou-se e partiu apressadamente” (Lc 1, 39) para ir ajudar a prima Isabel. Comum aos três temas é o verbo levantar-se, palavra (é bom lembrá-lo!) que significa também «ressuscitar», «despertar para a vida».

Nestes últimos tempos tão difíceis, em que a humanidade já provada pelo trauma da pandemia, é dilacerada pelo drama da guerra, Maria reabre para todos e em particular para vós, jovens como Ela, o caminho da proximidade e do encontro. Espero e creio fortemente que a experiência que muitos de vós ireis viver em Lisboa, no mês de agosto do próximo ano, representará um novo começo para vós jovens e, convosco, para toda a humanidade.

Maria levantou-se

Depois da Anunciação, Maria teria podido concentrar-se em si mesma, nas preocupações e temores derivados da sua nova condição; mas não! Entrega-se totalmente a Deus! Pensa, antes, em Isabel. Levanta-se e sai para a luz do sol, onde há vida e movimento. Apesar do inquietante anúncio do Anjo ter provocado um «terremoto» nos seus planos, a jovem não se deixa paralisar, porque dentro d’Ela está Jesus, poder de ressurreição. Dentro d’Ela, traz já o Cordeiro Imolado mas sempre vivo. Levanta-se e põe-se em movimento, porque tem a certeza de que os planos de Deus são o melhor projeto possível para a sua vida. Maria torna-se templo de Deus, imagem da Igreja em caminho, a Igreja que sai e se coloca ao serviço, a Igreja portadora da Boa Nova.

Experimentar na própria vida a presença de Cristo ressuscitado, encontrá-Lo «vivo», é a maior alegria espiritual, uma explosão de luz que não pode deixar ninguém «parado». Imediatamente põe em movimento impelindo a levar aos outros esta notícia, a testemunhar a alegria deste encontro. É aquilo que anima a pressa dos primeiros discípulos nos dias que se seguiram à ressurreição: «Afastando-se apressadamente do sepulcro, cheias de temor e grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos» (Mt 28, 8).

As narrações da ressurreição usam muitas vezes dois verbos: acordar e levantar-se. Através deles, o Senhor impele-nos a sair para a luz, a deixar-se conduzir por Ele para superar o limiar de todas as nossas portas fechadas. «É uma imagem significativa para a Igreja. Também nós, como discípulos do Senhor e como Comunidade Cristã, somos chamados a erguer-nos apressadamente para entrar no dinamismo da ressurreição e deixar-nos conduzir pelo Senhor ao longo dos caminhos que Ele nos queira indicar» (Francisco, Homilia na Solenidade de São Pedro e São Paulo, 29/VI/2022).

A Mãe do Senhor é modelo dos jovens em movimento, jovens que não ficam imóveis diante do espelho em contemplação da própria imagem, nem «alheados» nas redes. Ela está completamente projetada para o exterior. É a mulher pascal, num estado permanente de êxodo, de saída de si mesma para o Outro, com letra grande, que é Deus e para os outros, os irmãos e as irmãs, sobretudo os necessitados, como estava então a prima Isabel.

…e partiu apressadamente

Santo Ambrósio de Milão escreve, no seu comentário ao Evangelho de Lucas, que Maria partiu apressadamente para a montanha, «porque estava feliz com a promessa e desejosa de prestar devotadamente um serviço, com o entusiasmo que lhe vinha da alegria interior. Agora, cheia de Deus, para onde poderia apressar-se se não em direção ao alto? A graça do Espírito Santo não admite morosidades». Por isso a pressa de Maria é ditada pela solicitude do serviço, do anúncio jubiloso, duma pronta resposta à graça do Espírito Santo.

Maria deixou-se interpelar pela necessidade da sua prima idosa. Não se escusou, não ficou indiferente. Pensou mais nos outros do que em si mesma. E isto conferiu dinamismo e entusiasmo à sua vida. Cada um de vós pode perguntar-se: Como reajo perante as necessidades que vejo ao meu redor? Busco imediatamente uma justificação para não me comprometer, ou interesso-me e torno-me disponível? É certo que não podeis resolver todos os problemas do mundo; mas talvez possais começar por aqueles de quem está mais próximo de vós, pelas questões do vosso território. Uma vez disseram a Madre Teresa que «quanto ela fazia não passava duma gota no oceano». E ela respondeu: «Mas, se não o fizesse, o oceano teria uma gota a menos».

Perante uma necessidade concreta e urgente, é preciso agir apressadamente. No mundo, quantas pessoas esperam uma visita de alguém que cuide delas! Quantos idosos, doentes, presos, refugiados precisam do nosso olhar compassivo, da nossa visita, de um irmão ou uma irmã que ultrapasse as barreiras da indiferença!

Quais são as «pressas» que vos movem, queridos jovens? O que é que vos faz sentir de tal maneira a premência de vos moverdes que não conseguis ficar parados? Há muitos que, impressionados por realidades como a pandemia, a guerra, a migração forçada, a pobreza, a violência, as calamidades climáticas, se interrogam: Porque é que me acontece isto? Porquê precisamente a mim? Porquê agora? Mas a pergunta central da nossa existência é esta: Para quem sou eu? (cf. Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 286).

A pressa da jovem mulher de Nazaré é a pressa típica daqueles que receberam dons extraordinários do Senhor e não podem deixar de partilhar, de fazer transbordar a graça imensa que experimentaram. É a pressa de quem sabe colocar as necessidades do outro acima das próprias. Maria é exemplo de jovem que não perde tempo a mendigar a atenção ou a aprovação dos outros – como acontece quando dependemos daquele «gosto» nas redes sociais –, mas move-se para procurar a conexão mais genuína, aquela que provem do encontro, da partilha, do amor e do serviço.

A partir da Anunciação, desde aquela primeira vez quando partiu para ir visitar a sua prima, Maria não cessa de atravessar espaços e tempos para visitar os filhos carecidos da sua ajuda carinhosa. Os nossos passos, se habitados por Deus, levam-nos diretamente ao coração de cada um dos nossos irmãos e irmãs. Quantos testemunhos nos chegam de pessoas «visitadas» por Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe. Em quantos lugares remotos da terra, ao longo dos séculos, Maria visitou o seu povo com aparições ou graças especiais. Praticamente não há lugar, na Terra, que não tenha sido visitado por Ela. Movida por uma solícita ternura, a Mãe de Deus caminha no meio do seu povo e cuida das suas angústias e vicissitudes. E onde quer que haja um santuário, uma igreja, uma capela a Ela dedicada, lá acorrem numerosos os seus filhos. Quantas expressões de piedade popular! As peregrinações, as festas, as súplicas, o acolhimento das imagens nas casas e muitas outras iniciativas são exemplos concretos da relação viva entre a Mãe do Senhor e o seu povo, que se visitam reciprocamente.

Uma pressa boa impele-nos sempre para o alto e para o outro

Uma pressa boa impele-nos sempre para alto e para o outro. Mas há também uma pressa não boa, como, por exemplo, a pressa que nos leva a viver superficialmente, tomar tudo levianamente sem empenho nem atenção, sem nos envolvermos verdadeiramente no que fazemos; a pressa de quando vivemos, estudamos, trabalhamos, convivemos com os outros sem colocarmos nisso a cabeça e menos ainda o coração. Pode acontecer nas relações interpessoais: na família, quando nunca ouvimos verdadeiramente os outros nem lhes dedicamos tempo; nas amizades, quando esperamos que um amigo nos faça divertir e dê resposta às nossas exigências, mas, se virmos que ele está em crise e precisa de nós, imediatamente o evitamos e procuramos outro; e mesmo nas relações afetivas, entre noivos, poucos têm a paciência de se conhecerem e compreenderem a fundo. E, a mesma atitude, podemos tê-la na escola, no trabalho e noutras áreas da vida quotidiana. Ora, todas estas coisas vividas com pressa dificilmente darão fruto; há o risco de permanecerem estéreis. Assim se lê no livro dos Provérbios: «Os projetos do homem diligente têm êxito, mas quem se precipita [a pressa má] cai certamente na ruína» (21, 5).

Quando Maria, finalmente, chega à casa de Zacarias e Isabel, sucede um encontro maravilhoso. Isabel experimentou em si mesma uma intervenção prodigiosa de Deus, que lhe deu um filho na velhice. Teria todas as razões para falar, primeiro, de si mesma; mas não o fez, toda propensa a acolher a jovem prima e o fruto do seu ventre. Logo que ouve a sua saudação, Isabel fica cheia do Espírito Santo. Acontecem estas surpresas e irrupções do Espírito quando vivemos uma verdadeira hospitalidade, quando colocamos no centro o hóspede, e não a nós próprios. Vemos isto mesmo também na história de Zaqueu, que lemos em Lucas: «Quando chegou àquele local [onde estava Zaqueu], Jesus levantou os olhos e disse-lhe: “Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa”. Ele desceu imediatamente e acolheu Jesus cheio de alegria» (19, 5-6).

Já aconteceu a muitos de nós sentir que, inesperadamente, Jesus vem ao nosso encontro: n’Ele, pela primeira vez, experimentamos uma proximidade, um respeito, uma ausência de preconceitos e condenações, um olhar de misericórdia que nunca tínhamos encontrado nos outros. Mais, sentimos também que, a Jesus, não Lhe bastava olhar-nos de longe, mas queria estar connosco, queria partilhar a sua vida connosco. A alegria desta experiência suscitou em nós a pressa de O acolher, a urgência de estar com Ele e conhecê-Lo melhor. Isabel e Zacarias hospedaram Maria e Jesus. Aprendamos daqueles dois anciãos o significado da hospitalidade. Perguntai aos vossos pais e aos vossos avós, bem como aos membros mais idosos das vossas comunidades, que significa para eles serem hospitaleiros para com Deus e com os outros. Fazer-vos-á bem escutar a experiência de quem vos precedeu.

Queridos jovens, é tempo de voltar a partir apressadamente para encontros concretos, para um real acolhimento de quem é diferente de nós, como acontece entre a jovem Maria e a idosa Isabel. Só assim superaremos as distâncias entre gerações, entre classes sociais, entre etnias, entre grupos e categorias de todo o género, e superaremos também as guerras. Os jovens são sempre a esperança duma nova unidade para a humanidade fragmentada e dividida. Mas somente se tiverem memória, apenas se escutarem os dramas e os sonhos dos idosos. «Não é por acaso que a guerra tenha voltado à Europa no momento em que está a desaparecer a geração que a viveu no século passado» (Francisco, Mensagem para o II Dia Mundial dos Avós e do Idosos). Há necessidade da aliança entre jovens e idosos, para não esquecer as lições da história, para superar as polarizações e os extremismos deste tempo.

Ao escrever aos Efésios, São Paulo anunciou: «Em Cristo Jesus, vós, que outrora estáveis longe, agora estais perto, pelo Sangue de Cristo. Com efeito, Ele é a nossa paz, Ele que, dos dois povos, fez um só e destruiu o muro de separação, a inimizade, na sua carne» (2, 13-14). Jesus é a resposta de Deus face aos desafios da humanidade em todos os tempos. E esta resposta, Maria leva-a dentro de si quando vai ao encontro de Isabel. A maior prenda que Maria oferece à sua parente idosa é levar-lhe Jesus: certamente também a ajuda concreta foi muito preciosa; mas nada teria podido encher a casa de Zacarias com uma alegria tão grande e um significado assim pleno como o fez a presença de Jesus no ventre da Virgem, que se tornara o tabernáculo do Deus vivo. Naquela região montanhosa, Jesus, com a mera presença, sem dizer uma palavra, pronuncia o seu primeiro «discurso da montanha»: proclama em silêncio a bem-aventurança dos pequeninos e dos humildes que se entregam à misericórdia de Deus.

A minha mensagem para vós jovens, a grande mensagem de que é portadora a Igreja é Jesus! Sim, Ele mesmo, o seu amor infinito por cada um de nós, a sua salvação e a vida nova que nos deu. E Maria é o modelo de como acolher este imenso dom na nossa vida e comunicá-lo aos outros, fazendo-nos por nossa vez portadores de Cristo, portadores do seu amor compassivo, do seu serviço generoso, à humanidade sofredora.

Todos juntos em Lisboa!

Maria era uma jovem como muitos de vós. Era uma de nós. Assim escrevia acerca dela o bispo D. Tonino Bello: «Santa Maria, (…) bem sabemos que foste destinada a navegar no alto mar. Mas, se te constrangemos a navegar junto da costa, não é porque queremos reduzir-te aos níveis da nossa pequena navegação costeira. É porque, vendo-te tão perto das praias do nosso desânimo, possa apoderar-se de nós a consciência de sermos chamados, também nós, a aventurar-nos, como Tu, nos oceanos da liberdade» (Maria, mulher dos nossos dias, Cinisello/Balsamo 2012, 12-13).

Como recordei na primeira Mensagem desta trilogia, nos séculos XV e XVI, muitos jovens (incluindo tantos missionários) partiram de Portugal rumo a mundos desconhecidos, inclusive para partilhar a sua experiência de Jesus com outros povos e nações (cf. Francisco, Mensagem JMJ 2020). E a esta terra, no início do século XX, Maria quis fazer uma visita especial, quando de Fátima lançou a todas as gerações a mensagem forte e maravilhosa do amor de Deus que chama à conversão, à verdadeira liberdade. A cada um e cada uma de vós renovo o meu caloroso convite a participar na grande peregrinação intercontinental dos jovens que culminará na JMJ de Lisboa em agosto do próximo ano; e recordo-vos que, no próximo 20 de novembro, Solenidade de Cristo Rei, celebraremos a Jornada Mundial da Juventude nas Igrejas particulares espalhadas pelo mundo inteiro. A propósito, o recente documento do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida – Orientações pastorais para a celebração da JMJ nas Igrejas particulares– pode ser de grande ajuda para todas as pessoas que trabalham na pastoral juvenil.

Sonho, queridos jovens, que na JMJ possais experimentar novamente a alegria do encontro com Deus e com os irmãos e as irmãs. Depois dum prolongado período de distanciamento e separação, em Lisboa – com a ajuda de Deus – reencontraremos juntos a alegria do abraço fraterno entre os povos e entre as gerações, o abraço da reconciliação e da paz, o abraço duma nova fraternidade missionária! Que o Espírito Santo acenda nos vossos corações o desejo de vos levantardes e a alegria de caminhardes todos juntos, em estilo sinodal, abandonando falsas fronteiras. O tempo de nos levantarmos é agora. Levantemo-nos apressadamente! E, como Maria, levemos Jesus dentro de nós, para O comunicar a todos. Neste belíssimo momento da vossa vida, avançai, não adieis o que o Espírito pode realizar em vós! De coração abençoo os vossos sonhos e os vossos passos.

Roma, São João de Latrão, na Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria,15 de agosto de 2022.

Francisco

Uma comunidade orante

Faz hoje um ano que iniciamos o “Encontro em Ti”, o momento de oração mensal, na nossa igreja Matriz e alargada à nossa comunidade paroquial. Tem sido uma experiência enriquecedora, de partilha com quem tem vindo meditar connosco e assim fazer memória e presença de um Deus que vem sempre ao nosso encontro. A oração é a base primordial na essencialidade da Comunidade Estrada Clara. Desde sempre que, como qualquer grupo cristão, privilegiamos estes momentos de meditação e de silêncio, num encontro com Ele e connosco próprios. A oração diária da Comunidade Estrada Clara surge, como compromisso comunitário, depois da nossa primeira experiência em Taizé, em 2004, ao sentirmos que a oração precisava de ganhar um espaço e um tempo inequívocos na nossa vida, que não podia ser apenas uma mera atividade semanal de grupo. Assim como somos pessoas, profissionais, pais e mães, amigos, maridos e esposas, também somos cristãos todos os dias. E ser cristão é viver Jesus no meu dia. Desde então, diariamente, em comunidade (quando é possível, juntamo-nos na nossa casa comunitária, quando tal não é possível, cada elemento medita individualmente em sua casa), temos dois momentos de oração, um de manhã e outro à noite. O esquema da nossa oração baseia-se na Liturgia das Horas, a oração pública e comunitária oficial da Igreja. A esta liturgia juntamos os cânticos, as nossas reflexões e o silêncio. Sempre o silêncio. Tão importante numa sociedade em que parece que o mais valioso é sempre o barulho, o ruído, o que fala mais alto. Há muito que descobrimos que é no silêncio e na serenidade que vamos sendo mais pessoas, que vamos conhecendo mais a nossa luz, que nos vamos tornando embaixadores do divino que vive em nós. Poder proporcionar esta nossa experiência comunitária de oração aos outros foi, desde sempre, um desejo antigo do Jorge. Por várias circunstâncias, não lhe foi possível viver, nesta dimensão, esta nossa experiência que cumpre hoje um ano. Mas como acreditamos que ele, agora com Ele, vai guiando sempre a nossa estrada, sabemos que tudo o que temos vivido é fruto dessa sua vontade em que, juntos, sejamos uma comunidade pensante e orante. 

Testemunhos – Formação Cristã de Adultos 2022

Alguns testemunhos acerca da vivência deste percurso da Formação Cristã de Adultos. O que foi e como foi a experiência da Formação Cristã de Adultos nas palavras de alguns dos jovens adultos que frequentaram estes encontros. De janeiro a setembro de 2022, às sextas-feiras, das 21h30 às 23h, na paróquia da Matriz (Póvoa de Varzim), este grupo de treze elementos foi fazendo o seu percurso na descoberta de um Deus que está sempre disponível para quem o quer acolher, construindo assim o início de uma fé adulta, pensada e experimentada, concreta, vivida em ações, participada no quotidiano e celebrada sempre em comunidade. Este foi o primeiro ano desta experiência dinamizada pela Paróquia de Nossa Senhora da Conceição (Matriz – Póvoa de Varzim) em parceria com a Comunidade Estrada Clara. Na próxima 6.ª feira, dia 21 de outubro, um novo grupo iniciará uma nova etapa de formação. Seguimos juntos, construindo uma comunidade de partilha, de vida, de sentido e de esperança plena n´Aquele que é tudo em nós!

Testemunho da Amanda

A minha experiência em relação à formação para o crisma 2022 foi muito boa, esta formação proporcionou momentos de discussão e debate acerca de várias passagens e momentos tanto da bíblia, como da vida cristã, discussões estas adultas e com uma visão diferente daquela que nos foi ensinado na primeira comunhão. A Ana, a Beatriz e a Sofia, muito simpáticas e queridas e sobretudo sempre dispostas a nos ajudar nesta caminhada pela fé. A formação ajudou-me muito a ter uma visão mais adulta e conhecedora dos temas abordados. Muito obrigada e um beijinho especial às queridas animadoras.

Testemunho do Carlos

Os encontros da Formação Cristã de Adultos foram o início de uma caminhada de descoberta sobre quem realmente somos e qual o nosso papel neste mundo. Longe das catequeses pré-formatadas e monótonas que possamos imaginar, estes encontros revelaram-se um belo espaço de partilha orientada por temas concretos que, enriquecidos pelo contributo de todos, foram pouco a pouco clareando a estrada da vida que juntos percorremos. Ora aprendendo a manusear a Bíblia, ora interpretando parábolas à luz da nossa vida concreta, ora escutando reflexões de quem veio antes de nós, tivemos sempre a oportunidade de partilhar as nossas próprias experiências e de melhor as enquadrar com a forma de vida cristã. Tudo isto tornou-se possível através do esforço, amabilidade e acolhimento incansáveis das nossas catequistas Ana, Beatriz e Sofia. Que falta fazia um espaço destes na nossa comunidade! E que bom que os nossos percursos individuais se possam agora cruzar e enriquecer em conjunto neste ponto de encontro que sou eu, que és tu, que somos nós, que é Deus.

Testemunho da Joana

Dia 3 de setembro de 2022 pelas 15:00 realizei o Sacramento do Crisma. Mais uma etapa da minha vida, há muito tempo desejada! Momentos assim vivenciados são sem dúvida alguma momentos muito especiais! Ficarão para sempre guardados na minha memória! Levarei para a vida tudo o que aprendi, o grupo que criamos! Obrigada por tudo, por todos os momentos vividos!

Testemunho da Sara

Frequentar a formação cristã para adultos foi uma das melhores experiências que fiz. As nossas sessões eram bastante agradáveis onde cada um tinha o à vontade para dar a sua opinião, partilhar acontecimentos da vida, esclarecer as nossas dúvidas e desabafar. Frequentar a Formação Cristã para Adultos fez-me ver a vida com outros olhos e acreditar que há sempre uma coisa boa à nossa espera mesmo parecendo que tudo está mal. É só preciso nunca perdermos a nossa Fé! Obrigada por tudo!

Testemunho da Soraia

Gostei bastante de fazer parte desta experiência, aprendi e cresci muito para além de ter conhecido pessoas incríveis com quem fomos partilhando experiências e pensamentos. Ao longo dos encontros aprendi a olhar para a vida de uma forma diferente, nem sempre tudo como queremos e está tudo bem é porque assim tinha de ser e só mais tarde vamos dar conta disso. O que nos move sempre é a fé que temos nas pequenas coisas da vida. De uma forma geral, gostei bastante e agradeço imenso por tudo o que levo desta experiência!

Formação Cristã de Adultos – Crisma 2022

O primeiro grupo deste primeiro ano de Formação Cristã de Adultos, promovida pela paróquia de Nossa Senhora da Conceição (Matriz) em parceria com a Comunidade Estrada Clara, culminou com a celebração do Crisma pelo nosso Arcebispo Dom José Cordeiro no dia 3 de setembro de 2022, na nossa Igreja Matriz. Recordamos, com imensa alegria e muita gratidão, esse dia festivo em que os nossos treze crismandos (a Amanda, a Ana Carolina, a Beatriz, a Beatriz Rosa, a Carlota, o Carlos, o Daniel, a Diana, o Diogo, a Joana, o João, a Sara e a Soraia) receberam o Espírito Santo e foram fortalecidos com os seus dons. Lembramos também o percurso particular da Carlota que, escolhendo, numa idade adulta, assumir uma vida cristã, recebeu os sacramentos do Batismo e da Eucaristia. Foi uma celebração comunitária de fé, de ação de graças e de louvor por este caminho percorrido e pela descoberta de um Deus que nos ama e que nos quer sempre a caminho com Ele e com os nossos irmãos. Que este tenha sido o dia primeiro de um percurso numa fé adulta, consciente, pensada e experimentada, questionada e trabalhada sempre numa dimensão comunitária. Um bem-haja a todo este grupo pelos momentos de partilha, de reflexão e de conhecimento e pela certeza que nos dão de que viver em Deus é, essencialmente, um viver com e para os outros.

“A felicidade chama-se santidade, porque Deus nos ama e quer que sejamos como Ele: santos e misericordiosos. Esta vontade de Deus desafia-nos para o dom de ver o seu rosto e de lhe responder no coração. A interioridade é, por isso, a capacidade de querer. O futuro está na interioridade. Caríssimos Jovens, que sereis confirmados com o azeite perfumado da alegria, sede discípulos missionários do Evangelho e vivei a alegria do amor na família da Igreja, como nos recorda, de modo tão feliz, o Papa Francisco. Não tenhais medo de ser santos na Misericórdia! Abri o coração a Jesus Cristo!”  (D. José Cordeiro, Arcebispo Primaz de Braga)

Ser com os outros

A Festa da Francesinha Colegial 2022. Poderiam ter sido só quatro dias de convívio, comida, música e festa para a angariação de fundos para as atividades paroquiais. E se só assim fosse, já teria valido a pena. Acontece que esta Festa da Francesinha foi para além de tudo isso. Foi sinónimo de alegre partilha, novos encontros, olhares luminosos, abraços reconfortantes, palavras amigas, trabalho em equipa, ajuda presente. Foi a parábola da multiplicação dos pães e dos peixes. Foi o famoso “team building activity” que hoje tantas empresas procuram, mas que, em Igreja, já existe há muito tempo, mas com outra nomenclatura. Foi o procurar aplicar o melhor de cada um para oferecer o melhor de todos. Foi o deixar de dizer “eu” para passar a dizer “nós”.

Para quem acredita e se dispõe a isso, a vida está cheia de anúncios de Deus. Quando escrevi a reflexão para o mês de agosto, estava longe de imaginar que iria assistir, tão imediatamente, à concretização destas palavras: “Ninguém se pode tornar cristão para si mesmo. Nós somos cristãos com os outros. Enquanto Cristãos, a nossa missão é a de acolher, cuidar, abraçar, salvar.” Deus continua a querer fazer-se presente nos nossos quotidianos e de muitos modos. Fazendo parte de uma Festa da Francesinha Colegial, por exemplo.

Foi a primeira vez que, como Comunidade Estrada Clara, participamos neste evento comunitário. E sentimos uma grande alegria por vivermos estes dias em grupo, por mais este pedacinho de estrada percorrido, por as nossas estradas poderem ser partilhadas com outros em direção ao Outro. Sentimos que, mais uma vez, é sempre possível fazer brilhar a Luz de cada um no mundo. A servir francesinhas, a registar os pedidos, a tirar finos, a descascar batatas, a entregar sobremesas. E assim também se diz Comunidade com a vida.

Um agradecimento amigo aos nossos “chefes”, Arminda e Mário, que nos fizeram sentir sempre em casa de uma forma bonita e são exemplo de dedicação, trabalho e alegria deste evento. A nossa gratidão ao padre Avelino por, mais uma vez, nos lançar estes “desafios”, acreditando connosco e seguindo caminho, ao nosso lado, na nossa Estrada Clara.

Na Igreja há lugar para todos

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO NA SOLENIDADE DOS APÓSTOLOS PEDRO E PAULO

Basílica de São Pedro, quarta-feira, 29 de junho de 2022

Revive, hoje, na Liturgia da Igreja o testemunho dos dois grandes Apóstolos Pedro e Paulo. O primeiro, que o rei Herodes metera na prisão, ouve o anjo do Senhor dizer-lhe: «Ergue-te depressa» (At 12, 7); o segundo, resumindo toda a sua vida e apostolado, diz: «combati a boa batalha» (2 Tm 4, 7). Tendo diante dos olhos estes dois aspetos – erguer-se depressa e combater a boa batalha –, perguntemo-nos que podem eles sugerir à Comunidade Cristã de hoje, empenhada no processo sinodal em curso.

Antes de mais nada, os Atos dos Apóstolos falam-nos da noite em que Pedro foi libertado das correntes da prisão; um anjo do Senhor tocou-lhe o lado enquanto dormia, despertou-o e disse: «Ergue-te depressa!» (12, 7). Desperta-o e pede-lhe para se erguer. Esta cena evoca a Páscoa, porque aqui encontramos dois verbos usados nas narrações da ressurreição: despertar e erguer-se. Significa que o anjo despertou Pedro do sono da morte e o impeliu a erguer-se, isto é, a ressurgir, a sair para a luz, a deixar-se conduzir pelo Senhor para superar o limiar de todas as portas fechadas (cf. At 12, 10). É uma imagem significativa para a Igreja. Também nós, como discípulos do Senhor e como Comunidade Cristã, somos chamados a erguer-nos depressa para entrar no dinamismo da ressurreição e deixar-nos conduzir pelo Senhor ao longo dos caminhos que Ele nos quiser indicar.

Sentimos ainda tantas resistências interiores que não nos deixam pôr em marcha. Tantas resistências! Às vezes, como Igreja, somos dominados pela preguiça e preferimos ficar sentados a contemplar as poucas coisas seguras que possuímos, em vez de nos erguermos a fim de lançar o olhar para horizontes novos, para o mar alto. Muitas vezes estamos acorrentados como Pedro no cárcere do ramerrão, assustados pelas mudanças e presos à corrente das nossas habitudes. Mas, assim, cai-se na mediocridade espiritual, corre-se o risco de «ir sobrevivendo» mesmo na vida pastoral, esmorece o entusiasmo da missão e, em vez de ser sinal de vitalidade e criatividade, a impressão que se dá é de tibieza e inércia. Então, como escrevia Padre Henri de Lubac, a grande corrente de novidade e de vida, que é o Evangelho nas nossas mãos, torna-se uma fé que «cai no formalismo e na habitude, (…) religião de cerimónias e devoções, de ornamentos e vulgares consolações (…). Cristianismo clerical, cristianismo formalista, cristianismo mortiço e endurecido» (O drama do humanismo ateu. O homem diante de Deus, Milão 2017, 103-104).

O Sínodo, que estamos a celebrar, chama-nos a ser uma Igreja que se ergue em pé, não dobrada sobre si mesma, capaz de olhar mais além, de sair das suas prisões para ir ao encontro do mundo, com a coragem de abrir portas. Naquela mesma noite, insidiava outra tentação (cf. At 12, 12-17): aquela jovem assustada, em vez de abrir a porta, volta para trás contando algo que, para os presentes, só podia ser obra da sua fantasia. Abramos as portas. É o Senhor que chama. Não sejamos como Rode que voltara para trás…

Uma Igreja sem correntes nem muros, onde cada qual se possa sentir acolhido e acompanhado, onde se cultive a arte da escuta, do diálogo, da participação, sob a única autoridade do Espírito Santo. Uma Igreja livre e humilde, que «se ergue depressa», que não adia, não acumula atrasos face aos desafios de hoje, não se demora nos recintos sagrados, mas deixa-se animar pela paixão do anúncio do Evangelho e pelo desejo de chegar a todos, e a todos acolher. Não esqueçamos esta palavra: todos. Todos! Ide pelas encruzilhadas e trazei todos, cegos, surdos, coxos, doentes, justos, pecadores: todos, todos! Esta palavra do Senhor deve ressoar… ressoar na mente e no coração: todos! Na Igreja, há lugar para todos. E muitas vezes tornamo-nos uma Igreja de portas abertas, mas para despedir as pessoas, para condenar as pessoas. Ontem dizia-me um de vós: «Para a Igreja, este não é o tempo dos despedimentos, mas o tempo do acolhimento». «Não vieram ao banquete…» – Ide pelas encruzilhadas. Todos, todos! «Mas são pecadores!» – Todos.

Depois, a segunda Leitura propôs-nos as palavras de Paulo que, repassando toda a sua vida, afirma: «combati a boa batalha» (2 Tm 4, 7). O Apóstolo refere-se às inúmeras situações, às vezes marcadas pela perseguição e a tribulação, em que não se poupou a anunciar o Evangelho de Jesus. Agora, no final da vida, vê que, na história, está ainda em curso uma grande «batalha», porque muitos não estão dispostos a acolher Jesus, preferindo correr atrás dos seus próprios interesses e doutros mestres mais condescendentes, mais facilitadores, mais conformes à nossa vontade. Paulo enfrentou o seu combate e, agora que terminou a corrida, pede a Timóteo e aos irmãos da comunidade para continuarem esta obra com a vigilância, o anúncio, o ensino; enfim, cada um cumpra a missão que lhe foi confiada e faça a própria parte.

É uma Palavra de vida, também para nós, despertando a consciência de que, na Igreja, cada um é chamado a ser discípulo-missionário e a prestar a sua contribuição. Aqui vêm-me ao pensamento duas perguntas. A primeira: Que posso fazer eu pela Igreja? Não lamentar-me da Igreja, mas empenhar-me em prol da Igreja. Participar com paixão e humildade: com paixão, porque não devemos ficar espectadores passivos; com humildade, porque envolver-se na comunidade nunca deve significar ocupar o centro do palco, nem sentir-se o melhor impedindo aos outros de se aproximarem. Igreja em processo sinodal significa isto: todos participam, mas ninguém no lugar dos outros ou acima dos outros. Não há cristãos de primeira e segunda classe; mas todos, todos são chamados.

Entretanto participar significa também continuar aquela «boa batalha» de que fala Paulo. Trata-se realmente duma «batalha», porque o anúncio do Evangelho não é neutral – por favor! Que o Senhor nos livre de destilar o Evangelho para o tornar neutral: o Evangelho não é água destilada –, não deixa as coisas como estão, não aceita a cedência às lógicas do mundo, mas acende o fogo do Reino de Deus lá onde, ao contrário, reinam os mecanismos humanos do poder, do mal, da violência, da corrupção, da injustiça, da marginalização. Desde que Jesus Cristo ressuscitou, agindo como linha divisória da história, «começou uma grande batalha entre a vida e a morte, entre esperança e desespero, entre resignação ao pior e luta pelo melhor, uma batalha que não conhecerá tréguas até à derrota definitiva de todas as forças do ódio e da destruição» (C. M. Martini, Homilia na Páscoa da Ressurreição, 04/IV/1999).

Vimos a primeira pergunta; agora a segunda: Que podemos fazer juntos, como Igreja, para tornar o mundo em que vivemos mais humano, mais justo, mais solidário, mais aberto a Deus e à fraternidade entre os homens? Certamente não devemos fechar-nos nos nossos círculos eclesiais nem perder-nos em certas discussões estéreis. Cuidado para não cairdes no clericalismo; o clericalismo é uma perversão. O ministro que se faz clerical adotando atitudes clericais, embocou um caminho errado; pior ainda são os leigos clericalizados. Estejamos atentos a esta perversão que é o clericalismo. Ajudemo-nos a ser fermento na massa do mundo. Juntos, podemos e devemos fazer gestos cuidadores a bem da vida humana, da tutela da criação, da dignidade do trabalho, dos problemas das famílias, da condição dos idosos e de quantos se veem abandonados, rejeitados e desprezados. Enfim, ser uma Igreja que promove a cultura do cuidado, da ternura, a compaixão pelos frágeis e a luta contra toda a forma de degradação, incluindo a das nossas cidades e dos lugares que frequentamos, para resplandecer na vida de cada um a alegria do Evangelho: esta é a nossa «batalha», este é o nosso desafio. As tentações para ficar no passado são muitas; a tentação da nostalgia que nos faz olhar para outros tempos como sendo melhores. Por favor, não caiamos no saudosismo, neste saudosismo de Igreja que está na moda hoje.

Irmãos e irmãs, hoje, segundo uma bela tradição, benzi os Pálios para os Arcebispos Metropolitas recém-nomeados, muitos dos quais participam na nossa celebração. Em comunhão com Pedro, são chamados a «erguer-se depressa», não dormir, para ser sentinelas vigilantes do rebanho. Levanta-te para «combater a boa batalha», nunca sozinhos, mas com todo o santo Povo fiel de Deus. E como bons pastores devem estar à frente do povo, no meio do povo e atrás do povo, mas sempre com o santo povo fiel de Deus, porque fazem parte do santo povo fiel de Deus. De coração, saúdo a Delegação do Patriarcado Ecuménico, enviada pelo querido irmão Bartolomeu. Obrigado! Obrigado pela vossa presença e pela mensagem de Bartolomeu! Obrigado! Obrigado por caminhar juntos, porque, só juntos, podemos ser semente de Evangelho e testemunhas de fraternidade.

Pedro e Paulo intercedam por nós, intercedam pela cidade de Roma, intercedam pela Igreja e pelo mundo inteiro. Amén.

Ser católico hoje

O que significa “católico” hoje? Para responder, devemos antes de tudo perguntar-nos: o que entendemos com “hoje”? “Hoje”, isto é, o tempo do cristianismo dividido. A divisão não diz respeito principalmente à separação entre as Igrejas, mas no interior delas. Hoje, ou seja, um tempo em que a credibilidade da Igreja atravessa uma das maiores crises.

Os escândalos dos abusos sexuais, psicológicos e eclesiásticos recentemente descobertos desempenham no nosso tempo um papel semelhante ao das indulgências que provocou a Reforma. Aquilo que inicialmente parecia um fenómeno marginal, mostra hoje – como então – problemas muito mais profundos, isto é, as disfunções do sistema: as relações entre Igreja e poder, clero e leigos e muitos outros. A situação da Igreja católica hoje é muito semelhante à da existente pouco antes da Reforma.

“Hoje”, isto é, um momento em que a Igreja se encontra perante uma grande tarefa: a passagem da forma atual à futura, rumo ao caminho sinodal.

O caminho sinodal não é apenas um caminho para a reforma, mas um caminho de reforma. Também aqui o percurso coincide com a meta. Os cristãos hoje, como ao início da sua história, devem ser “pessoas em caminho”. Jesus disse de si: Eu sou a via. A existência cristã é uma sequela, isto é, um movimento. Ao longo das veredas tortuosas do mundo de hoje procuramos as peugadas de Jesus, na polifonia do nosso tempo a voz de Jesus. Precisamos da arte do discernimento espiritual.

  1. Contra uma ideologização do cristianismo

Todos nós, cristãos, acreditamos numa Igreja una, santa, apostólica e universal. O que significa “católico”? É uma das notas características da Igreja. Uma comunidade de crentes que deixasse de tender para a catolicidade, para a abertura universal, perderia a sua identidade e autenticidade cristã.

Entre unidade, santidade, apostolicidade e catolicidade há uma conexão interna e uma compenetração, uma pericorese. O enfraquecimento de um destes quatro pilares da identidade da Igreja significa o enfraquecimento dos outros.

Unidade: unidade orgânica na diversidade. Santidade: consagração a Deus e pertença a Deus. Apostolicidade: fidelidade à missão e à Tradição apostólica. E catolicidade: universalidade, visão de conjunto, abertura: estas são as características principais da Igreja.

São carismas que a Igreja recebeu do Senhor da história e da Igreja como dom e tarefa para o seu caminho ao longo da história. São carismas, sementes de graça que, para crescer, precisam de um terreno favorável. São – juntamente com os outros carismas importantes – sementes da vida de Deus; nelas e através delas age e cresce a “dynamis” de Deus, o movimento do Espírito vivificante de Deus, que plasma, une, guia, torna a sanar e transforma a comunidade dos crentes.

Este movimento de crescimento e de maturação ocorre na história e finaliza-se no culminar escatológico do processo histórico. Só neste ponto ómega, no “eschaton”, aparecerão em toda a sua plenitude a unidade, a santidade, a apostolicidade e a catolicidade da Igreja.

No seio da história, a Igreja é “Communio viatorum”, um povo a caminho, que ainda não chegou ao destino. O desenvolvimento da Igreja não é uma estrada de sentido único, a teologia cristã da história difere das escatologias intramundanas. A nossa experiência em relação àqueles que prometeram o Paraíso na Terra e fizeram da Terra um inferno obriga-nos a manter uma distância crítica em relação às ideologias e às utopias políticas. É tarefa profética da Igreja relativizar toda a forma de idolatria, de relativizar a absolutização daquilo que é relativo.

Para nos distanciarmos da escatologia intramundana das ideologias seculares e das promessas do Paraíso na Terra, precisamos de uma certa “escatologia negativa”, análoga à “teologia negativa”. Compreender e descrever plenamente o “futuro absoluto”, a meta escatológica da história supera as nossas capacidades. Por isso, nenhuma situação da sociedade e do Estado, nenhuma forma de Igreja, nenhuma forma do nosso conhecimento teológico pode ser considerada perfeita e definitiva, como sendo o fim da história; em nenhum momento da nossa viagem podemos dizer: alto, é tão belo!

A Igreja tem a obrigação de exercer este serviço profético de “dessacralização” não só em relação às ideologias seculares, como o comunismo ou o nacionalismo, mas também contra as tentativas de ideologizar o cristianismo e desfigurar, assim, a sua vida.

Precisamos de uma “distinção escatológica”: de uma constante distinção entre a “ecclesia militans”, a Igreja aqui sobre a Terra, e a “ecclesia triumphans”, a Igreja glorificada no Céu. Se a “ecclesia militans” terrestre começa a considerar-se como “ecclesia triumphans”, como a forma perfeita da Igreja, comete o pecado do triunfalismo. Se a “ecclesia militans”, a Igreja militante, cessa de lutar contra a tentação do triunfalismo, torna-se um instrumento da religião militante; combate os outros e os não-conformistas presentes nas suas fileiras. Algo de semelhante aconteceu no islão com o conceito de “jihad”.

Uma das manifestações do triunfalismo é o clericalismo: aqueles que estavam destinados ao humilde serviço da comunidade tornam-se uma “classe dirigente”; um governo sacro (hierarquia) que reivindica o monopólio da verdade.

Sobretudo nos nossos dias confrontamo-nos com as consequências do abuso de poder e de autoridade na Igreja. O papa Francisco diagnosticou justamente o clericalismo como uma das principais causas dos atos de abuso, um clima de relações malsãs nas quais coisas do género eram possíveis. A nossa eclesiologia, a autocompreensão da Igreja, precisa do princípio da “kenosis”, do dom de si; o caminho sinodal deve ser um caminho de humildade que cura.

Como já foi dito, o caminho da Igreja na história não é uma estrada de sentido único, mas um drama de luta contínua entre graça e pecado. O drama da Páscoa continua na história da Igreja. Nós partilhamos não só a luz da manhã de Páscoa, mas também as trevas do Getsémani e do Calvário. Na vida da Igreja, nas suas crises e sofrimentos, nas suas feridas, continua também o sofrimento de Cristo, é uma “passio continua”. Não só no caminho espiritual de cada crente, mas também na história da Igreja houve sempre «noites escuras da fé».

Nas noites obscuras coletivas da história do mundo e da Igreja, precisamos da paciência da esperança para vencer a tentação do desespero, esta «doença que conduz à morte».

Muitas coisas – incluindo muitas formas de Igreja e formas imaturas de fé – têm de morrer. A ressurreição não é um regresso àquilo que era antes, mas uma mudança radical. Cristo ressuscitado chega aos seus amigos como um peregrino desconhecido.

Não só os sacramentos e as pregações da Igreja, mas também e sobretudo as expressões quotidianas da fé, esperança e caridade dos fiéis constituem o espaço da ressurreição em que se cumpre a “resurrectio continua”. Da mesma maneira são lugares de teofania: Deus está presente no mundo na fé, na esperança e no amor dos crentes. Também eles exprimem o carácter sacramental da Igreja, também eles fazem parte da liturgia em sentido mais amplo, também eles são o lugar em que Cristo ressuscitado vive e age.

O que significa a catolicidade da Igreja? É a sua abertura à vinda de Cristo ressuscitado, desconhecido, surpreendente. O Cristo ressuscitado é “semper maior”, sempre maior do que o que imaginámos até agora. Entra através das portas fechadas dos nossos medos, das nossas ideias limitadas, das definições dogmáticas, dos conceitos e das categorias.

Catolicismo hoje significa universalidade e ecumenismo em sentido mais amplo e profundo. O convite do Concílio Vaticano II ao diálogo ecuménico com as outras Igrejas cristãs, com os crentes de outras religiões e com os fautores do humanismo ateu foi o primeiro passo neste caminho. Contribuiu para libertar a catolicidade da Igreja do beco sem saída do “catolicismo”, do particularismo confessional, da redução a uma das “visões do mundo”.

Para esta deformação da Igreja contribuiu a sua estratégia defensiva e apologética após os dois grandes cismas, a estratégia de defesa contra o protestantismo e depois a defesa contra a cultura moderna, na sequência da cisão entre a teologia neoescolástica e o pensamento científico, filosófico e político do século XIX.

2. A Igreja deve distanciar-se de um catolicismo de guerras culturais

No caminho sinodal rumo a uma catolicidade credível, devemos libertar-nos de “um catolicismo” entendido como convulsa contracultura e instrumentos de guerras culturais. Além disso, a Igreja deve resistir constantemente à tentação do narcisismo coletivo, do egoísmo e da autorreferencialidade. Devemos estender o princípio da sinodalidade, o caminho de busca feito em conjunto às nossas relações com as pessoas de outras religiões e com quem não tem credo religioso. Para o cristianismo, esta autotranscendência não é uma perda de identidade, mas a atuação do mistério central do cristianismo, da mudança pascal.

Em vez de fazer proselitismo, deveremos cultivar uma cultura de acompanhamento e de diálogo, na qual se possa compreender não só a fé dos outros, mas também a nossa de maneira nova. A religião de amanhã deveria ser um “re-legere”, uma “releitura”, uma nova leitura, um novo repensamento, uma nova hermenêutica.

Catolicismo ecuménico hoje significa a coragem da autotranscendência da Igreja, de auto transcendência do cristianismo. Esta autotranscendência – superação das próprias fronteiras institucionais e mentais para com os outros – não é uma perda da identidade do cristianismo, antes uma atuação do mistério central do cristianismo, a mudança pascal.

Na véspera da sua eleição para pontífice, o cardeal Jorge Mario Bergoglio citou as palavras de Jesus: «Estou à porta e bato»; mas acrescentou que hoje Jesus bate de dentro da Igreja e quer sair, em particular para todos os pobres, os marginalizados e os feridos do nosso mundo, e nós devemos segui-lo. Mas devemos também avizinhar-nos de todos aqueles que estão em busca espiritual, não como detentores de toda a verdade, mas como aqueles que desejam caminhar junto a eles no respeito recíproco.

Um passo importante no caminho da catolicidade ecuménica foi a decisão do Concílio Vaticano II de utilizar o conceito de “subsistit in” para indicar a relação entre a Igreja de Cristo na sua plenitude escatológica e a Igreja católica no seu caminho na história. Segundo o cardeal Walter Kasper, isto implica duas importantes garantias.

Primeiro: nesta Igreja católica experimentável, existente aqui e agora, subsiste a Igreja de Cristo, essa misteriosa Esposa de Cristo, cuja plena glória e beleza se revelarão somente no horizonte escatológico na eternidade. Segundo: que esta Igreja católica romana não «ocupa todo o espaço» da Igreja de Cristo, de tal maneira que há um lugar legítimo par as outras Igrejas cristãs e para os carismas que Deus livremente dá para além das fronteiras visíveis da Igreja.

Analogamente, poder-se-ia talvez dizer que a verdade, que é o próprio Deus, existe na doutrina do Magistério, sem todavia esgotar em nenhum momento da história a plenitude do mistério de Deus. A afirmação que a doutrina oficial da Igreja apresenta a revelação de Deus de modo autêntico e em medida suficiente para a salvação, e que não se deve esperar qualquer outra revelação não significa seguramente que a Igreja pronuncie um interdito sobre posteriores ações do Espírito Santo.

Há ainda espaço para a livre efusão do Espírito que guia gradualmente os discípulos de Cristo à plenitude da verdade até ao fim da história. O ponto, no entanto, é que a abertura a novos dons do Espírito não significa perder de modo lastimoso e frívolo o respeito pela importância e irrevocabilidade do tesouro dos dons precedentes do mesmo Espírito; Jesus elogiou a sabedoria do dono de casa que extrai para fora do seu tesouro coisas novas e coisas velhas.

Também na fé da singular pessoa do cristão ou na de um determinado grupo de cristãos (por exemplo, uma escola teológica) vive a fé de toda a Igreja, a plenitude do ensinamento cristão; mas a fé e o conhecimento de um singular cristão ou de um determinado grupo cristão tem sempre os seus limites humanos (históricos, culturais, linguísticos e psicológicos) que o tornam incapaz de colher toda a fé da Igreja na sua plenitude. Por isso, também os crentes singulares e as singulares escolas de fé e espiritualidade precisam da Igreja no seu conjunto e, naturalmente, do seu Magistério, para se completarem e, eventualmente, corrigirem.

O crente singular participa na fé da Igreja na medida em que as suas capacidades pessoais permitem encarnar o tesouro da fé na sua compreensão, no seu pensamento e na sua ação. Já S. Tomás de Aquino ensinava, a propósito da fé implícita, que nenhum crente pode colher tudo o que a Igreja crê, mas que apenas uma parte dela é “explicitamente” compreendida e acolhida.

Aquele que acredita possui uma “participação implícita” naquilo que está para além da sua compreensão e conhecimento através do ato de confiança em Deus e na sua revelação, e , naturalmente, também na Igreja que apresenta essa revelação. Este conhecimento deveria conduzir à humildade e a reconhecer a necessidade da comunicação e do diálogo na Igreja.

Além disso, a fé cristã nunca preenche totalmente (provavelmente nem sequer nos santos e nos místicos) todo o espaço ada alma humana, a parte consciente e inconsciente da psique. Neste sentido, compreendo a afirmação do Card. Jean Daniélou segundo a qual «um cristão é sempre parcialmente um pagão batizado».

Certamente, o Batismo tem o carácter de sinal indelével (“signum indelebile”) e de participação real no corpo místico de Cristo, mas a graça do Batismo pera dinamicamente no ser humano e confere-lhe um crescimento e uma maturação na fé, enquanto o ser humano abre a ela o espaço da sua liberdade a todos os níveis da sua existência.

Se a fé da Igreja subsiste (“subsistit in”) na vida espiritual do crente, a ciência religiosa recebida não preenche todavia todo o espaço da sua vida espiritual, e então permanece no seu espírito e no seu coração um lugar legítimo de indagação sobre interrogações críticas e dúvidas sinceras. É salutar para ele perguntar-se humildemente se o seu caminho de fé é autêntico, se é fiel à tradição, mas também sobre como Deus o guia na sua consciência. Por isso, o destinatário final das suas interrogações não pode ser só a autoridade eclesiástica, mas o próprio Deus, presente no santuário da sua consciência, Deus que lhe fala não só nos ensinamentos da Igreja, mas também nos sinais dos tempos e nos acontecimentos da sua própria vida.

O dom da fé, que lhe é transmitido através da educação ou do influxo do ambiente, ou obtido como fruto de uma busca pessoal, é sempre um dom incomensuravelmente precioso da graça de Deus, mas igualmente preciosa é essa «inquietação do coração humano» de que fala Santo Agostinho. Esta inquietação não permite acomodar-se a uma certa forma de fé acolhida ou alcançada, mas é sempre busca e desejo de ir além. Também as interrogações críticas, as dúvidas e as crises de fé podem imprimir impulsos preciosos neste caminho.

Também eles podem ser considerados como um dom de Deus, como uma “graça adjuvante”. O Espírito de Deus não só ilumina a razão do ser humano, mas age também como “intuição” no profundo do seu inconsciente, e esta consciência é preciosa para refletir sobre a “fé dos não-crentes”; também as pessoas que não foram alcançadas pelo anúncio da Igreja, ou não o receberam de uma forma tal que o possam aceitar honestamente, podem ter uma certa intuição da fé. O diálogo de fé da Igreja com esta “fé intuitiva” de pessoas longínquas da Igreja pode ser útil para ambas as partes.

3. Não se deter nas formas habituais

«Deus é maior que os nossos corações», afirma S. Paulo. Mas o “nosso coração” é maior do que aquilo que a nossa razão, as nossas “convicções religiosas”, os nossos atos de fé conscientes e reflexos, as nossas “profissões de fé” sabem de Deus. Na tradição agostiniana, Blaise Pascal, em particular, conhecia aquela “razão do coração” (“raison”), de que a razão (“ragion pura”) não sabe nada. Mas devemos estar atentos para não limitar o conceito bíblico, agostininano e pascaliano do coração à única “emotividade”.

C.G. Jung sustentava que a componente consciente e racional da nossa psique é como uma minúscula parte de um icebergue que emerge do mar; a parte maior e mais importante está no inconsciente, não só pessoal mas também no “inconsciente coletivo”. É aí que nascem as ideias, as inspirações, as razões ocultas do nosso agir. Talvez se possa dizer que a psicologia do profundo descreve com outras palavras ou numa outra perspetiva a experiência dos místicos, segundo a qual «a alma não tem fundo»: a profundidade do ser humano é compenetrada pela profundidade que chamamos Deus, como lemos nas palavras do salmo «o abismo chama o abismo» (42, 8).

Quando Deus, que é «maior que o nosso coração», entra na nossa vida, alarga ao infinito a profundidade e a abertura do nosso ser, que nós simbolicamente chamamos coração. Em nós acontece algo de mais significativo e maior de quanto podemos “compreender” e “esgotar” com as nossas práticas religiosas normais.

Por isso, é importante não permanecer no ponto em que estamos, não ficarmos satisfeitos com a forma habitual, mas continuar a procurar, mesmo quando a busca é acompanhada de crises e emergem interrogações difíceis que vão para além das respostas características oferecidas pela tradição.

À medida que a nossa fé amadurece na nossa história pessoal e na história da Igreja, cresce e desenvolve-se também a catolicidade da Igreja. «Somos desde já filhos de Deus. Mas o que seremos ainda não foi revelado» (1 João 3, 2).

Tomáš Halík
In Settimana News
Trad.: Rui Jorge Martins