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No primeiro dia…

Reflexão para o mês de novembro de 2022

Vaidade das riquezas

Texto de Jorge Ferreira, Comunidade Estrada Clara (este texto foi escrito pelo Jorge em novembro de 2008)

“O homem que vive na opulência não permanecerá. Esta é a sorte dos que confiam em si mesmos. Não te preocupes, se alguém enriquece, se aumenta a fortuna da sua casa. Quando morrer, nada levará consigo; a sua fortuna não há-de acompanhá-lo.”  Salmo 49

Em tempo de crise, as palavras proféticas da Bíblia gritam-nos com mais força. Crise que não é uma doença nem uma catástrofe natural diante das quais somos quase impotentes, mas uma crise provocada por homens. Homens que sem escrúpulos fazem mal aos seus semelhantes. Há dias, na SIC Notícias, um comentador dizia que a irresponsabilidade dos especuladores da bolsa estava ao nível da irresponsabilidade de Hitler, Mao Tse ou Pol Pot. Homens estes que queriam ter mais dinheiro e mais poder, mais dinheiro e mais lucro, mais lucro e mais dinheiro, mais dinheiro e mais dinheiro. Perderam. E com eles todos. E ao que parece todo o mundo, em efeito dominó, como dizem os economistas.

Penso que toda esta busca incessante e incansável que se faz pelo dinheiro é uma ideia confusa que se generalizou em todas as pessoas de que o dinheiro traz felicidade ou nos põe perto dela. Querer ter mais dinheiro é normal e saudável. Querer ter muito dinheiro, acumular riqueza, possuir tudo à volta até onde o olhar alcança é doença. A árvore do fruto proibido do Éden lembra-nos isso: não nos é dado ter tudo nem saber tudo. O homem não soube ver quão maravilhoso era tudo à volta e preferiu aquele fruto. Hoje faz-se o mesmo. A felicidade não vem de termos mais dinheiro, mas vem na medida em que nos realizamos. Não valemos pelo que temos dentro dos bolsos, mas pelo que temos dentro da cabeça. Somos felizes na medida em que percebemos o que se passa à nossa volta, na medida em que compreendemos os nossos irmãos, os nossos amigos, o mundo, o cosmos. Não se chega a este conhecimento preocupados em ganhar dinheiro nem a pensar no carro que vamos comprar amanhã. A felicidade é um estado sereno. Quieto. Calmo. A felicidade não faz barulho. Não é um mero divertimento. É um estado interior. Parece-me que a felicidade estará ao nível daquilo a Abraham Maslow chama de autorrealização. Na teoria da hierarquia das necessidades humanas que ele apresenta em forma de pirâmide com cinco níveis, a autorrealização é o nível mais elevado e “depende da realização e cumprimentos máximos dos nossos potenciais, talentos e capacidades. Se uma pessoa não estiver autorrealizada, ficará impaciente, frustrada e descontente”. Assim estava o Jovem rico que Jesus encontrou um dia. Apesar da sua grande fortuna e de cumprir todos os mandamentos, como dizia, sentia-se insatisfeito. Jesus disse-lhe como deveria alcançar a felicidade, mas ele não foi capaz de a encontrar “porque possuía muitos bens”. Diz-nos também Maslow que “independentemente das nossas ocupações e interesses podemos maximizar as habilidades pessoais e atingir o desenvolvimento completo da personalidade. A autorrealização não é limitada a celebridades intelectuais e criativas, como os músicos, artistas, astrofísicos. O importante é desenvolver os seus próprios potenciais no mais alto nível possível, qualquer que seja a missão escolhida”. Uma das diversas condições para que possamos sentirmo-nos realizados que mais aprecio é esta: “Estar livre de restrições impostas pela sociedade e por nós mesmos”. Quais são as restrições que a sociedade nos impõe? Como é que eu me livro destas restrições? Como é que eu descubro que tenho uma vontade, um gosto, uma ideia se estou obcecado pela moda, pela fama, pelas tecnologias, pelo dinheiro, pelo bem-estar material? E já agora: o que é que me faz rir? Rio-me com aquilo que os outros se riem? O que é que de mim quero mostrar aos outros? O que é que os outros vêm em mim? Conhecermo-nos e pensarmo-nos chama a felicidade a nós. Ter um telemóvel que a sociedade nos impõe não chama. Nas Forças de Assinatura de Martin Seligman não é mencionado o dinheiro, ter muito ou pouco. Pelo contrário ter muito dinheiro é normalmente sinal de muitas preocupações. “A boa vida consiste em obter a felicidade através da utilização das suas forças de assinatura nos principais domínios da vida. Uma vida com significado adiciona mais um componente: utilizar estas mesmas forças para promover o conhecimento, o poder ou a bondade.”(Martim Seligman). A descoberta das nossas forças e a sua utilização no dia-a-dia pressupõem estarmos livres de restrições, regras e modelos que nada têm a ver connosco, nada nos acrescentam e nada valem. Maslow diz que a autorrealização exige coragem. Eu digo que é preciso coragem para, por vezes, tomarmos certas decisões, tais como abandonarmos um curso que não nos interessa, um(a) namorado(a) que não nos completa, a comida que nos faz mal, o telemóvel, as modas, as manias, as mentiras, a cama, a televisão, o trânsito, o computador se preciso for para sermos nós mesmos, para sermos felizes. “O processo de autorrealização exige esforço, disciplina e autocontrole. Assim, para muitas pessoas pode parecer mais fácil e seguro aceitar a vida como ela é, em vez de procurar novos desafios. As pessoas realizadas testam-se a si mesmas constantemente, abandonando rotinas seguras, comportamentos e atitudes familiares”. (Maslow)

 “Estou interessada em fazer filmes que desafiem as pessoas a ser protagonistas das suas próprias vidas.” disse Susan Sarandon há dias de passagem por Lisboa. Ela descobriu que todos podemos conduzir e nossa vida. Ela não acha que só os artistas ou pessoas com dinheiro o podem fazer. Por fim, podemos especular se os especuladores da bolsa que especularam demais e com o dinheiro dos outros se sentirão felizes e realizados. Ou especulados!

“Uma vida cheia de significado é aquela que se junta a algo maior do que nós” (Martim Seligman)

Eu sei

Lembramos hoje a partida do Jorge. Um dia agridoce, um misto de gratidão e dor. Não sei porque é que o Jorge morreu. Com tantos projetos por concretizar. Com metade da vida por viver. Com tantas pessoas que o queriam continuar a amar. Com tantas músicas por fazer e tantas conversas para ter. Com tanto ainda para nos rirmos juntos. Não sei porque é que o Jorge morreu. Mas sei o mais importante! Sei bem porque é que o Jorge viveu. Viveu para nos anunciar que é possível uma vida diferente. Viveu para nos fazer cantar mais e melhor. Viveu para nos mostrar um modo livre, sereno e pleno de acreditar num Deus que é só Amor. Viveu para que a música fosse para nós um meio de anunciar que somos feitos de infinito. Viveu para nos encorajar a saltar em lagoas frias, para aprendermos a contemplar as estrelas e para descobrirmos que há sempre caminhos novos a seguir. Viveu para nos fazer escolher a melhor parte, aquela que só quem vê com o coração conhece bem. Viveu para nos unir numa comunidade orante e pensante. Viveu para nos confrontar com os medos que atrapalham a nossa essência e para nos mostrar que somos muito mais felizes quando nos despojamos do nosso egoísmo e nos focamos uns nos outros. Viveu para desconstruir as nossas ideias pré-concebidas em relação a tantos temas da vida que nos impedem de sermos mais pessoas. Viveu para nos desinstalar da apatia e daquelas vidas que são futilidade e vazias de divindade. O Jorge viveu para nós. Foi a sua escolha. E para sermos nós, agora, nos nossos dias, a continuar este caminho há muito iniciado. Por isso, o que nos tem acontecido, nestes dois últimos anos, também tem sido, como o Jorge diria, “uma riqueza”! Mesmo que não seja como idealizamos, mesmo que seja diferente do que julgávamos que iria ser. Um caminho claro, bonito, edificante porque ele, agora com Ele, caminha à nossa frente. E, afinal, tem sido tudo como sempre foi! O Jorge continua a ser o primeiro, aquele que ia e vai sempre à frente. “Como é, vindes ou não?”, perguntava ele tantas vezes. Sim, Jorge, nós vamos! Nós seguimos aqui, juntos e com tanta gente boa a caminhar connosco nesta Estrada Clara até que, um dia, nos encontraremos juntos num abraço amigo!

Ana

Nasces hoje mais uma vez!

Nascemos e jamais morreremos!

O meu mantra diário, especialmente nos dias, digamos, mais desafiadores. Nos dias em que as lembranças se tornam mais fortes, em que as memórias aparecem abruptamente, em que a dor de ti diz presente. Desafiadora tem sido a vida! O fazer de cada dia uma escolha de gratidão. Jorge, o que tua vida nos pede é isto, viver! Aproveitar cada partilha, fazer diferente, pensar no infinito. Cuidar de quem está à nossa volta. Escolher fazer um caminho que não é sinónimo de facilidade. E nós fomos privilegiados por caminharmos contigo. E continuamos a sê-lo por seguirmos juntos neste mesmo caminho, neste projeto de vida, nesta nossa Estrada Clara. E assim tu continuas a nascer nas músicas, nos livros, nos nossos gestos, nos olhares, nos silêncios. Nessa dimensão eterna onde tu estás, continuas a olhar por cada um de nós. Tanto de belo nos tem acontecido, só pode ser por influência tua. Tantas experiências bonitas temos vivido, tantas palavras edificadoras têm vindo ao nosso encontro, tantos abraços fortes nos têm oferecido. Só podes ser tu. Tantas novidades luminosas, tantos encontros a surgirem, tanta energia boa a multiplicar-se. És tu! Aqui! É por isso que quando em mim há a luta entre a tristeza de não te ter em casa à minha espera (“Luísa, Luisinha, você já veio?”) e a alegria de ter construído contigo a minha vida, procuro sempre que só a esperança prevaleça. A esperança de fazer de cada dia um reflexo do tanto que aprendi contigo. A esperança de que esta Comunidade Estrada Clara faça a diferença e seja um projeto de vida maior do que nós próprios. A esperança de que, num dia (muito distante, ainda há muito para fazer e aprender aqui!) quando nos encontrarmos, não haverá mais esta dor. Só paz. Muita, muita luz. E o tempo eterno. Risos de aleluia intermináveis. Abraços demorados. O silêncio. As pulseiras nos braços e os anéis. E o azul, sempre o azul. O arrozinho joia! As conversas longas sobre a essência da vida ou máquinas de lavar. Muita música em tonalidades altíssimas. As tuas plantinhas. Um banco em madeira. Os passeios de fim de tarde. Um campo para cultivar. E o teu bolo de “cinoira”. Parabéns a ti, Jorge! Nasces hoje mais uma vez!

Uma Força que nos leva

Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

O jornalista Luís Osório publicou, no seu mural de Facebook, um texto sobre o acidente que vitimou, no sábado passado, alguns dos ocupantes de um autocarro que seguia na A1 a caminho de Fátima. Não é um texto sobre as circunstâncias ou os porquês do acidente. Não é um texto sobre a finitude da vida humana ou sobre a efemeridade da nossa passagem terrena. Não é um texto sobre morte. É antes uma reflexão sobre como no meio da morte a vida continua a fluir, sobre como é possível viver a Força quando tudo à nossa volta parece ruir. É ainda um texto sobre a Páscoa, sobre passagem de testemunho. É um hino de ação de graças. É um quadro para o qual devemos olhar sempre que o nosso egoísmo nos vence, sempre que a indiferença nos ataca, sempre que nos esquecemos dos outros. É um apelo a não nos deixarmos derrotar pelo pessimismo, pela ingratidão, pela rabugice que estão sempre à espreita para nos fazer cair na tentação de sermos menos humanos. Por isso, este texto do jornalista Luís Osório é sobre a vida que vence sempre a morte, sobre fortaleza que nos preenche quando a fraqueza nos quer dominar nos momentos sombrios.

Quando a Lara partilhou este texto no nosso grupo, entendi-o tão claramente como se já o conhecesse. Emocionei-me. Pela visão que revela. Pelos sentimentos partilhados. Pelas memórias que me trouxe. Quem já viveu as partidas de quem se ama, entenderá certamente esta Força que, naqueles momentos mais dolorosos, nos acolhe e nos faz caminhar e ser consolo e abrigo para quem está perto de nós. E foi exatamente esta Força que eu experimentei no momento em que o Jorge morreu e que se estendeu nos dias seguintes com tantas manifestações de amor e de vida. Senti-me invadida por uma força tão intensa, tão visceral, tão profunda que me impelia a cuidar de quem estava à minha volta e a levar Vida, sempre a Vida a quem precisava. Há quem chame a esta força um instinto de sobrevivência, uma fuga à realidade. Mas para quem acredita, esta Força sentida e vivida tem um nome – Deus. Uma Força que ainda hoje me arrepia sempre que a sinto e que me leva a querer ser sempre Luz. Uma Força que me(nos) leva a continuar a caminhar nesta Estrada Clara. Não podemos evitar a dor da morte e o sofrimento naturalmente inerente a estas tragédias. Mas podemos confiar. Acreditar. O Amor não morre. Vive em cada um de nós que o aceitamos. Vive quando escolhemos ser Luz! E assim brilhamos, brilham as nossas obras, brilha o nosso Deus! Como Luís Osório afirma no seu texto: “em cada lugar improvável pode existir um farol para nos iluminar. Um farol que nos obrigue a ser todos os dias um bocadinho melhores.” Possamos nós ser esse farol. Sempre. Não deixemos que a nossa Luz se apague. Escolhamos o Bem. A vida. Em cada dia. Hoje.

POSTAL DO DIA, um texto do jornalista Luís Osório, retirado do seu Facebook

A caminho de Fátima, e a meio de um terço, o herói não estava na camioneta

1.

A camioneta ia a caminho de Fátima. Na manhã do último sábado o tempo ameaçava felicidade e as pessoas estavam, também por isso, descontraídas e de farnel posto. Comidas e bebidas para que o dia não fosse apenas de fé e orações, mas também de “mesa” farta. Todos acordaram de madrugada. De terras pequenas do concelho de Guimarães acomodaram-se no autocarro do senhor António. Com casa posta no Airão de Santa Maria fazia questão de ser ele a conduzir a vizinhança. Às 9 e meia da manhã já estavam na Mealhada. Cantaram canções da Igreja. E seguiram as preces da Dona Emília Castro. Todos a adoravam. Todos a ouviam. Todos sentiam que ela, de alguma maneira, era o passaporte para melhor serem ouvidos por Deus. Emília era uma excelente pessoa. Preocupada, ativa. Ajudava na paróquia, ajudava os vizinhos, liderava o coro de Figueiredo, era catequista e o seu marido António, bombeiro há mais de 30 anos.

2.

Uns minutos antes do pneu dianteiro rebentar, Emília levantara-se, pegara no microfone e começara a rezar o terço. Estavam a rezar as palavras mágicas quando tudo aconteceu. Emília foi cuspida com o embate. António, condutor da camioneta, também morreu. Assim como um vizinho de Emília, o senhor Alberto Soares, que ia à frente por causa dos enjoos. Com quase 80 anos já não tinha cabedal para aguentar sem o mínimo de conforto.

3.

Um dia pensarei convosco sobre os que morrem a caminho de algum lugar onde julgam que tudo se iluminará. Num minuto a cabeça enevoada com o “Bem” e no outro minuto a morte a chegar trágica e fúnebre.

Mas hoje quero falar-vos do que me impressionou.  Se tiverem mais trinta segundos, eu conto-vos. Pouco tempo após o acidente os bombeiros das Taipas foram avisados do desastre. O bombeiro António Silva, marido de Emília, meteu-se ao caminho com os seus companheiros – e a meio do percurso, a poucos quilómetros da Bairrada, recebeu a informação de que a sua mulher, mãe dos seus três filhos, tinha morrido. António seguiu caminho e naqueles curtos minutos chorou uma parte da vida que perdera. Não sabemos se telefonou a alguém, não sabemos também por quem foi abraçado, se gritou ou não, não sabemos e pouco ou nada importa.

4.

O que sabemos, o que nos dizem os relatos, é que António ao chegar ao lugar da tragédia foi ajudar quem precisava. A sua mulher estava morta com um lençol por cima, mas ele cumpriu a sua missão com os feridos, com os que estavam em choque, com quem precisava.

Sabem…

Eu costumo muitas e muitas vezes falar do grande mistério que é o “Bem”. Nós nunca desconfiamos do “Mal”, mas do “Bem” a primeira coisa que fazemos é desconfiar.

Mas há pessoas maravilhosas. Há pessoas de uma coragem e verticalidade a toda a prova. Há pessoas que são heróis, mas que ninguém conhece. Talvez no nosso prédio. Talvez na aldeia mais recôndita. Talvez no lugar mais escarpado. E no lugar de Figueiredo, concelho de Guimarães, terra com pouco mais de 400 habitantes, há também um herói. Chama-se António, é bombeiro há 30 anos e tem três filhos, um deles menor. Era casado com Emília, a mulher que rezava o terço e liderava o coro. O homem que hoje abraçamos merece que dele não nos esqueçamos. Eu não me esquecerei que em cada lugar improvável pode existir um farol para nos iluminar. Um farol que nos obrigue a ser todos os dias um bocadinho melhores.

Deus do presépio

Silêncio, onde nascem as nossas vidas.

Silêncio da lua.

Silêncio do Sol.

Silencio de Deus.

Silêncio do Amor, silêncio da Beleza.

Silêncio da Liberdade, da Serenidade.

Silêncio da Felicidade, da Simplicidade.

Silêncio do Tempo.

Deus continua hoje a falar-nos como falou no presépio. Continua a dizer aos Homens que só no silêncio O podemos encontrar e nele o sentido da nossa vida. Quem não faz silêncio, não encontra nada. Apenas encontra aquilo que o barulho da sociedade dá: o dinheiro, as correrias, o poder, as influências, as grandezas materiais que quanto mais crescem mais esvaziam o Homem.

Deus do silêncio.

Deus do Presépio, faz que o teu silêncio domine a nossa vida. Que eu possa sempre encontrar o teu silêncio. O silêncio da Eternidade. O imortal silêncio. O silêncio onde Tu me falas. O silêncio da noite calma, da noite em que Tu te fazes Homem e vens habitar entre nós. Do teu presépio chega-nos esta mensagem: o silêncio da simplicidade. Esta manjedoura é onde deve nascer todo o Homem. E encontrar-se no silêncio de Deus.

Nascemos e jamais morreremos

Nascemos e jamais morreremos!

Nascemos e jamais morreremos! Esta é a maior riqueza que a vida nos dá. A possibilidade de existir, de fazer caminho, de nos encontrarmos com os outros, de descobrir o infinito em cada dia, em cada gesto, em cada projeto. A possibilidade de sermos seres imortais.

Nascemos e jamais morreremos! Esta é a maior certeza que a vida do Jorge nos dá. A certeza profunda de que para sempre viveremos se amarmos, se nos dermos por completo e sem reservas, se acreditarmos que somos chamados a ser infinito em cada dia que nos é dado. E com os olhos postos num futuro maior, aceitar que viver a vida no presente de cada dia é viver o presente que é a vida de cada dia.

Nascemos e jamais morreremos! Por isso, hoje será sempre um dia de festa. De celebração. De alegria. De agradecimento. Profundo e feliz. Por tudo o que nos foi dado viver juntos, por tudo o que aprendemos, por tudo o que partilhamos. Pelas escolhas que fizemos. Pelos risos e tristezas. Pelas dificuldades e alegrias. E pela vida que continua a acontecer. Por tudo o que continuamos a aprender com os dias que tantas vezes surgem virados do avesso. Afinal, ainda temos tanto para descobrir. E tanto, tanto, tanto que temos aprendido e descoberto!

Nascemos e jamais morreremos! Há um ano, o Jorge, sempre tão avesso a festas em sua honra (o que ele gostava que o seu dia de aniversário coincidisse com a noitada de São Pedro, julgava ele que passava despercebido no meio dos festejos próprios desse dia…), quis celebrar o seu aniversário! 50 anos! Juntou-se o simbolismo da idade com a sua vontade raríssima de querer fazer festa, num momento já muito delicado do seu estado de saúde, e com um núcleo familiar muito restrito, devido às contingências da pandemia que assim o obrigava. Sentimos agora que terá sido para nos fazer lembrar que há que festejar e só agradecer, não há espaço para lamentos nem tristeza. E “foi bonita a festa, pá!”. Por isso, aqui queremos partilhar com todos esta memória feliz, de alegria, de amor.

Nascemos e jamais morreremos! Parabéns, Jorge, nosso amigo, nosso irmão, parte de nós, nosso coração inteiro e pensamento profundo. Por aqui, continuaremos a festejar-te todos os dias. Todos. Com a alegria que tu queres, com o empenho que tu exiges, com a convicção que vale a pena viver a serenidade por entre o mistério da vida. A celebrar a tua vida que é a nossa. A cantar-te. A assumir a responsabilidade de te vivermos em cada dia. Para sempre. A tua luz brilha sempre diante de nós.

Aleluia!

Aleluia! Cristo Ressuscitou!

Jesus Cristo ressuscitou!

Celebramos a Páscoa, a festa da Vida.

Celebramos Jesus que está vivo no meio de nós.

Celebramos a ressurreição, a eternidade e o cosmos.

Celebramos a esperança, a fé e a alegria.

Celebramos a primavera, o sol e os passeios.

Celebramos a contemplação, a criação e o pão.

Celebramos os dias, o encontro e a claridade.

Celebramos a poesia, os rios e os olhares.

Celebramos o canto, as nuvens e os desafios.

Celebramos o horizonte, o riso e a aventura.

Celebramos a luz, o eco e a liberdade.

Celebramos as manhãs, o mar e a auto-estrada.

Celebramos a animação, o encanto e as estrelas.

Celebramos a partilha, as viagens e os gelados.

Celebramos a música, a água e o pôr-do-sol.

Celebramos a descoberta, a alfazema e as escaladas.

Celebramos o acreditar, a beleza e o entusiasmo.

Celebramos as cores, a saúde e a amizade.

Celebramos as nascentes, a brisa e as aldeias.

Celebramos o azul, a terra e a dança.

Celebramos a passagem, a juventude e os aniversários.

Celebramos as montanhas, o movimento e o amanhã.

Celebramos o tempo, os pais e os irmãos.

Celebramos as decisões, as alturas e a mudança.

Celebramos a coragem, os sonhos e as casas.

Celebramos as portas, as janelas e os sótãos.

Celebramos os grupos, a conquista e a criatividade.

Celebramos a originalidade, o equilíbrio e a comunidade.

Celebramos as horas, a diversidade e a confiança.

Celebramos a educação, a sensibilidade e a palavra.

Celebramos os objetivos, a qualidade e a elevação.

Celebramos o trabalho, a organização e a responsabilidade.

Celebramos os livros, o pensamento e a comunicação.

Celebramos o compromisso, a atualização e o crescimento.

Celebramos o silêncio, a maturidade e a renovação.

Celebramos a reflexão, a força e a serenidade.

Celebramos a comunhão, a simplicidade e a oração.

Celebramos o caminho, a verdade e a vida.

Celebramos o amor.

Celebramos a paz.

Celebramos o Homem.

Celebramos Jesus.

Celebramos para sempre.

Aleluia! Aleluia! Aleluia!

Jorge, Páscoa de 2010

Stille Nacht

Em 1816, nasceu a canção de Natal “Silent Night”. Contam as histórias que na vila de Oberndorf na Áustria, o padre Joseph Mohr, preocupado com a possibilidade de uma noite de Natal sem música, porque os ratos tinham roído os foles do órgão da igreja, procurou um instrumento que pudesse substituir o antigo. Nas suas pesquisas, começou a imaginar como teria sido a noite em Belém. Fez anotações e pediu ao músico Franz Gruber que lhes desse uma melodia. A nova canção foi assim composta originalmente para guitarra. Esta é a mais famosa canção de Natal em todo o mundo. É cantada em todos os lugares onde se celebra o Natal. Os seus autores não imaginavam que a sua canção composta numa aldeia perdida da Áustria daria a volta ao mundo em menos de 200 anos e ficasse para sempre como um símbolo musical do Natal. Musicalmente até tem uma estrutura pobre, anda à volta da tónica e dominante, I, IV e V grau. Por ser assim, ao longo dos anos, enriqueceram-na com vozes e orquestrações, como o provam as diversas versões para coro desta canção. É cantada tanto pelas crianças das escolas como pelos poderosos cantores líricos. Está traduzida em todas as línguas que celebram o Natal. Em francês, tomou o doce nome “Douce Nuit”, em inglês o calmo “Silent Night”, em espanhol a divertida e querida “Noche de Paz”, em português “Noite Feliz” que quer dizer noite feliz, em latim “Sancta Nox” e, já agora, em checo “Tichá Noc”. E em zulu, pronto, “Busuk obuhl”. No original chama-se “Stille Nacht”. “Nacht” é noite e “Stille” quer dizer quieto, calmo, tranquilo, silencioso, calado. O verbo alemão “Stillen” quer dizer sossegar, saciar, amamentar. Não pensou mal o padre Joseph ao tentar imaginar o que se teria passado naquela noite em que Jesus nasceu. Foi, com toda a certeza, uma noite serena, uma noite de paz. Um início revelador.

Um dos significados que encontro no Natal é este: o do silêncio. O silêncio onde o Homem se encontra com Deus e descobre o sentido da sua vida. O silêncio onde cada um de nós se torna mais elevado. Como a sociedade dá pouco valor ao silêncio e fala demais, acaba por perder a sua orientação. É curioso que as curas modernas para os stresses diários, umas mais eficazes do que outras, sejam todas operadas em silêncio. Ele é o yoga, o tai-chi, o pilates, a aromoterapia, a musicoterapia, os exercícios de respiração e relaxamento, as massagens, as aulas de flexibilidade, de corpo e mente e outras modalidades. Não percebe o executante que uma grande parte do sucesso destas terapias vem do tempo que, por vias delas, acaba por dedicar ao silêncio e ao encontro consigo mesmo. E sente-se melhor no fim daquela hora.

Tudo o que é belo vem do silêncio. Não se constrói nada de valor e duradouro no meio do barulho e da inquietação. É necessário sensibilizar o nosso corpo para além daquilo que os nossos sentidos nos mostram. É necessário a todos ver a beleza, a proporção, o limite e o abstrato. Procurar o que existe no silêncio. Nós também somos feitos do ar que respiramos, do silêncio das flores a crescerem, do silêncio de uma obra de arte, do silêncio de uma oração, do silêncio do sol e da lua, do eterno. A felicidade, a satisfação e a alegria que todos procuram não estão no mesmo plano do dinheiro, do poder, das vaidades, dos carros, das casas e da doutorice. Estão no plano do silêncio, da quietude, da serenidade. É necessário perceber que as vidas que crescem em silêncio são diferentes das outras. Os que entendem isto são felizes mais cedo.

                                                                          Jorge, Natal de 2008

Na vila de Oberndorf há atualmente uma capela “Capela Noite Feliz”, em cujos vitrais há a imagem dos criadores da canção. Esta capela tem lugar para 20 pessoas, porém, atualmente, a Missa do Galo é celebrada ao ar livre para 7 mil fiéis, além da visita de 1600 turistas no mês de dezembro.

Jorge

Jorge.
Sem apelido, sem título, simplesmente Jorge. Era assim que gostavas de ser chamado, é assim que te lembraremos. O Jorge.
A tua partida é dura, difícil para nós, não contemos as lágrimas. As memórias apertam o coração. Lutamos contra tudo o que tu não querias – a rendição, o facilitismo.
Mas serão essas mesmas memórias que nos farão continuar caminho e celebrar a vida!
Música, dança, musicais, celebrações cheias de vida. Jornadas, passeios, caminhadas, festas. Acampamentos, retiros. Mergulhos em águas geladas, noites carregadas de estrelas. Taizé. São João D’Arga. Abraços, muitos e apertados abraços! Oração e silêncio. Sempre o silêncio.
Devemos-te cada um destes momentos luminosos, transformadores, edificantes. Momentos que tantos de nós guardam no coração. Momentos únicos de partilha, irmandade, experiências de pura felicidade, aquela que não é exuberante, antes simples e serena. Momentos sempre apontados para o alto, lá onde tu gostavas de estar, no cimo do monte, no ponto mais alto, onde o horizonte é sempre maior.
Partiste no Dia de Todos os Santos, daqueles que na sua passagem pela vida terrena souberam ser uma luz, uma palavra, um gesto, um olhar de Deus em tudo aquilo que faziam. E que hão de continuar a fazer, só que numa outra dimensão, na Eternidade. Lá estarás tu, a tocar as mais belas músicas, a cantar os mais belos cânticos e, sobretudo, a olhar com carinho e com ternura por nós, teus irmãos no Amor.


A tua vida foi maior, Jorge! Semeaste todas as sementes que te foram dadas. Cumpriste a tua missão junto de nós. Ficarás por isso e para sempre nos nossos corações.
Para sempre!