Arquivo da categoria: Natal

Um Menino nos foi dado

Mensagem de Natal da Comunidade Estrada Clara

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

“Porque um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado.” (Is 9,5)

Um Menino nos foi dado. Um Menino foi-nos entregue para nossa salvação. Um Menino que nasce para que eu possa viver. Um Menino que nos lembra que é na pobreza que encontramos a riqueza, é na fragilidade que conhecemos a fortaleza, é na pequenez que nos tornamos grandes.

Um Menino nos foi dado. Deus escolheu fazer nascer o seu filho não num majestoso palácio, mas num simples estábulo. Deus quis que o seu filho nascesse não numa família de imperadores e reis, mas num humilde lar. Deus quis que o seu filho fosse primeiramente visitado não pelas mais elevadas autoridades do Império, mas por um grupo de pobres pastores.

Um Menino nos foi dado. Para que O procuremos não nos grandiosos acontecimentos humanos, mas nas aparentes banalidades do quotidiano. Para que O reconheçamos naquilo que o mundo rejeita, para que acreditemos na força da debilidade, para que ousemos trazer a Luz à escuridão.

Um Menino nos foi dado. E com este Menino nascemos nós, sempre, cada vez que aceitamos a renovação, cada vez que escolhemos começar de novo, cada vez que damos espaço à disponibilidade.

Um Menino nos foi dado. E Deus ofereceu-nos, a cada Natal, o seu próprio filho, querendo verbalizar na nossa Humanidade todo o Amor com que somos feitos. Deus colocou nos nossos braços um Menino para nos revelar que é com um coração puro que conseguimos ver a beleza, que é com o olhar disponível que somos capazes de eliminar a indiferença e a brutalidade.

Um Menino nos foi dado. A toda a Humanidade. A cada um de nós. Este Menino que é sempre criança nos nossos presépios, sem idade e com Eternidade.

Um Santo Natal para todos vós que connosco seguis na nossa Estrada Clara! Um abraço sempre amigo e natalício.

Ana

Naquele Presépio nascemos nós

“Àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.” (Jo 1, 12)

Há dois mil anos, não foi só um menino que nasceu em Belém, fomos nós que com Ele também nascemos. Há dois mil anos, não foi só Deus quem se tornou humano, fomos nós que, com Ele, nos tornamos divinos. Há dois mil anos, não foram só os anjos que o anunciaram, somos nós também que o fazemos com as nossas vidas. Há dois mil anos, não foram só os pastores que o visitaram, fomos nós também que somos visitados pela Sua graça e bondade. Há dois mil anos, não foram só os Magos que se puseram a caminho, somos nós também que decidimos seguir aquela Luz estrelada lá no Alto, onde todos os sonhos, projetos, dias e vidas se edificam e nos elevam a olhar para a Eternidade da Terra para nós prometida.

Todos nós nascemos naquele presépio, naquele lugar em que a vida vence a morte, naquele lugar em que o calor aniquila o frio, naquele lugar em que a força toma conta da fragilidade. Todos nós somos frutos daquele primeiro Natal, um acontecimento acontecido contra todas as contingências, contra todas as expectativas, contra todas as condições.

Naquele presépio, nascemos também nós. Cada um de nós. Os que escolhem nascer a cada dia. Os que desejam dizer sim. Os que seguem, com dúvidas e certezas, com dores e alegrias. Os que desconhecem o caminho, mas conhecem Aquele Menino Deus que com eles caminha. Os que procuram o interior muito mais do que o exterior. Os que celebram mais com o coração do que com a decoração. Os que vivem no silêncio todo o ruído das festas. Os que acolhem tudo apesar de tudo e por causa de tudo.

Naquele presépio nascemos todos nós. Envoltos em abraços, cobertos por palavras partilhadas, aquecidos pela confiança que a vida em comum nos oferece. Naquele presépio, onde Maria e José recebem o seu Menino, este Menino recebe-nos a todos nós. E oferece-nos o maior dos presentes: a vida vivida com Ele, por Ele e para Ele.

Um Santo e Feliz Natal para todos vós! Um abraço sempre amigo e natalício!

Ana

📸@tulippainter

Nasce mais uma vez – Encontro de Natal 2023

Obrigada a todos e a todas pela presença, pelos abraços, pela cumplicidade, pela alegria, pela música, pelo encontro, pelas mãos estendidas e pelas partilhas.

Que felizes somos por sermos felizes uns com os outros! Que gratos somos por podermos ser presépio onde deixamos que o Menino nasça, sempre, mais uma vez, em cada ano! Que alegria pura e simples vive em cada um de nós de cada vez que nos deixamos guiar por aquela Luz que brilha bem lá no Alto, no sítio onde se fabricam os projetos, os caminhos, os sonhos! Que ricos somos porque encontramos e escolhemos viver o verdadeiro tesouro – o do tempo com o(s) Outro(s), o da vida em comunidade, o da alegria que brota entre corações que se sentem iguais, o da confiança que nos faz acreditar sempre e para sempre naquilo que é para sempre!

“Natal. Só pelo facto de o ser. Natal. E, só pelo facto de o ser, o mundo parece outro. Auroreal e mágico. O homem necessita cada vez mais destas datas sagradas. Para reencontrar a santidade da vida, deixar vir à tona impulsos religiosos profundos, comer e beber ritualmente, dar e receber presentes, sentir que tem família e amigos, e se ver transfigurado nas ruas por onde habitualmente caminha rasteiro. São dias em que estamos em graça, contentes de corpo e lavados de alma, ricos de todos os dons que podem advir de uma comunhão íntima e simultânea com as forças benéficas da terra e do céu. Dons capazes de fazer nascer num estábulo, miraculosamente, um Deus de amor e perdão, contra os mais pertinentes argumentos da razão.”

(Miguel Torga in Diário)

Pequenos grandes Natais

Natal! Esta palavra promete logo alegria, festa, encontro, nascimento. Em cada ano, o mundo inteiro renova votos de esperança e de paz, enfeita-se para receber o seu Deus, descobre a existência única de cada ser humano e percebe que afinal aquilo a que chamam Amor teima em não acabar e só pode ser escrito com letras maiúsculas.

É uma data sem idade esta que celebramos. É um Deus sempre menino, sempre promessa, sempre novidade. É um presépio onde o frio nunca entra, onde o silêncio é encantador, onde o pai e a mãe estão sempre presentes e onde os amigos chegam para fazer uma grande festa. O Natal é isto mesmo, uma grande festa, e é preciso festejá-lo com tudo o que somos, acreditando sempre que cada Natal é sempre novo porque novos podemos ser sempre nós.

O nascimento de Jesus é o sonho projetado por Deus para se realizar em cada Homem. Há um absoluto divino que vive em nós, que nos foi dado e que é preciso fazer nascer nas nossas vidas. Acredito que o Amor nos torna maiores que nós próprios. Que colaboramos com o Universo, com a criação, com Deus. Que o Natal que em cada ano celebramos é nosso, pertence-nos. Que por isso somos responsáveis por fazer nascer pequenos grandes Natais nas nossas vidas e nas vidas de quem está perto de nós. Só assim celebramos verdadeiramente o Natal! Por isso, entendo que o nascimento de Jesus não aconteceu apenas naquele presépio, nem foi só há dois mil e vinte e dois anos. Não faria sentido celebrar um acontecimento passado se ele não pudesse ser presente e, também, futuro. O Natal é sempre de hoje, é meu e teu! Jesus nasce na vida de cada um de nós e em cada dia sempre que acreditamos que Ele faz parte de cada vida, de cada projeto, sempre que o fazemos nascer nas nossas escolhas, nos nossos gestos, nas nossas canções.

Celebrar o Natal é, por isso, muito mais do que assinalar uma data, uma época, uma história. O Natal é a nossa festa da criação, da esperança e da comunidade. É o anúncio da simplicidade e da universalidade. É um mistério que só o Amor pode explicar, se é que são precisas explicações para quem ama. É sentir que afinal de muito pouco precisamos para sermos felizes e que Deus também nos escolhe para vir ao mundo. E se acreditamos que somos filhos de Deus, de que mais precisamos nós para fazermos das nossas vidas algo de significativo e imortal?

Natal! Um feliz Natal só pode ser isso mesmo… um feliz Natal! Que aquele primeiro Natal nos faça acreditar que a nossa vida é sempre o nosso bem mais valioso e valioso é também tudo aquilo que podemos e devemos fazer com ela.

Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Deus do presépio

Silêncio, onde nascem as nossas vidas.

Silêncio da lua.

Silêncio do Sol.

Silencio de Deus.

Silêncio do Amor, silêncio da Beleza.

Silêncio da Liberdade, da Serenidade.

Silêncio da Felicidade, da Simplicidade.

Silêncio do Tempo.

Deus continua hoje a falar-nos como falou no presépio. Continua a dizer aos Homens que só no silêncio O podemos encontrar e nele o sentido da nossa vida. Quem não faz silêncio, não encontra nada. Apenas encontra aquilo que o barulho da sociedade dá: o dinheiro, as correrias, o poder, as influências, as grandezas materiais que quanto mais crescem mais esvaziam o Homem.

Deus do silêncio.

Deus do Presépio, faz que o teu silêncio domine a nossa vida. Que eu possa sempre encontrar o teu silêncio. O silêncio da Eternidade. O imortal silêncio. O silêncio onde Tu me falas. O silêncio da noite calma, da noite em que Tu te fazes Homem e vens habitar entre nós. Do teu presépio chega-nos esta mensagem: o silêncio da simplicidade. Esta manjedoura é onde deve nascer todo o Homem. E encontrar-se no silêncio de Deus.

Lovely Christmas

Texto de Frederico Lourenço, publicado a 18 de dezembro de 2021 no seu Facebook

Natal 2021

Chega aquela época do ano em que, de novo, dou por mim a pensar no romance “Brideshead Revisited” de Evelyn Waugh e na conversa entre Charles e Sebastian sobre a fé.

Charles afirma-se  não-crente e exprime a sua estranheza perante o facto de o amigo acreditar na lenda do Natal (com Reis Magos e burrinho junto da manjedoura). Diz Charles: “but my dear Sebastian, you can’t seriously believe it all… I mean about Christmas and the star and the three kings and the ox and the ass”. Ao que Sebastian responde: “oh yes, I believe that. It’s a lovely idea”.

Hoje terminámos mais um semestre de aulas na Universidade de Coimbra; e aproximamo-nos do fim de mais um ano de pandemia. Dou-me conta de que a “lovely idea” do Natal é mais precisa do que nunca: porque é capaz de consolar pessoas religiosas e pessoas sem nenhuma religião.

Na verdade, não preciso de acreditar que o menino deitado na manjedoura é filho de Deus para reconhecer a espantosa beleza da IDEIA de que o filho de Deus pudesse estar deitado num estábulo de animais, calmamente observado por um burro e por um boi.

No romance de Evelyn Waugh, Charles indigna-se (carinhosamente, claro) com Sebastian, retorquindo que não se pode justificar a fé religiosa com base na “beleza” da ideia do Natal. “But you can’t believe things because they’re a lovely idea”, remata.

Sebastian, impávido, responde: “but I do. That’s how I believe”.

A lenda do Natal na mitologia cristã tem o seu reverso, que – longe de ser “lovely” – é tragicamente ilustrativo da condição humana. Se o facto de o filho de Deus não ter vindo ao mundo num esplendoroso palácio da terra (mas sim na palha de um estábulo) sugere a mais requintada das verdades poéticas, já o massacre dos inocentes ordenado por Herodes faz soar uma nota amargamente realista, visto que genocídios e massacres pautam desde sempre a história da humanidade.

Deus decidiu vir ao mundo? Então o mundo é isto: é um lugar assolado por guerras e pandemias, onde um bebé recém nascido não só não tem abrigo condigno como está imediatamente na iminência de ser morto à nascença. Mais tarde, nesse mesmo menino já crescido, cuspir-lhe-ão em cima. Troçarão dele, arrancar-lhe-ão a roupa, fustigá-lo-ão de forma cruel, crucificá-lo-ão. Este “Deus” não veio ao mundo para ser recebido como Deus, mas como um marginal, um criminoso, um “pobre de Cristo”.

Sinceramente, continuo a não saber se acredito em Deus – embora me pareça cada vez mais que a mensagem de Jesus (tenha ele sido quem possa ter sido) é o maior presente que a humanidade até hoje recebeu.

E se há “lovely idea” alguma vez imaginada por alguém – esqueçamos a maldade inextirpável do ser humano, o cadastro horrendo da história da humanidade e este mundo (criado por Deus?) de pestes negras, de gripes espanholas e de coronavírus – essa ideia linda tem de ser o Natal.

No fundo, Sebastian tinha razão. A capacidade humana para ver e criar beleza é a grande redenção. E nesta ideia, sim, é possível acreditar.

Ensaísta, tradutor, ficcionista e poeta, Frederico Lourenço nasceu em Lisboa, em 1963, e é atualmente professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Foi docente, entre 1989 e 2009, da Universidade de Lisboa, onde se licenciou em Línguas e Literaturas Clássicas (1988) e se doutorou em Literatura Grega (1999) com uma tese sobre Eurípides. Além da Ilíada, traduziu também a Odisseia de Homero, tragédias de Sófocles e de Eurípides, e peças de Goethe, Schiller e Arthur Schnitzler. Em 2016 iniciou na Quetzal a publicação dos seis volumes da sua tradução da Bíblia — que lhe valeu o Prémio Pessoa —, em 2019 publicou uma Nova Gramática do Latim e, em 2020, Poesia Grega de Hesíodo a Teócrito — edição bilingue em grego e português.

Stille Nacht

Em 1816, nasceu a canção de Natal “Silent Night”. Contam as histórias que na vila de Oberndorf na Áustria, o padre Joseph Mohr, preocupado com a possibilidade de uma noite de Natal sem música, porque os ratos tinham roído os foles do órgão da igreja, procurou um instrumento que pudesse substituir o antigo. Nas suas pesquisas, começou a imaginar como teria sido a noite em Belém. Fez anotações e pediu ao músico Franz Gruber que lhes desse uma melodia. A nova canção foi assim composta originalmente para guitarra. Esta é a mais famosa canção de Natal em todo o mundo. É cantada em todos os lugares onde se celebra o Natal. Os seus autores não imaginavam que a sua canção composta numa aldeia perdida da Áustria daria a volta ao mundo em menos de 200 anos e ficasse para sempre como um símbolo musical do Natal. Musicalmente até tem uma estrutura pobre, anda à volta da tónica e dominante, I, IV e V grau. Por ser assim, ao longo dos anos, enriqueceram-na com vozes e orquestrações, como o provam as diversas versões para coro desta canção. É cantada tanto pelas crianças das escolas como pelos poderosos cantores líricos. Está traduzida em todas as línguas que celebram o Natal. Em francês, tomou o doce nome “Douce Nuit”, em inglês o calmo “Silent Night”, em espanhol a divertida e querida “Noche de Paz”, em português “Noite Feliz” que quer dizer noite feliz, em latim “Sancta Nox” e, já agora, em checo “Tichá Noc”. E em zulu, pronto, “Busuk obuhl”. No original chama-se “Stille Nacht”. “Nacht” é noite e “Stille” quer dizer quieto, calmo, tranquilo, silencioso, calado. O verbo alemão “Stillen” quer dizer sossegar, saciar, amamentar. Não pensou mal o padre Joseph ao tentar imaginar o que se teria passado naquela noite em que Jesus nasceu. Foi, com toda a certeza, uma noite serena, uma noite de paz. Um início revelador.

Um dos significados que encontro no Natal é este: o do silêncio. O silêncio onde o Homem se encontra com Deus e descobre o sentido da sua vida. O silêncio onde cada um de nós se torna mais elevado. Como a sociedade dá pouco valor ao silêncio e fala demais, acaba por perder a sua orientação. É curioso que as curas modernas para os stresses diários, umas mais eficazes do que outras, sejam todas operadas em silêncio. Ele é o yoga, o tai-chi, o pilates, a aromoterapia, a musicoterapia, os exercícios de respiração e relaxamento, as massagens, as aulas de flexibilidade, de corpo e mente e outras modalidades. Não percebe o executante que uma grande parte do sucesso destas terapias vem do tempo que, por vias delas, acaba por dedicar ao silêncio e ao encontro consigo mesmo. E sente-se melhor no fim daquela hora.

Tudo o que é belo vem do silêncio. Não se constrói nada de valor e duradouro no meio do barulho e da inquietação. É necessário sensibilizar o nosso corpo para além daquilo que os nossos sentidos nos mostram. É necessário a todos ver a beleza, a proporção, o limite e o abstrato. Procurar o que existe no silêncio. Nós também somos feitos do ar que respiramos, do silêncio das flores a crescerem, do silêncio de uma obra de arte, do silêncio de uma oração, do silêncio do sol e da lua, do eterno. A felicidade, a satisfação e a alegria que todos procuram não estão no mesmo plano do dinheiro, do poder, das vaidades, dos carros, das casas e da doutorice. Estão no plano do silêncio, da quietude, da serenidade. É necessário perceber que as vidas que crescem em silêncio são diferentes das outras. Os que entendem isto são felizes mais cedo.

                                                                          Jorge, Natal de 2008

Na vila de Oberndorf há atualmente uma capela “Capela Noite Feliz”, em cujos vitrais há a imagem dos criadores da canção. Esta capela tem lugar para 20 pessoas, porém, atualmente, a Missa do Galo é celebrada ao ar livre para 7 mil fiéis, além da visita de 1600 turistas no mês de dezembro.