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“Naquele dia, sujei a minha alma…”

A reflexão de Pôncio Pilatos

(a partir do Evangelho do dia – Jo 18, 1-19, 42)

Ainda ouço as vozes da multidão a gritar, os chefes religiosos a pressionar, aquele nome a repetir-se como um peso: Jesus de Nazaré. Trouxeram-nO diante de mim como um malfeitor, mas não vi crime nem maldade. Vi um homem ferido, mas sereno e com um olhar que logo me desarmou. Nunca ninguém olhou assim para mim — sem medo, sem ódio e como se me conhecesse melhor do que eu a mim mesmo.

“És tu o rei dos judeus?”, perguntei-Lhe, mais por formalidade que por fé. Ele respondeu: “O meu Reino não é deste mundo.” Que tipo de prisioneiro fala assim? Eu, habituado ao poder, à força, à estratégia, fiquei rendido. Havia algo naquele homem… Eu, que julgava homens, percebi que estava a ser julgado por aquele que se deixava julgar. O silêncio d’Ele não era de fraqueza — era de quem conhece a verdade e não precisa de se defender.

Tentei libertá-lo. Ofereci à multidão a escolha: Jesus ou Barrabás? Mas, escolheram o ladrão. O violento. O culpado. Eu ainda disse: “Não vejo culpa neste homem!” Mas eles gritavam mais alto: “Crucifica-O!”.  Sentia as rédeas do poder escorregarem-me das mãos. “Se libertares este homem, não és amigo de César!” — foi a ameaça final. Com essa frase, prenderam-me. A minha posição, o meu cargo, o meu comodismo, o meu medo de Roma… tudo pesou mais do que a minha consciência.

Então, lavei as mãos. Lavei-as diante de todos. Um gesto vazio. Porque a água limpou os dedos, mas não a consciência. Ainda hoje, nas noites sem sono, vejo os olhos d’Ele. Não olhos de acusação, mas de misericórdia.

Pergunto-me muitas vezes quem era Ele, de verdade. Ouço rumores de que ressuscitou, de que os Seus discípulos agora espalham a Sua mensagem. Às vezes imagino o que teria sucedido se eu O tivesse libertado… O que teria acontecido ao mundo? Ao Reino de que Ele falava? À história que parecia estar a ser escrita não por mim, mas por Alguém maior do que todos nós? Naquele dia… o que o que aconteceu ali não foi apenas um julgamento…

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Naquela noite, fechei o meu coração…

A reflexão de Judas

(a partir do Evangelho do dia – Mt 26, 14-25)

Estava à mesa com os outros, mas o meu coração já lá não estava. A desilusão e a revolta dominavam-me. Durante três anos, caminhei ao lado de Jesus, vi os Seus milagre, escutei as Suas palavras. Mas as dúvidas cresciam e eu nada fazia para as esclarecer. Fui disfarçando a minha inquietação interior, com vergonha que me julgassem um fraco. Logo eu, o mais sério de todos, o mais preocupado com tudo, o mais responsável, como poderia eu ter dúvidas? Mas elas estavam lá…

Eu queria que Ele se impusesse, que derrubasse o Império, que ocupasse o trono que lhe pertencia por ser Filho de quem era. Mas Ele ultimamente só falava em morrer, em amar os inimigos, em dar a outra face… Aquilo não fazia sentido para mim. A minha impaciência e frustração cresciam… Seriam só promessas? Seria tudo uma fraude? Não! Eu ainda acreditava que Ele era o Messias! Ele só tinha de Se revelar ao mundo. Então, eu quis obrigá-Lo a agir. Eu não O queria trair… queria só provocá-Lo para que Ele se visse obrigado a manifestar a Sua realeza… E perante a iminência de uma condenação, eu tinha a certeza que Deus não O abandonaria e enviaria todos os Seus anjos para que O salvassem. Então aí, finalmente, todos acreditariam em Jesus! Ele seria Rei e nós os seus ministros! Era este o meu plano… perfeito!

Mas enganei-me… Fui longe demais… Traí-O, convencido de que se salvaria no último momento. E naquela noite, embora sabendo o que eu ia fazer, Ele não me rejeitou. Chamou-me “amigo”, como se me dissesse: “Ainda podes desistir. Fica comigo.” Por que não fiz isso? Por que não voltei atrás? Por que não Lhe abri o meu coração? Talvez porque o coração, quando endurece, já não escuta o amor…

Entregar Jesus… nunca imaginei que isso acabaria por me entregar a mim mesmo e me deixaria à mercê da culpa, do remorso, do abismo de onde nunca mais consegui sair… O que me matou não foi o pecado que cometi, foi o não ter acreditado no Seu perdão.

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Naquela noite, vi a força do perdão…

A reflexão de Pedro, discípulo de Jesus

(a partir do Evangelho do dia – Jo 13, 21-33.36-38)

Estávamos os doze reunidos com Jesus para celebrarmos a Páscoa. Sentíamos que havia algo diferente naquela noite. Os olhos d’Ele falavam mais do que as Suas palavras. Ele falava de partir para onde não poderíamos ir e eu, impulsivo como sempre, não consegui ficar calado.

“Senhor, para onde vais?” – perguntei com a inquietação de quem não suporta a ideia de estar longe d’Ele. E quando me disse que não O poderia seguir agora, o meu coração revoltou-se. “Por que razão não posso seguir-Te agora? Darei a vida por Ti!” – disse, com toda a convicção.

Na minha mente, eu estava pronto. Pronto para tudo. Pronto para O defender, até com a espada. Pronto para O seguir até ao fim. Tinha a certeza! Não O deixaria sozinho! Morreria por Ele se fosse preciso! Mal imaginava eu que, horas depois, nem coragem teria para dizer que O conhecia…

Mas Ele já tinha visto a minha queda. Olhando-me, disse: “Darás a vida por Mim? Em verdade te digo: não cantará o galo antes que Me tenhas negado três vezes.” Fiquei estupefacto. Algo em mim gelou. Seria eu capaz de tal ato hediondo? Parece que sim…

Eu que me via tão forte, sucumbi à minha fraqueza. Eu que O amava tanto, neguei-O quando mais de mim precisou. Hoje, ao recordar aquela noite, vejo que ainda não tinha deixado que o Seu amor me transformasse por completo. Eu queria segui-Lo, mas à minha maneira. Mas, fui salvo! Ao contrário de Judas, não me deixei morrer no sofrimento que uma traição traz. Eu sabia que Jesus me amava sem medida e que o seu perdão cobriria o meu pecado. Deixei-me perdoar e voltei à Vida. E do meu fracasso, Ele fez uma história de amor.

O que mais me espanta não é que Jesus tenha previsto a minha traição… mas que, mesmo assim, Ele me tenha salvo do abismo para onde o pecado nos leva. Aquela noite fez de mim um homem novo. E eu fui abraçado pela Sua cruz, o lugar onde Jesus tem sempre os braços abertos para nós.

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Naquele dia, a Sua voz rasgou a minha morte…

A reflexão de Lázaro, amigo de Jesus

(a partir do Evangelho do dia – Jo 12, 1-11)

Seis dias antes da Páscoa, Ele voltou a Betânia, a minha casa. A memória do túmulo ainda me assombra – aquele escuro absoluto, o silêncio sem tempo. Mas depois ouço sempre a Sua voz, a que me traz de novo à vida: “Lázaro, vem para fora!” E eu voltei. E volto. Escolhi voltar. Não foi apenas um voltar à vida – foi um começar de novo, com um sentido que antes não conhecia. Nasci de novo. Como posso explicar? Os olhares que as pessoas me lançam… uns de espanto, outros de medo. Muitos querem ver-me só porque fui ressuscitado. Porque a minha vida, agora sim, é sinal d’Aquele que é a Vida.

E Ele estava ali de novo, sentado à mesa comigo. Marta, sempre generosa, servia-O com o coração em festa. Maria ajoelhou-se aos Seus pés e derramou aquele perfume caríssimo, enchendo a casa com o aroma do seu amor. E eu, silencioso, observava tudo com o coração cheio de gratidão, de reverência, de um amor que de tão grande que era já não cabia no peito.

Eu conhecia os olhos d’Ele. Tinha-os visto antes da minha morte e depois da minha ressurreição. Mas agora, havia neles uma sombra… era como se já carregassem o peso da cruz que se aproximava. E, no entanto, ainda havia n’Ele uma imensa ternura. Ainda havia n’Ele toda a luz. Ele escolheu estar com os seus, fazer festa, abraçar os que amava, sentar-se à mesa para partilhar o pão e a vida. Embora sabendo que ia morrer, Ele não quis morrer antes do tempo.

Seis dias antes da Páscoa, Jesus veio à minha casa. E, naquela mesa, eu soube: eu não sou apenas um homem que voltou da morte — sou um homem chamado a viver para sempre n’Ele. Sei que o meu corpo esteve fechado no túmulo, mas o meu coração é hoje, por Ele, uma casa aberta. E se Ele quiser, morrerei de novo. Porque, agora, sei o que é viver. Já não vivo para mim — vivo como quem sabe que esteve morto. Porque viver depois da morte… é viver para sempre!

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Naquele dia, eu estava lá…

A reflexão de Tiago, discípulo de Jesus

(a partir do Evangelho do Domingo de Ramos – Lc 19, 28-40)

Eu estava lá, naquele dia inesquecível. Caminhava ao lado d’Ele, juntamente com Pedro e os outros. O sol brilhava intensamente, o caminho enchia-se de vozes, de cor, de ramos de palmeira. Entre a multidão, reconheci o cego que Ele tinha curado, a mulher que Ele tinha perdoado, o amigo que Ele tinha ressuscitado. Quando ouvi as pessoas a gritar “Hosana ao Filho de David!”, o meu coração explodiu de alegria. Finalmente! O povo reconhecia-O como Rei! Julguei estar a acontecer ali o começo da vitória, o momento em que Jesus iria revelar o Seu poder, libertar Israel, restaurar o trono de David.

Mas, no meio de tanta euforia desenfreada, havia algo no olhar de Jesus que me deixava inquieto e confuso. Ele não sorria como quem recebe glória. Ele não recebia aquelas aclamações com orgulho. Ele olhava a multidão que por Ele gritava com compaixão… e dor. As suas lágrimas, que muitos julgaram ser de alegria, escondiam o conhecimento do sofrimento iminente. Pois, Ele sabia que o aplauso de hoje transformar-se-ia na condenação de amanhã…

Naquele momento, eu ainda não compreendia que a Sua realeza era diferente. Que o trono valioso que O esperava era afinal uma cruz de madeira. Que a coroa real que lhe seria entregue era afinal de espinhos. Que Ele veio não para conquistar um Império, mas para imperar nos nossos corações.

Naquele dia, eu só via a festa a acontecer. E a história d’Ele poderia ter terminado ali. Com aclamações e juras de amor eterno, com abraços e promessas de felicidade. Só depois, com o tempo e com o que aconteceu, percebi que Ele quis que fosse de outra forma para nos mostrar que os desafios e os obstáculos existem para serem abraçados e que a vida d’Ele em tudo se assemelha à nossa.

Naquele dia, eu estava lá. Foi o dia do início do maior ato de amor da história.

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Ele vem!

“Bendito o que vem em nome do Senhor!” (do Evangelho de São Mateus)

Uma reflexão para o Domingo de Ramos

Ele vem! E nós, alegres e cheios de sol, deixamos que Ele entre. Abrimos as janelas da alma, escondemos as tristezas, vestimos as roupas mais bonitas, damos os nossos melhores sorrisos.

Ele vem! Trazemos risos, batemos palmas e levantamos os braços. Vamos juntos, caminhamos com a velocidade que o coração nos pede e com a certeza que Ele nos dá de que estarmos no lugar que nos espera.

Ele vem! Ouvem-se vozes cheias de alegria, estendem-se os braços que embalam confiança. Nada nos perturba, nada nos incomoda, nada nos esmorece.

Ele vem! Temos os nossos corações preparados para este Amor, para esta entrega, para esta Luz. Nada mais importa a não ser a agitação de quem se prepara para fazer uma grande festa!

Ele vem! E a história d’Ele podia ter terminado aqui. Com aclamações e juras de amor. Com festa e muitas palmas. Com abraços e promessas.

Mas Ele quis que fosse de outra forma, para mostrar que o caminho teria de ser outro, que os desafios e os obstáculos existem para serem abraçados. E que a vida d’Ele em tudo se assemelha à nossa. Com quedas e levantamentos, com alegria e apatias, com gargalhadas e nós na garganta.

Por isso, Ele atravessa esta Semana Maior. E muitos dos que O seguiram, já não fizeram o resto do caminho com Ele. Não era bem este Rei que desejavam… Mas nós, hoje, temos sempre a outra opção. A de ir. Com Ele. De seguirmos por esta Semana com Ele. Então, o que esperamos? Vamos!

Ana

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