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Obrigada, Irmão Alois!

Na véspera do início do Advento, durante a oração da noite em Taizé, o irmão Alois vai transmitir a sua responsabilidade de prior ao irmão Matthew. Durante 18 anos, o irmão Alois assumiu a orientação da Comunidade de Taizé, tendo-o feito num contexto particularmente difícil após a trágica morte do irmão Roger. Como ele afirmou numa entrevista recente, os primeiros tempos enquanto prior foram uma grande aventura, uma vez que ninguém sabia como iria continuar a ser a Comunidade após a morte do seu fundador. Esses tempos, nas suas palavras, foram de grande unidade entre todos, o que permitiu que a construção comunitária continuasse a ser o que é, um espaço de espiritualidade, de descoberta interior, de oração.

Ao longo destes 18 anos, o irmão Alois soube por em prática as palavras do Evangelho. Todos os anos, nas já habituais cartas que servem de reflexão para os encontros de verão em Taizé, o irmão Alois colocou a tónica sempre na confiança que nos permite avançar, caminhar, seguir ao encontro e à descoberta de um Deus que é amor, é casa, é abraço. Ao longo destes 18 anos, pudemos partilhar alguns encontros com o irmão Alois: em Taizé estivemos em 2006, 2009, 2014, 2017; participamos na Peregrinação de Confiança sobre a Terra em 2005, em Milão, e em 2012, em Roma. Neste último encontro, no final de uma das orações, alguns de nós tiveram o privilégio de ser abençoados pelo irmão Alois, naquele seu gesto sempre doce e sereno. Vejam as fotografias 😊

Obrigada, irmão Alois, não só por estes 18 anos, mas por uma vida inteira de entrega, de partilha, de comunidade. Pelas palavras e pela simplicidade. Pela comunidade. Pela vida. Continuaremos a rezar juntos!

“Nas circunstâncias atuais, também nós podemos escolher a confiança. Somos livres para discernir, no nosso mundo, uma luz com origem noutro lugar. Mesmo quando estamos a passar por uma provação, mesmo quando Deus parece não responder ao nosso clamor, essa luz já está a nascer como a estrela da manhã nos nossos corações.”

“Sozinhos não podemos acreditar, é inimaginável. Mas juntos podemos ouvir o inacreditável, que Maria e depois os apóstolos anunciaram no dia de Páscoa: Cristo está vivo!

Together – Encontro do Povo de Deus

A Igreja vive um tempo único e excecional de sinodalidade. Como povo que caminha, vamos todos, todos, todos em busca de um sentido de comunhão, de irmandade, de acolhimento, de construção de um caminho que só pode ser feito em conjunto através do diálogo, da partilha, da reconciliação, da união. De 4 a 29 de outubro, e depois de um caminho de três anos nas dioceses dos cinco continentes, decorrem os trabalhos da XVI Assembleia Geral Ordinária dos Bispos sobre o tema: “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Neste tempo de reflexão, unidos com a estrutura pensante e orante da Igreja, rezemos juntos, com esperança e gratidão, por este caminho sinodal para que possa fazer da Igreja que somos uma comunidade de escuta, um espaço de cuidado, um lugar de Vida com todas as vidas.

Esta necessidade de oração comunitária fez com que o Papa Francisco anunciasse a realização de uma Vigília Ecuménica de Oração que tem lugar hoje, 30 de setembro, em Roma, na Praça de São Pedro. Esta vigília integra-se no evento “Together – Encontro do Povo de Deus”, presidido pelo Papa Francisco, e conta com a presença de líderes das Igrejas Ortodoxa, Protestante e Evangélica. Ao lado do Papa Francisco, estarão representantes ecuménicos, cardeais e jovens de vários países e de diferentes confissões. Como disse o Papa aquando do anúncio deste evento, esta vigília faz parte de um processo sinodal e ecuménico: “O caminho para a unidade dos cristãos e o caminho de conversão sinodal da Igreja estão ligados”. Esta vigília será orientada pela Comunidade de Taizé e evoca o Tempo da Criação, numa celebração de gratidão pelo dom da unidade, pelo caminho sinodal e pelo dom da paz. Com momentos de silêncio, de escuta da Palavra de Deus, de cânticos e de preces, esta vigília é uma oportunidade para juntos vivermos esta tão desejada unidade eclesial e sentirmos que é em comunidade que melhor experimentamos a presença de um Deus que nos ama e se faz presente. A vigília ecuménica de oração vai ser transmitida em direto pelos canais do Vatican Media. Das 16h30 às 18h00, é transmitido o programa que antecede a Vigília e, das 18h00 às 19h00, a oração presidida pelo Papa Francisco.

Quase 20 anos depois, Taizé voltou a Lisboa

Viagens pela JMJ, Lisboa 2023

Durante a JMJ, como já é habitual, a Comunidade de Taizé dinamiza tempos de oração comunitária. Em Lisboa, estes momentos aconteceram na bela e despojada Igreja de São Domingos. Estas orações com cânticos de Taizé e com a presença de alguns irmãos da Comunidade estiveram abertas a todos os que nelas quiseram participar. E realmente foram muitos! Tantos que a fila de espera, cerca de uma hora antes de cada oração começar, embora sendo já interminável, nunca demoveu nenhum dos participantes. Na última oração, na 5.ª feira à noite, organizada juntamente com a Comunidade “Chemin Neuf”, muitos não conseguiram lugar dentro da Igreja. No entanto, assistiram à oração no exterior da Igreja, acompanhados pelo sistema sonoro (podem comprovar pela fotografia que um amigo nosso que estava cá fora tirou, testemunhando o que aconteceu). Sentados no chão, na zona mais movimentada de Lisboa, a antítese era evidente: o silêncio e a contemplação foram mais fortes do que o barulho e a agitação. Para quem (ainda!) não conhece a Comunidade de Taizé, este fenómeno parece ser inexplicável, mas é apenas um reflexo natural da necessidade que as pessoas têm de mais silêncio, de mais intimidade com um Deus que é só Amor, de mais envolvimento espiritual.

A oração de 5.ª feira foi a última a que podemos assistir com o Irmão Alois enquanto prior de Taizé. São momentos sempre significativos para nós que tivemos o privilégio de estar presentes em alguns eventos marcantes da vida da Comunidade de Taizé: estivemos em 2004, em Lisboa, naquele que foi o último Encontro Europeu do Irmão Roger e, no ano seguinte, estivemos em Milão no primeiro Encontro Europeu com o Irmão Alois como novo prior. A partir de dezembro, o Irmão Matthew será o novo prior e, se tudo correr como previsto, no Verão do próximo ano estaremos a rezar juntos em Taizé (sim, estamos a organizar uma viagem de peregrinação a Taizé em 2024 com a @paroquia.da.matriz.pvz ).

Taizé. Nos próximos meses, a propósito da preparação que iremos fazer para a nossa peregrinação, iremos partilhar aqui o que significa para nós, Comunidade, esta Comunidade.

Ana

nem frio nem quente

textos biblicos com comentário, de Taizé

Apocalipse 3,14-16.19-20: Cristo à porta das nossas vidas Cristo ressuscitado diz: «Ao anjo da igreja de Laodiceia, escreve: ‘Isto diz o Ámen, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da Criação de Deus: Conheço as tuas obras: não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente. Assim, porque és morno – e não és frio nem quente – vou vomitar-te da minha boca. (…) Aos que amo, eu os repreendo e castigo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te. Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo.’» (Apocalipse 3,14-16.19-20)

Estas palavras vêm do livro do Apocalipse, no final da Bíblia. São destinadas a uma igreja de uma cidade chamada Laodiceia. Pode-se ter a impressão que os cristãos desta cidade estão a passar ao lado das suas vidas. Não estão frios nem quentes, diz o texto. Não estão a favor nem contra algo. Estão tépidos.

Será que tinham perdido o sentido da sua vida? Não acreditavam que aí pudesse haver algo a buscar ou a fazer. Tornaram-se satisfeitos, indiferentes e desligados. O decurso das coisas é-lhes igual. Pensam que não têm necessidade de nada, nem de ninguém. Contentam-se com o que consideram ser as suas riquezas, as suas possibilidades, o seu conhecimento. Tudo isso os torna inaptos a permanecer numa comunhão com Cristo.

Através deste texto do Apocalipse, Jesus convida-os – e, com eles, a nós – a reconhecer o que lhes falta, a procurar a sua riqueza em Deus, a fazer escolhas, a comprometer-se. Numa palavra: a viver. É este apelo à vida que nos dirige Cristo quando bate à nossa porta. É como se dissesse a cada um e a cada uma: não tens tudo na tua existência, há uma dimensão de profundidade que podes ainda descobrir. Faz, então, prova de zelo, podes viver de outro modo!

Com Cristo, é a vida, a vida verdadeira, que bate à nossa porta para que aí reconheçamos Deus. Não em manifestações incomuns ou em acontecimentos extraordinários, mas no humilde quotidiano das nossas existências. O profeta Elias já tinha feito a experiência: Deus raramente derruba as nossas portas com um sismo, fogo ou tempestades. Mais frequentemente, aproxima-se de nós discretamente e convida-nos a discernir a sua presença (cf. 1 Reis 19).

Tudo na nossa vida nos pode aproximar dele. Os acontecimentos felizes e os infelizes são ocasiões para nos virarmos para Deus para lhe expressar o nosso louvor ou a nossa queixa. Poderíamos ver relevo de uma paisagem ou no voo de uma ave o traço da mão do Criador. Poderíamos discernir no rosto da pessoa à nossa frente os traços de Cristo. Poderíamos descobrir numa intuição inesperada o sopro do Espírito. Tudo pode tornar-se local da presença de Deus. Porém, mesmo quando estamos atentos, isso não se faz automaticamente. É possível que Deus bata à nossa porta e nós não o escutemos.

É por isso que no início do texto do Apocalipse se repete: «Quem tem ouvidos, ouça…». Não existe nenhum automatismo. Porém, existe esta promessa: «Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo». É Deus que opera aqui, é Cristo que vem a nós: e quando escutamos a sua palavra, estabelece-se uma comunhão. O texto exprime com esta imagem a intimidade de uma refeição partilhada.

Quando não o escutamos, resta uma atitude. É desta forma que termina o livro do Apocalipse, onde se lê: «‘Vem!’ Diga também o que escuta: Vem!’» (Apocalipse 22,17). Quando nada sentimos da presença de Deus nas nossas vidas, também nós podemos dizer: «Vem!»

  • O que significa não se ser frio nem quente? Até que ponto este retrato dos crentes da Laodiceia descreve o nosso mundo actual, as nossas comunidades cristãs? Podemos fazer algo a esse respeito?
  •  Como está Cristo a bater à nossa porta hoje? Como podemos ouvir essa chamada? Como lhe podemos abrir a porta?

Encontro Europeu de Taizé – Madrid

meditações do irmão Alois, 29 dezembro 2018

Estes dias, em Madrid, estamos reunidos vindos de tantos países diferentes. E os que nos acolhem pertencem a diversas gerações. Com todas estas pessoas que não tínhamos conhecido antes, fazemos a experiência de uma comunhão. E aí encontramos uma alegria. 

A nossa peregrinação de confiança é, também, uma aventura interior. E gostaria, esta noite, de chamar a vossa atenção para este aspecto do nosso encontro: a confiança nos outros, a confiança em nós mesmos e a confiança em Deus são realidades intimamente ligadas. A confiança não é cega, nem ingénua ou sonhadora. Sabe discernir o bem e o mal. É, sim, a certeza de que, independentemente da situação, mesmo na escuridão, se pode abrir um caminho de vida.A confiança não é passiva. É uma força que nos impele em todas as situações a dar mais um passo para viver mais plenamente e para ajudar os outros a viver de forma mais plena. Estimula a imaginação, dá a coragem e o gosto de arriscar.

Mas todos conhecemos, também, o que significa não ter confiança. A fadiga, os fracassos, a amizade traída, a violência, as catástrofes naturais, a doença, tudo isso corrói a confiança, que é muito vulnerável. A nossa confiança em Deus é muito frágil. Em certa medida, todos nós conhecemos a dúvida: duvidamos do amor de Deus, alguns duvidam mesmo da sua existência. Onde encontrar, então, a fonte da confiança?

Para que a confiança nasça e renasça em nós, precisamos de alguém que confie em nós, alguém que nos acolha, que nos ofereça a sua hospitalidade. Lemos esta noite um relato impressionante da vida de Jesus. Caminhou sobre as águas do lago para se juntar aos seus discípulos na tempestade. Este relato parece inverosímil aos nossos ouvidos modernos. Retenhamos, no entanto, as palavras de Jesus: «Não temais, estou aqui». E a Pedro, que queria ir ao seu encontro sobre as águas, diz: «Vem». Então, Pedro atira-se à água. Olhando Jesus, chega a avançar. Porém, quando se deixa hipnotizar pelo perigo, afoga-se.

Para os discípulos, Jesus não é apenas o mestre que os ensina. Chamou-os para estar consigo e envia-os porque confia neles. Se também nós pudéssemos ver em Jesus aquele que confia totalmente em nós… Fossemos nós o maior pecador do mundo, e ele diria as mesmas palavras que aos seus discípulos: «Não temais, estou aqui». A cada um e a cada uma de nós, ele dirige o mesmo apelo que a Pedro: «Vem», abandona as tuas pequenas seguranças, ousa enfrentar a realidade por vezes dura do mundo.

De Teresa de Ávila, essa mulher excepcional do século XVI que ainda hoje nos estimula, cantamos estas palavras: «Nada te turbe, nada te espante, quien a Dios tiene nada le falta». Disse também: «Aventuremos la vida!». Sim, a vida é bela para quem se lança e toma decisões corajosas.Quais são estas decisões corajosas? Cabe a cada um responder, cumprindo uma peregrinação interior que vai da dúvida à confiança. Trata-se, para todos nós, de acolher o amor de Cristo para nos tornarmos artesões de confiança e de paz, perto e longe de nós.

Uma espiritualidade do provisório

José Tolentino Mendonça, O pequeno caminho das grandes perguntas, Quetzal Editores

Muitas vezes parecemos estar suspensos, à espera de um sinal espetacular qualquer para tomar uma decisão de vida sempre adiada. E queixamo-nos de falta de meios para levar a cabo essa transformação que vemos como necessária. Contudo, as verdadeiras transformações inventam os meios próprios para se expressarem, e estes, regra geral, começam por ser espantosamente modestos. Idealizamos de tal maneira o que pode ser a vida que ela arrisca-se a perder o jogo por falta de comparência, sequestrada num plano cada vez mais mental e abstrato. Ora, se não estamos dispostos a aprender com a sabedoria dos pequenos passos e com a dinâmica do provisório, dificilmente alcançaremos o que buscamos.

A história de Taizé é um bom exemplo: uma minúscula povoação que fica a 390 quilómetros a sudeste de Paris, sem nada de especial que a recomende, veio a tornar-se um dos pulmões espirituais da Europa. Em 1940, era apenas uma zona de demarcação entre a França ocupada pelas tropas alemãs e a França livre. Precisamente nesse ano, desembarcava naqueles nenhures um jovem teólogo suíço, Roger Schütz, transportado por uma pergunta, que não o largava: qual seria a sua missão, a que devia ele consagrar a sua vida? Um elemento curioso – e que se liga à espiritualidade do provisório, que escolherá como caminho – é que a primeira vez que ele chegou a Taizé, fê-lo de bicicleta (e pedalar desde Genebra). Poderia ser só um passeio ou uma fuga improvisada. Taizé era uma espécie de ponto zero, uma estação de passagem. mas ele entendeu esse nada como uma oportunidade para reparar as suas feridas e as da humanidade. E decidiu que ficaria ali.

O primeiro a servir

Mateus 20, 20–28

Aproximou-se então de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu, com os seus filhos, e prostrou-se diante dele para lhe fazer um pedido. «Que queres?» – perguntou-lhe Ele. Ela respondeu: «Ordena que estes meus dois filhos se sentem um à tua direita e o outro à tua esquerda, no teu Reino.» Jesus retorquiu: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu estou para beber?» Eles responderam: «Podemos.» Jesus replicou-lhes: «Na verdade, bebereis o meu cálice; mas, o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence a mim concedê-lo: é para quem meu Pai o tem reservado.» Ouvindo isto, os outros dez ficaram indignados com os dois irmãos. Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo; e quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo. Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão.

De acordo com esta passagem, o espírito de competição, o desejo de ser o primeiro e o melhor, não é um fenómeno dos tempos modernos. Será que existe algo no ser humano que busca as honras, que quer ocupar o primeiro lugar? Aqui, é mãe de Tiago e de João que procura um privilégio para os seus filhos, mas é uma velha astúcia: é mais fácil pedir para os outros e, depois, usufruir da sua glória. Jesus não se deixa iludir: dirige-se diretamente aos dois filhos.

A nossa sociedade ocidental foi muito longe nesta direcção. Uma economia capitalista e fundada no espírito da competição. Ensinam-nos, desde muito novos, que devemos ser melhores do que os outros. Um sistema assim produz, forçosamente, vencedores e vencidos e, se não for controlado, teremos, com o tempo, cada vez menos vencedores e cada vez mais vencidos.

Se uma competição saudável pode libertar as energias de cada um e revelar os seus talentos, a mesma conduz inevitavelmente a uma divisão e, até, à violência. Neste relato, vemos que os outros discípulos ficam muito indignados com Tiago e João. A comunidade arrisca implodir.

Jesus mostra-lhes, então, outra forma de viver. Expulsa todos os pensamentos de honras e recompensas. Pergunta aos discípulos se podem beber do mesmo cálice que ele. No mundo antigo, o cálice era símbolo do destino. Aplicado a Jesus, não se refere a um destino cego, mas à missão que o seu Pai lhe confiou: dar a sua vida para que outros possam viver.

De seguida, Jesus aplica este ensinamento à vida política, o que significa que o grupo dos discípulos não constitui apenas uma comunidade, mas que, para Jesus, esta comunidade – Israel restaurada – é uma alternativa às relações políticas do mundo pagão. Ali, onde os dirigentes gostam de exercer o seu poder sobre os outros. Entre os discípulos, pelo contrário, os maiores e os primeiros são, de facto, os últimos – os que servem.

Com esta reviravolta, Jesus liberta o nosso desejo de ser o melhor e o primeiro, colocando-o não ao serviço dos nossos egos, mas ao serviço dos outros. Procurar ser os primeiros a ajudar os outros, a servi-los: eis uma competição saudável. Como diz Paulo: «Considerai os outros superiores a vós próprios, não tendo cada um em mira os próprios interesses, mas todos e cada um exactamente os interesses dos outros» (Filipenses 2,3-4) e «Adiantai-vos uns aos outros na estima mútua» (Romanos 12,10). Um tal espírito de humildade e de partilha torna possível uma verdadeira vida comunitária.

Isso é apenas possível se a a nossa imagem de Deus se transformar. Jesus revela-nos um Deus que não encontra a sua glória no facto de ser o primeiro ou o maior, que não encara a sua divindade como um privilégio, mas que se rebaixa por amor, ficando no último lugar a fim de que os outros possam subir.

  • Qual é a finalidade dos meus estudos ou do meu trabalho?
  • Como colocar os meus dons ao serviço dos outros?
  • Que passos seriam necessários para transformar as nossas Igrejas e a nossas sociedades em verdadeiras comunidades de partilha?
Textos bíblicos com comentário, Taizé, junho

Permanecer em pé

Permanecer em pé graças a Deus

                                                                                                                                       Génesis 15,1-6

O Senhor disse a Abrão numa visão: «Nada temas, Abrão! Eu sou o teu escudo, a tua recompensa será muito grande.» Abrão respondeu, «Que me dareis, Senhor Deus? Vou-me sem filhos e o herdeiro da minha casa é Eliézer de Damasco.» Acrescentou: «Não me concedeste descendência e é um escravo, nascido na minha casa, que será o meu herdeiro.» Então a palavra do Senhor foi-lhe dirigida, nos seguintes termos: «Não é ele que será o teu herdeiro, mas aquele que sairá das tuas entranhas.» E, conduzindo-o para fora, disse-lhe: «Levanta os olhos para o céu e conta as estrelas, se fores capaz de as contar.» E acrescentou: «Pois bem, será assim a tua descendência.» Abrão confiou no Senhor e Ele considerou-lhe isso como mérito.                              

Abraão era um migrante. Com o seu pai, ele deixou Ur, a sua cidade natal no sul da Mesopotâmia, para ir a Haran, no norte. Depois retomou o caminho, com a sua esposa Sara e o seu sobrinho Lot, e chegou à Terra Santa. Mas também teve que sair de lá. Fugindo da fome, foi para o exílio no Egipto. Regressou mais tarde à Terra Santa, mas nunca mais voltou à sua terra natal.

Abraão viveu na instabilidade. Nunca construiu uma casa, viveu sempre em tendas. E teve uma experiência de desânimo, quando não via nenhum futuro possível. Como todos nós, ele precisava de uma esperança para viver. Não se pode viver fora da corrente de vida que nos faz avançar. Abraão desejou um filho e que os seus descendentes lhe assegurassem uma reputação e um futuro.

Ao ler o texto bíblico, ouvimos a sua reclamação. Numa visão, Deus promete-lhe proteção e grandes posses. Mas ele queixa-se: «Que me dareis? Vou-me sem filhos…» Deus é lento a responder. E Abraão retoma a sua queixa: «Não me concedeste descendência…». Abraão poderia ter desaparecido no esquecimento como tantos outros antes e depois dele. Mas nós, cristãos, lembramo-nos dele, e antes de nós os judeus e depois também os muçulmanos, que o chamam Ibrahim. Por que será que este homem, cujos traços se perdem na noite dos séculos, nos toca assim?

A Bíblia divulga o seu segredo: Abraão acreditou no Senhor. Mas o que significa esta frase? O significado não pode ser que Abraão começou a acreditar que Deus existe. Naquele tempo todos acreditavam que os deuses existiam.

Há 35 anos, um senhor já de idade avançada, que passou a vida a estudar a Bíblia e as línguas bíblicas, chegou a Taizé. Ele disse-nos que acreditar em Deus significa tornar-se estável em Deus. «Abraão tornou-se estável em Deus». Acreditar é manter-se firme. Acreditar em Deus é ficar de pé graças a Deus. Abraão, indo de um país a outro sem nunca se instalar definitivamente em qualquer lugar, estabeleceu-se em Deus. Descobriu que mesmo com uma vida em que faltam os apoios habituais, é possível permanecer firmes. Ele encontrou em Deus uma estabilidade inesperada.

Será que ele procurou a fé e a esperança? Em vez disso, foram elas que vieram ter com ele: «A palavra do Senhor foi-lhe dirigida», diz o texto. E Abraão confiou nessa palavra. A promessa de Deus de lhe dar filhos como as estrelas do firmamento era inacreditável. Ele poderia tê-la esquecido imediatamente. Mas ele deixou a palavra de Deus colocá-lo de pé.

O apóstolo Paulo diz: «Esperando contra toda a esperança, Abraão acreditou e tornou-se pai de muitos povos.» Um pai para todos nós. Ao tornar-se estável em Deus, Abraão encontrou o lugar certo: «Confiou no Senhor e Ele considerou-lhe isso como mérito». A Bíblia chama pessoas «com mérito» ou «justos» aqueles que são amigos fiéis de Deus e dos homens e sinais vivos de um futuro. «Os justos florescerão como a palmeira e crescerão como os cedros do Líbano», canta um salmo.

É preciso pouco para sermos como aqueles que, seguindo Abraão, abrem caminhos de esperança. Antes de tudo, temos de saber reclamar sobre o que está errado, como fez Abraão. Depois é preciso perseverança para aguardar uma resposta, mesmo quando Deus permanece em silêncio. A fé é a surpresa de ficar de pé apesar de tudo, de viver, de seguir em frente. Deus não existe porque confiamos nele, e não desaparece quando não o fazemos. É ao contrário: é Deus que é a fonte da nossa firmeza, a nossa garantia. A fé é o acesso à estabilidade que está sempre em Deus, mesmo que falte em nós.

  •  Entre as pessoas que conheço ou de quem ouvi falar, há quem seja como Abraão? Em que sentido se parecem?
  •  De que me quero queixar a Deus?
  •  Onde e quando vi abrirem-se caminhos para o futuro? Quem os abriu: pessoas sozinhas ou em grupo, muitas ou poucas?
  •  O que me faz permanecer de pé e seguir em frente?
Textos bíblicos com comentário, de Taizé, fevereiro

As tendas de Taizé

textos bíblicos com comentário, de Taizé

Tempo para mudar | Actos dos Apóstolos 1,1-11

Após a sua ressurreição, Jesus regressa para junto dos seus discípulos para lhes oferecer dons preciosos: em primeiro lugar, o Espírito Santo, que, como descreve o texto dos Actos dos Apóstolos, é um poder, uma dinâmica, uma força. A este pequeno grupo de seres humanos é conferida uma força de transformação, uma capacidade criadora de colocar as coisas em movimento e de fazer nascer o que ainda não existe.

O segundo é o tempo. Enquanto os discípulos pressionam Jesus para lhes dizer quando chegará o fim dos tempos, Jesus, na sua resposta, inverte a ordem das prioridades: conhecer o tempo do fim não é do vosso âmbito, nem se devem preocupar com isso, nem com quando restaurarei o Reino. Preocupem-se sobretudo em utilizar bem a força que vos é dada.

No fundo, os dois dons andam de mão dada: mais do que uma capacidade criadora, Deus oferece, também, tempo para realizar transformações. Se a Paixão, a Ressurreição, a Ascensão e o Pentecostes são momentos distintos uns dos outros, é porque Deus procura tomar o seu tempo e dar tempo aos seres humanos.

Uma das primeiras consequências é a impossibilidade de julgar as pessoas e a situações de forma definitiva. Perante os nossos «sempre» e os nossos «nunca», os nossos «tudo» e os nossos «nada», frequentemente pronunciados com demasiada rapidez, Deus continua a oferecer-nos o Espírito de transformação e o apelo à paciência. Sem soluções definitivas para os pequenos e grandes problemas da existência, mas com o convite a aceitar o provisório das situações e a trabalhar para evoluções positivas.

O Papa Francisco não para de repetir, em particular aos responsáveis sócio-económicos com que reúne, o que «o tempo é superior ao espaço». Na sua encíclica «A alegria do Evangelho», escreve: «Dar prioridade ao espaço leva-nos a proceder como loucos para resolver tudo no momento presente, para tentar tomar posse de todos os espaços de poder e autoafirmação. É cristalizar os processos e pretender pará-los. Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos duma cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás. Trata-se de privilegiar as acções que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificar em acontecimentos históricos importantes» (Parágrafos 222-225).

Devemos, então, interrogar-nos: se aspiro a ser filho ou filha da ressurreição, como utilizar as minhas competências para iniciar processos novos em vez de o fazer para conquistar territórios?

Além de dar o Espírito Criador e tempo para mudar, Jesus encoraja os seus discípulos a não permanecerem ali após o Pentecostes, mas a ir «até às extremidades da terra». Entrar no longo tempo da paciência de Deus é um pouco como tornar-se um viajante nesta terra. Esta viagem para proclamar a boa nova é geográfica e espiritual: consiste não apenas em viajar até Jesus no sentido primordial do termo, partindo em missão, mas, também, tornar-se viajante na sua própria vida. Viver com poucos recursos, aceitar não conhecer as novas etapas, viver de uma forma provisória, aceitar não planificar nem controlar tudo: o tempo da paciência de Deus é o da mudança. Em detrimento de procurar respostas demasiado definitivas, aceitemos, então, o provisório. Um pouco como em Taizé, onde, após mais de 40 anos de encontros de jovens, preferimos manter as tendas para nos reunirmos em vez de construir mais edifícios. A falta de conforto e o provisório aligeiram-nos; tornam-nos humildes e criativos. Paradoxalmente, esta atitude de viagem interior não é a do consumidor desenfreado, nem a do turista, nem a do adepto da cultura do desperdício, que compra e descarta a um ritmo elevado. Aceitar não ter respostas definitivas leva, igualmente, a oferecer a sua vida num compromisso para sempre. É em nome de uma viagem ainda maior que as pessoas se unem num juramento para sempre. Este juramento não restringe a nossa liberdade criadora, antes a aprofunda e lhe confere, antes da hora, um gosto de eternidade.

- Já me lancei em projectos com um final incerto? O que me levou a fazê-lo? O que me permitiu continuar?

- Ao dar-nos o poder do seu Espírito Santo, Deus inspira-nos a fazer coisas novas. Como utilizar este dom que recebemos?

Rumo à unidade do continente europeu

Irmão Alois de Taizé
 

Perante a chegada de emigrantes, ultrapassemos o medo!

O encontro organizado pela Comunidade de Taizé no final de Dezembro de 2016 em Riga reuniu jovens de toda a Europa. Vindos tanto de países membros da União Europeia como de países que dela não fazem parte, fizeram a experiência da fraternidade que pode unir pessoas de todo o continente.

Este encontro nórdico permitiu também aos jovens de outras regiões descobrir o rosto báltico da Europa, uma das faces da bela diversidade de povos, cada um com a sua história, as suas tradições, as suas particularidades. Um futuro de paz necessita que os Europeus alarguem a sua consciência, de forma a fazerem crescer uma solidariedade entre todos os países que constituem o continente. É fundamental multiplicar contactos e formas de partilha e de colaboração.

A construção da unidade do continente não pode ser efectuada sem que, em primeiro lugar, o diálogo e a escuta se instaurem entre os países: os da União Europeia e os outros, os da Europa Ocidental e os da Europa Central e Oriental, os do Norte e os do Sul. Cada país, pequeno ou grande, deve poder fazer ouvir a sua voz, com a sua especificidade. O esforço para compreender o interior da consciência dos outros é condição para que as atitudes, por vezes discordantes, sejam melhor decifradas e não suscitem reações motivadas somente pela emoção.

Poderão os Europeus descobrir que as suas raízes comuns são bem mais profundas do que as suas divergências?

A Europa desenvolveu um impulso de reconciliação após a Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, depois da queda do Muro de Berlim, conheceu um novo período de busca da unidade. Muitos jovens pensam que a Europa não continuará a edificar-se sem aprofundar este ideal de fraternidade. Aspiram a uma Europa não apenas unida no interior de si mesma, mas aberta aos outros continentes e solidária com os povos que atravessam grandes provações.

Em todo o mundo, há mulheres, homens e crianças que são obrigados a abandonar a sua terra. É o desespero que cria neles a motivação para partir. É mais forte do que as barreiras erguidas para travar a sua marcha. As manifestações de inquietação nas regiões ricas não desmotivam a deixar o seu país aqueles que lá vivem sofrimentos intoleráveis.

Alguns afirmam: «Não podemos acolher todas as pessoas». Outros, pelo contrário, consideram que os movimentos de populações a que assistimos são inevitáveis, pois resultam de situações insuportáveis. Procurar regular estes movimentos é legítimo e necessário. Abandonar os refugiados às mãos de traficantes, arriscando a sua morte no Mediterrâneo, contradiz todos os valores humanos.

Não é possível ignorar a parte de responsabilidade dos países ricos nas feridas da História e nos distúrbios ambientais que provocaram e continuam a provocar múltiplas migrações, desde África, Médio Oriente, América central, e ainda de outras regiões. Hoje, algumas escolhas políticas ou económicas dos países ricos continuam a provocar instabilidade noutras regiões. As sociedades ocidentais precisam de ir além do medo do estrangeiro, das diferenças culturais, e corajosamente começar a moldar o novo rosto que lhes estão a dar já as migrações. Ainda que verdadeiras dificuldades estejam associadas à chegada de migrantes, a sua vinda pode ser uma oportunidade para estimular a Europa a ser mais aberta e solidária.

Existem locais em que o número de pessoas que chegam é tal que os habitantes se sentem assoberbados e exaustos: um fardo demasiado pesado permanece sobre os seus ombros, pois os países europeus ainda não conseguem assumi-lo em comum. Porém, muitos oferecem um acolhimento generoso aos refugiados e fazem a experiência de que o contacto pessoal desenvolve frequentemente uma bela fraternidade recíproca.

Nada substitui os contactos pessoais. Esta verdade aplica-se especialmente em relação ao Islão. Muçulmanos e cristãos podem procurar gestos para testemunhar juntos a paz e rejeitar em conjunto a violência exercida em nome de Deus. Há 800 anos, no seu desejo de contribuir para a paz, Francisco de Assis não hesitou em ir ao encontro do Sultão do Egipto. A Madre Teresa consagrou a sua vida aos mais pobres, independentemente das suas religiões.

Os países europeus que se queiram isolar não terão futuro. Entre europeus, como perante os refugiados, a fraternidade é o único caminho para preparar a paz.

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