I Semana da Quaresma

I Domingo da Quaresma

Da mansidão

Faz-nos trilhar, Senhor, a estrada da mansidão.

Ajuda-nos a contrariar a ferocidade do tempo, fora e dentro de nós.

Que a tua paz seja a fonte secreta que tudo irriga, inspira e sustenta. Tudo provenha dessa paz sem vencidos nem vencedores; dessa paz que acalma as ameaças e os cercos implacáveis; dessa paz pronunciada ao mesmo tempo com o máximo de firmeza e o máximo de doçura.

Dá-nos mansidão nas palavras que tão facilmente perdem o sentido da humildade.

Dá-nos mansidão nos gestos que tão facilmente se fazem mecânicos e duros.

Dá-nos mansidão nos propósitos, que a competição empurra para uma agressividade sempre mais cortante.

Que o nosso coração não se pareça a uma arena inconciliável, mas se reconheça sim na mansidão das paisagens reconciliadas, aprendendo a lição dos pequenos cursos de água que, quase sem rumor, fazem florir a terra.

José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”

Segunda-feira

Presença

Senhor, pode acontecer que pareças estar longe. Será que a confiança da fé consiste em dizer “sim” ao amor de Deus, apesar de haver em nós um silêncio profundo? A fé é como um impulso de confiança mil vezes retomado ao longo da nossa vida.

Mesmo quando não a sentimos, a presença misteriosa de Cristo nunca desaparece. Pode haver em nós uma impressão de ausência, mas há antes de tudo a possibilidade de nos maravilharmos diante da sua contínua presença.

Quando as nossas inquietações conseguem afastar-nos da confiança da fé, interrogamo-nos: será que me tornei incrédulo? Não. Trata-se apenas de brechas de incredulidade e nada mais.

O Evangelho convida-nos a confiar sempre de novo em Cristo e, com Ele, fazer crescer em nós uma vida de contemplação. Cristo diz a cada pessoa estas palavras do Evangelho: “Procura! Procura e encontrarás.”

Irmão Roger in “Deus só pode amar”

Terça-feira

Não nos cansemos de fazer o bem

A ressurreição de Cristo anima as esperanças terrenas com a «grande esperança» da vida eterna e introduz, já no tempo presente, o germe da salvação. Perante a amarga desilusão por tantos sonhos desfeitos, a inquietação com os desafios a enfrentar, o desconsolo pela pobreza de meios à disposição, a tentação é fechar-se num egoísmo individualista e, à vista dos sofrimentos alheios, refugiar-se na indiferença. Com efeito, mesmo os recursos melhores conhecem limitações. A Quaresma chama-nos a repor a nossa fé e esperança no Senhor, pois só com o olhar fixo em Jesus Cristo ressuscitado é que podemos acolher a exortação do Apóstolo: «Não nos cansemos de fazer o bem» (Gal 6, 9).

Não nos cansemos de rezar. Jesus ensinou que é necessário «orar sempre, sem desfalecer» ( Lc 18, 1). Precisamos de rezar, porque necessitamos de Deus. A ilusão de nos bastar a nós mesmos é perigosa. Se a pandemia nos fez sentir de perto a nossa fragilidade pessoal e social, permita-nos esta Quaresma experimentar o conforto da fé em Deus, sem a qual não poderemos subsistir (cf. Is 7, 9). No meio das tempestades da história, encontramo-nos todos no mesmo barco, pelo que ninguém se salva sozinho; mas sobretudo ninguém se salva sem Deus, porque só o mistério pascal de Jesus Cristo nos dá a vitória sobre as vagas tenebrosas da morte. A fé não nos preserva das tribulações da vida, mas permite atravessá-las unidos a Deus em Cristo, com a grande esperança que não desilude e cujo penhor é o amor que Deus derramou nos nossos corações por meio do Espírito Santo (cf. Rm 5, 1-5).

Papa Francisco  in “Mensagem para a Quaresma de 2022”

Quarta-feira

O mal não terá a última palavra

Este ano, o Tempo da Quaresma começa quando o continente europeu é atingido pela guerra. Esta trágica notícia mergulha-nos em pleno no mistério do mal. O próprio Jesus fez essa experiência ao aceitar livremente perder a vida na cruz: ele foi até ao extremo do sofrimento. A caminho da Páscoa, somos sustentados por esta esperança: para além da cruz, através da ressurreição de Cristo, Deus abriu um caminho de vida para toda a humanidade.

Para viver este Tempo da Quaresma em solidariedade com aqueles que sofrem com a guerra que assola a terra da Ucrânia, levemos na nossa oração as vítimas e as suas famílias enlutadas, os feridos, aqueles que tiveram que fugir, aqueles que quiseram e não puderam fazê-lo, e também todos aqueles que optaram por ficar onde moram. Pensemos nas pessoas mais vulneráveis, que serão as primeiras a sofrer as consequências do conflito armado, nas crianças que sofreram, nos jovens que não veem futuro.

Na nossa oração, não nos esqueçamos de pedir ao Espírito Santo que inspire os líderes dos povos e todos aqueles que estão em condições de influenciar o curso dos acontecimentos, para que o fogo das armas cesse o mais rápido possível. Rezemos para que a guerra não aumente as divisões dentro das igrejas e das famílias e que os líderes da igreja acompanhem todos os que são afetados por esta terrível provação. E como toda a vida humana conta aos olhos de Deus, pensemos nos combatentes de todos os países envolvidos e também nas suas famílias, por exemplo naquelas avós que veem os seus netos irem para a frente, para uma guerra que não escolheram nem desejaram. Talvez, um dia, eles saiam às ruas para proclamá-lo…

Como este Tempo da Quaresma começa sob auspícios sombrios, somos chamados a viver estes quarenta dias em comunhão com aqueles que, não só na Europa, mas em todo o mundo, são afetados pela violência. Na cruz, Cristo abriu os braços para abraçar toda a humanidade. Uma humanidade muitas vezes dilacerada, mas para sempre unida no coração de Deus.

Irmão Alois de Taizé in www.taize.fr

Quinta-feira

Pedagogia da Interioridade

Somos convidados a viver a Quaresma como uma escola de vida. Nestes dias, ao entrar no deserto da aprendizagem, teremos a oportunidade de experimentar um novo modo de compreender a vida: ativar os recursos, dons, capacidades… E integrar os limites, fragilidades, crises… É preciso alargar o espaço no coração e na mente para acolher as “coisas novas” que Deus quer nos ensinar.

Em sintonia com toda as comunidades cristãs, somos chamados a viver o “tempo quaresmal” sempre de maneira nova e inspiradora. O centro da nossa vida é Jesus Cristo, a sua pessoa, o seu ensinamento, o mistério da sua morte e da sua ressurreição. O caminho do seu seguimento é sempre rico e surpreendente. Muitas vezes, corremos o risco de viver o tempo litúrgico como uma celebração rotineira, algo já conhecido.

Como alunos da “escola quaresmal” viveremos, em primeiro lugar, um deslocamento interno, mobilizando as nossas riquezas, despertando os nossos desejos e reacendendo o impulso para uma identificação maior com o Mestre de Nazaré; em segundo lugar, viveremos uma travessia externa para alimentar um compromisso solidário e sermos presenças que fazem a diferença na grande escola da vida. Nesse sentido, a vivência quaresmal é uma verdadeira “escola de vida”, cujo aprendizagem nos leva ao centro do nosso ser, para enraizar nossa vida no coração de Deus, dele saborear a seiva da “divina sabedoria” e deixar-nos fortalecer pela sua graça transbordante.

Assim, a pedagogia da interioridade apresenta-se como uma proposta sempre atual, que favorece a redescoberta do mundo interior, ou seja, tudo o que se refere à dimensão do coração, das intenções profundas, das decisões que partem das raízes internas. O coração de cada um é habitado de sonhos de vida, de futuro, de projetos; ele é a sede das decisões vitais, o lugar das riquezas pessoais, onde se encontram os dinamismos do crescimento, de onde partem as aspirações e desejos fundamentais. A pedagogia da interioridade, portanto, possibilita viver a “sabedoria do coração”.

Adroaldo Palaoro, sj in “Avvenire”

Sexta-feira

Olhar a cruz

Fixemos bem aquele homem crucificado entre a terra e o céu, contemplemo-lo com um olhar mais profundo, e descobriremos que a Cruz não é o sinal da vitória da morte, do pecado, do mal, mas o sinal luminoso do amor, mais ainda, da imensidão do amor de Deus, daquilo que não teríamos jamais  podido pedir, imaginar ou esperar. Deus debruçou-Se sobre nós até chegar ao ângulo mais escuro da nossa vida, para nos estender a mão e atrair-nos a Si, levar-nos até Ele.

A Cruz fala-nos do amor supremo de Deus e convida-nos a renovar, hoje, a nossa fé na força deste amor, a crer que em cada situação da nossa vida, da história, do mundo, Deus é capaz de vencer a morte, o pecado, o mal, e dar-nos uma vida nova, ressuscitada. Na morte do Filho de Deus na cruz, há o gérmen de uma nova esperança de vida, como o grão de trigo que morre no seio da terra.

Fixemos o nosso olhar em Jesus Crucificado e peçamos, rezando: Iluminai, Senhor, o nosso coração, para Vos podermos seguir pelo caminho da Cruz; fazei morrer em nós o «homem velho», ligado ao egoísmo, ao mal, ao pecado, e tornai-nos «homens novos», mulheres e homens santos, transformados e animados pelo vosso amor.

Papa Bento XVI  in “Via sacra no Coliseu de Roma, 2011 – textos e meditações”

Sábado

A vida indecifrável

Talvez, Senhor, tudo parta daqui: deste sentimento irremovível de que a vida é mais. É mais bela e feia, mais justa e injusta, mais positiva e negativa, mais poderosa e frágil, mais ampla e miniatural do que aquilo que eu posso controlar, com os instrumentos que normalmente estão ao meu dispor: a vontade, a razão ou o desejo.

A vida é sempre mais. O seu turbilhão ou a sua marcha lenta; a sua inquietude ou o seu estado inerme, apagado; a sua pulsão vital declarada, quase estonteante, e, ao mesmo tempo, a sua discrição que me obriga a aplicar bem o ouvido se a quiser captar.

A vida é maior. E, por isso, tantas vezes, perante a grandiosidade da vida sinto o fascínio e o estilhaço, sinto uma espantosa empatia e um medo que paralisa, pois ela ultrapassa-me, foge-me a cada instante, resiste-me indecifrável. Ajuda-me, Senhor, a ser humilde perante a vida, pois é mais aquilo que desconhecemos do que aquilo sobre o qual podemos falar. Dá-me a capacidade de abraçar a vida quando ela não for exatamente aquilo que eu previ.

José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”