II Semana do Advento

II Domingo do Advento

Olhar com os olhos de Deus

Nós, cristãos, lemos a história em chave de renovação. A história nunca está perdida, nós nunca podemos dizer: “ É irremediável, é irrecuperável, não há nada a fazer.” Pelo contrário, sentimos que a história é tornada reversível, o que era o fim pode ser um princípio porque Deus investe aí a Sua Graça.


Em tempo de Advento, é tempo para olhar para a humanidade com os olhos de Deus, como o lugar sagrado, a história sagrada por excelência e acreditar que nada é irreversível, que nós não podemos tornar fatal a nossa história, acreditar que há um fado destrutivo em relação àquilo que somos. O Cristianismo vem desfatalizar a história, abrir a história neste Deus que assume a nossa condição humana. E por isso nós, recuperando as narrativas evangélicas, construímos nas nossas casas o presépio, que é no fundo o Deus que Se faz menino, que como todos nós começa assim a Sua história. Um Deus que encarna na nossa carne, na vitalidade tipicamente humana, nesta mistura de carne e de sonho. Nisto de cinza e de infinito que cada um de nós é, o próprio Deus vive também a Sua aventura.

Ele vem para nós podermos ser. Deus torna-se o Homem para que o Homem se sinta divino. E é tão importante que neste tempo de Advento cada um de nós se sinta divino, porque cada um de nós é divino. Aquilo que nos habita, o sopro que nos habita é um sopro divino. Por isso, a nossa vida é chamada a refletir essa luz, a refletir essa verdade essencial que repousa sobre cada um de nós e que repousa sobre cada criatura. Nós temos a missão de avivar, de dizer isso, de dedicar aos outros palavras de afeto, de entusiasmo, de consolação, de exortação. Porque cada um de nós é uma coisa de Deus, é uma presença de Deus, é uma teofania, é um lugar onde Deus Se manifesta, é um sorriso de Deus, é uma expectativa de Deus.

José Tolentino Mendonça in “Homilia na Solenidade da Imaculada Conceição (8.12.16)”

Segunda-feira

A profecia do silêncio

A tradição espiritual, não só cristã, sempre reconheceu a essencialidade do silêncio para uma vida interior autêntica. Só o silêncio, de facto, torna possível a escuta, isto é, o acolhimento em si não apenas da palavra pronunciada, mas também da presença daquele que fala. O silêncio é linguagem de amor, de profundidade, de presença do outro.

Devemos confessar: precisamos do silêncio! Ele é nos necessário de um ponto de vista puramente antropológico, porque o homem, que é um ser de relação, comunica de modo equilibrado e equilibrado apenas graças à harmónica relação entre palavra e silêncio. Mas precisamos do silêncio também do ponto de vista espiritual. Para a fé judaica e cristã, o silêncio é uma dimensão teológica. Não se trata simplesmente de abster-se de falar ou da ausência de ruídos, mas sim do silêncio interior, aquela dimensão que nos restitui a nós mesmos, nos coloca no plano do ser, diante do essencial. “No silêncio, é inerente um maravilhoso poder de observação, de esclarecimento, de concentração sobre as coisas essenciais” (Dietrich Bonhoeffer).

O silêncio é guardião da interioridade, já que nos conduz de uma dimensão primária e “negativa” de sobriedade, disciplina no falar ou mesmo de abstenção de palavras, a um nível mais profundo, de intensa vida espiritual: isto é, de silenciar os pensamentos, as imagens, as rebeliões, os julgamentos, as murmurações que nascem no coração. É o difícil silêncio interior, aquele que encontra o seu próprio âmbito vital no coração, lugar da luta espiritual. Mas justamente esse silêncio profundo gera a atenção, o acolhimento, a empatia para com o outro.  O silêncio escava no nosso profundo um espaço para ali fazer habitar a alteridade, para fazer ressoar a palavra e, ao mesmo tempo, nos dispõe à escuta inteligente, ao falar comedido, ao discernimento daquilo que arde no coração do outro e que está escondido no silêncio do qual nascem as suas palavras. O silêncio, então, esse silêncio, suscita em nós a caridade, o amor pelo irmão.

Enzo Bianchi in “Avvenire”

Terça-feira

Um Deus que de senhor e rei se faz amigo

“Assim como o Pai me amou, também Eu vos amei, permanecei neste amor.”(Jo 15, 9-17) Há uma estrada, até fácil, mapeada nas palavras: permanecei no meu amor. Se já estais dentro, então ficai, não saiais, não fujais. Muitas vezes resistimos, defendemo-nos do amor, temos a memória de muitas feridas e desilusões, esperamos traições.

Mas o Mestre, o curador do desamor, propõe a sua pedagogia: amai-vos uns aos outros. Não simplesmente: amai. Mas: uns aos outros, na reciprocidade de dar e do receber. Porque amar pode ser o suficiente para preencher uma vida, mas amar reamado chega para muitas vidas.

Depois a palavra que faz a diferença cristã: amai-vos como Eu vos amei. Como Cristo, que lava os pés aos seus; que não julga e não manda ninguém embora; que te olha e te ama; à procura da última ovelha com ternura combativa, às vezes corajoso como um herói, às vezes terno como um enamorado. Significa tomar Jesus como medida alta do viver. Na verdade, quando é que a nossa fé é verdadeira e quando é que é simples religião? «A fé é quando te fazes a ti mesmo à medida de Deus; a religião é quando trazes Deus à tua medida» (D. Turoldo).

Será Jesus a aproximar-se da nossa humanidade: vós sois meus amigos. Já não sois servos, mas amigos. Palavra doce, música para o coração do homem. A amizade, algo que não se impõe, não se finge, não se mendiga. Que diz alegria e igualdade: dois amigos estão no mesmo nível, não há um superior e um inferior, quem manda e quem executa. É o encontro de duas liberdades. Chamo-vos amigos: um Deus que de Senhor e rei se faz amigo, que se coloca ao lado do amado!

O amor é para ser levado a sério, é sobre o nosso bem-estar, a nossa alegria. Deus, um Deus feliz («minha alegria»), gasta a sua pedagogia para tornar os seus filhos felizes, que amam a vida com coração livre e forte e desfrutam dela, e desfrutam da sua grande beleza. A alegria é um sintoma: assegura-te que estás a caminhar bem, que estás no caminho certo, que o teu caminho aponta diretamente para o coração caloroso da vida. Jesus, pobre de tudo, não foi pobre de amigos, pelo contrário, celebrou com alegria a liturgia da amizade, para sentir vibrar nela o próprio nome de Deus.

Ermes Ronchi  in “Avvenire”

Quarta-feira

O melhor da noite é que se pode ver uma estrela em qualquer parte

Ao contemplarmos a história da salvação encontramos um curioso paradoxo: Deus, que tem um fuso horário próprio, é claramente noturno. O Deus que é Luz e em quem não há nenhumas trevas, o Deus que fez a luz e chamou dia à luz e noite às trevas, o Deus que é Senhor do dia e da noite, parece ter pela noite uma predileção especial. Deus ama a noite e tem aí o cenário privilegiado dos grandes e dramáticos acontecimentos da Sua história de salvação.

O primeiro Natal é noturno. Em todos os aspetos! Tem um andamento disruptivo e fora do compasso, bastante caótico e fora do plano. Foi um Natal com muitas “restrições” e “inconvenientes”. Não foram “rosas nem flores”, mas dificuldades e preocupações. Foi um Natal vivido na noite do tempo e da incerteza, nos contratempos e nas dificuldades que dominavam a vida de Maria e José e daquele Menino que nascia.

Como a história de Jesus, Maria e José, a nossa história pessoal tem momentos luminosos e momentos obscuros, luzes e sombras. Um bom e verdadeiro Natal não é o Natal sem contradições ou dificuldades. O verdadeiro Natal é o nascimento de Jesus, é aquele Natal em que Deus entra na história por sua própria iniciativa. E Deus não muda só as circunstâncias, muda a história, porque a refaz por dentro e nos refaz a nós para vivermos no meio da noite como sentinelas que esperam pela aurora, confiados numa promessa e numa presença luminosa que nos transforma e nos habita o coração.

Precisamos de acreditar que neste ano, na noite deste Natal, “quando o espírito das trevas encobre o mundo, se renova o acontecimento que sempre nos assombra e surpreende: o povo no caminho vê uma grande luz, Jesus veio libertar-nos das trevas e dar-nos a luz” (Papa Francisco). O presente que vivemos pode não ser todo luminoso, mas é uma noite onde Deus nos convida a entrar. Porque o melhor da noite é que se pode ver uma estrela em qualquer parte!

Padre Nuno Amador in www.pontosj.pt

Quinta-feira

Precisamos de Luz

Advento. A espera em esperança da vinda de Deus. Se tivéssemos tempo, melhor, se nos detivéssemos a saborear o tempo, na beleza de cada momento, ficaríamos a contemplar a luz da coroa que se acende ao começar a Missa ao longo do Advento. Gosto tanto da imagem da luz que se espalha, como preparação e anúncio da Luz maior que vem. ⠀

O mundo precisa de luz. Sinto o soturno a crescer. Os cansaços a vários níveis entrecruzados com falta de empatia fazem com que cada pessoa se sinta mais presa: ao medo, à desconfiança, à dor, ao sofrimento, ao desespero. Parece que estamos sozinhos no mundo. A força do aparente super-poder humano leva a isso. Mas, não. Somos de relação. E tal deveria ser marca de esperança. A relação que nos convida a crescer como pessoas, a saber ajudar e a pedir ajuda; a saber calar e falar; a saber libertar da ganância e do que impede que o outro seja; a saber dar tempo a contemplar sem necessariamente possuir e simplesmente deleitar. Sei que isso não traz comida para a mesa. Mas também sei que tal humaniza, deixando que a clarividência do sentimento e do pensamento nos afaste das trevas da posse e nos encaminhe para o cuidado e o respeito, por nós próprios e pelo próximo. ⠀

Precisamos de luz. De mãos dadas com o silêncio que nos permita escutar o tresmalhar das folhas caídas do que já não nos pertence pelos passos novos da existência que se transforma, converte, modifica no caminho novo. O Advento é oportunidade para recomeçar, nessa Esperança que atravessa a dor, o cansaço, o sofrimento, abrindo-nos à fé que, depois da travessia feita, revela o nascer do divino em nós. E sozinhos não estamos. Deus é connosco. Mas quer sê-lo em liberdade. Por isso, mantém a esperança de nos ver crescer a atravessar as sombras com a Sua Luz.

Padre Paulo Duarte in https://www.instagram.com/pauloduartesj

Sexta-feira

Colocar a Palavra em prática

Neste mundo em que somos bombardeados por toda a espécie de mensagens, a palavra do Evangelho torna-se, por vezes, inaudível. Por diversas razões, o anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo torna-se pouco acessível para uma grande parte do mundo. A epístola de São Tiago, dirigida às comunidades cristãs dispersas ao redor da Palestina, mantém a sua atualidade no nosso mundo multicultural, secularizado e mundializado. Sublinha a importância das obras, ou seja, da prática concreta do amor. Não se trata de nos contentarmos com a escuta da Palavra, mas de agir.

Tiago exorta os seus leitores a estarem «pontos a ouvir mas lentos a falar». Nunca se afirmará demasiado, a todos os escalões da sociedade, a importância da escuta para construir e manter a paz. Esta virtude é pedida especialmente aos que assumem responsabilidades.

A Palavra está já semeada em nós. É uma Boa Nova: Cristo amou-nos e, por nós, oferece-se a Deus. Podemos, então, viver no amor, porque ele nos amou primeiro. É preciso acolher preciosamente esta palavra de vida e de verdade, porque ela nos pode salvar a vida. Acolher a Palavra significa, também, colocá-la em prática. Meditá-la e contemplá-la não é suficiente. Para São Tiago, colocar o amor em prática está estreitamente ligado com o culto de Deus. A solidariedade com os pobres é não somente uma obrigação ética, mas, também, uma forma de reencontrar o Senhor, que se identifica com os mais pequenos. Não é possível separar ação e oração, luta e contemplação, solidariedade e vida interior. A verdadeira religião nunca é uma fuga das realidades da vida. Para São Tiago, a recusa da mundanidade caminha de mãos dadas com o compromisso junto dos pobres em angústia.

Traduzida em ações concretas de amor, a linguagem da fé pode redescobrir a sua força e o seu significado. Assim, a palavra do Evangelho pode tocar os corações de homens e de mulheres fora das nossas Igrejas, pode mudar as suas vidas.

Comunidade de Taizé in “Textos bíblicos com comentário” (www.taize.fr)

Sábado

Deus veio ao mundo

Deus poderia ter vindo ao mundo da forma que quisesse. Deus poderia ter vindo ao nosso encontro como governante poderoso, nascido numa família rica e privilegiada. Ou poderia ter vindo como uma voz desencarnada, que falasse do alto dos céus. Mas Deus quis encontrar-se connosco no lugar onde nós estamos. Por isso, Deus veio, primeiro que tudo, como ser humano de quem os outros homens e mulheres se pudessem aproximar. Deus não é apenas uma sarça ardente, uma coluna de fogo ou até uma nuvem misteriosa, tal como é descrito em várias passagens no Antigo Testamento. Deus é um de nós.

Deus veio até nós no menos ameaçador dos estados humanos: como um bebé. Deus entrou no nosso mundo dependente dos outros para ser mudado, alimentado, embalado e cuidado. Deus veio ao nosso mundo completamente desamparado para nos amparar a nós.

Jesus veio sem antecedentes notáveis. O Filho de Deus não era ninguém especial. Quando Jesus começou a pregar, os seus conterrâneos diziam: “Não é este o filho do carpinteiro?”. Por outras palavras: “Quem, Ele?”

Deus vem ao mundo como ser humano, correndo o risco de deixar Maria e José confusos, a fim de que nós não sejamos confundidos. Confusos frente a Deus? Olhemos para Jesus. Vejamos aquilo que Ele faz. Escutemos as suas palavras.

Como podemos reagir à entrada de Deus nas nossas vidas? De uma forma muito semelhante à de Maria e de José, e à dos pais de hoje em dia: protegendo e alimentando algo único. A fé precisa de ser alimentada. Isso não significa que temos de proteger a nossa fé do Mundo, fechando-nos às preocupações da vida moderna. Pelo contrário, à semelhança do que Maria e José fizeram por Jesus, somos convidados a responder ao dom com um cuidado reverente. Somos chamados a alimentar a nossa fé com oração, adoração, leitura, liturgia e conversas espirituais.

James Martin in “Jesus – Um encontro passo a passo”