III Domingo da Quaresma
Deus caminha connosco
Como renovar uma vida interior, descobrindo e redescobrindo sempre de novo a relação pessoal com Deus? Há em todos nós uma sede de infinito. Deus criou-nos com este desejo de absoluto.
Se, por vezes, caminhamos de noite ou atravessamos um deserto, não o fazemos para seguir um ideal; como crentes, seguimos uma pessoa: Cristo. Não estamos sozinhos; Ele vai à nossa frente. Segui-lo implica um combate interior, com decisões a tomar, com fidelidades de toda uma vida. Neste combate, não nos apoiamos sobre as nossas próprias forças, mas abandonamo-nos à sua presença. O caminho não está traçado antecipadamente; implica também acolher surpresas, criar com o inesperado. E Deus não se cansa de retomar o caminho connosco.
A Quaresma é um tempo que nos convida à partilha. Leva-nos a pressentir que não nos sentiremos realizados se não aceitarmos fazer renúncias. Renúncias feitas por amor. Quando Jesus se encontrava no deserto, cheio de compaixão por aqueles que o tinham seguido, multiplicou cinco pães e dois peixes para alimentar todos os que ali estavam. Que sinais de partilha podemos nós hoje realizar?
O Evangelho valoriza a simplicidade de vida. A simplicidade escolhida livremente permite que os mais favorecidos resistam à corrida ao supérfluo e contribui para a luta contra a pobreza imposta aos mais desfavorecidos. Sim, o Evangelho chama-nos à simplicidade. Escolher a simplicidade abre o nosso coração à partilha e à alegria que vem de Deus. O Evangelho incentiva-nos a partilhar livremente, dispondo de tudo na beleza simples da criação.
Irmão Alois de Taizé in “Ousar acreditar – a celebração da fé em Taizé”
Segunda-feira
A vida silenciosa
Senhor,
a velocidade com que vivemos impede-nos tantas vezes de viver. Damos por nós ofegantes, fazendo por fazer, atropelados por agendas e jornadas. As coisas acontecem depressa demais, ninguém parece ter certeza de nada, nem de si mesmo. Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informações que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso e efémero.
Ensina-nos o contrário disso, Senhor. Ensina-nos, Senhor, o aqui e o agora da escuta e da presença. Faz-nos reaprender o inteiro, o intacto, o verdadeiro, o afável, o fiel, o atento, o confiado. Faz-nos compreender que tal não só é possível como é o dom que nos está a ser oferecido nesta hora.
Que ousemos assim transcender o nosso cálculo estreito; escolher mais vezes a vida silenciosa; valorizar encontros, gestos que sejam sementeiras, afetos onde se desenha a surpresa da misericórdia.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”
Terça-feira
Gestos de compaixão
Senhor, nosso Deus,
revelastes-nos que, em cada pobre que está nu, preso, sedento, sois Vós que nos apareceis, e sois Vós que nós acolhemos, visitamos, vestimos e damos de beber: «Era peregrino e recolhestes-Me, estava nu e destes-Me que vestir, adoeci e visitastes-Me, estive na prisão e fostes ter comigo» (Mt 25, 35-36). Mistério do vosso encontro com a nossa humanidade! Assim vindes ter com cada homem! Ninguém está excluído deste encontro, se aceitar ser homem de compaixão.
Nós Vos apresentamos, como uma oferta santa, todos os gestos de bondade, hospitalidade e dedicação que dia a dia são feitos neste mundo. Dignai-Vos reconhecê-los como a verdade da nossa humanidade, que fala mais alto que todos os gestos de rejeição e de ódio. Dignai-Vos abençoar os homens e as mulheres de compaixão que Vos dão glória, mesmo que não saibam ainda pronunciar o vosso nome.
Anne-Marie Pelletier in “Via sacra no Coliseu de Roma, 2017 – textos e meditações”
Quarta-feira
Onde Tu estás
Senhor,
quando estava inquieto, acalmaste os meus tormentos.
Quando estava cansado, ofereceste-me repouso.
Quando estava só, trouxeste-me amor.
Quando era pequeno, ensinaste-me a ler.
Quando não tinha casa, abriste as tuas portas.
Ferido no combate, curaste as minhas feridas.
Quando buscava a bondade, estendeste-me a mão.
Quando era insultado e humilhado, levaste a minha cruz.
Quando estava preocupado, partilhaste a minha tristeza.
E quando estava feliz, partilhaste a minha alegria.
Madre Teresa de Calcutá in “Oração: frescura de uma fonte”
Quinta-feira
Está inscrito nas árvores: a lei da vida é dar
Quem não quer bem a si próprio, só vê mal à sua volta; quem não está bem consigo, está mal também com os outros. Ao contrário, aquele que se reconciliou com o seu profundo, vê o outro com bênção. Com olhar abençoante. Deus olhou e viu que tudo muito bom. O Deus bíblico é um Deus feliz, que não só vê o bem, como o emana, porque tem um coração de luz e o seu olho bom é uma lâmpada, onde pousa espalha luz. Um olho mau, ao invés, emana obscuridade, multiplica ciscos, espalha amor pela sombra. Ergue uma trave diante do Sol.
Não há árvore boa que produza maus frutos. A moral evangélica é uma ética da fecundidade, de frutos bons, de esterilidade vencida, e não de perfeição. Deus não procura árvores sem defeitos, com nenhum ramo quebrado pela tempestade, ou contorcido de cansaço, ou esburacado pelo pássaro ou pelo inseto. A árvore ultimada, que chegou à perfeição, não é aquela sem defeitos, mas a dobrada pelo peso de muitos frutos repletos de Sol e de sucos bons.
Assim, no último dia, esse dia da verdade de cada coração, o olhar do Senhor não se pousará sobre o mal, mas sobre o bem; não sobre mãos limpas ou não, sobre frutos carregados de espigas e pão, cachos, sorrisos, lágrimas enxugadas. A lei da vida é dar. Está escrito nas árvores: não crescem entre terra e céu durante dezenas de anos por si mesmas, simplesmente para se reproduzirem: ao carvalho e ao castanheiro bastaria uma bolota, um ouriço a cada trinta anos. Em vez disso, a cada outono oferecem o espetáculo de uma magnificência de frutos, um desperdício de sementes, um excesso de colheita, muito mais do que o necessário para apenas se reproduzirem. É vida ao serviço da vida, dos pássaros do céu, dos insetos esfomeados, dos filhos do homem, da mãe terra. As leis da realidade física e as do espírito coincidem.
Também a pessoa, para estar bem, deve dar, é a lei da vida: deve fazê-lo o filho, o marido, a mulher, a mãe com a sua criança, o ancião com as suas memórias. Cada ser humano bom extrai o bem do bom tesouro do seu coração. Todos nós temos um tesouro, é o coração: a cultivar como um Éden; a gastar como um pão; a proteger com desvelo porque é a fonte da vida. Por isso, não sejas avarento com o teu coração: dá-o.
Ermes Ronchi in “Avvenire”
Sexta-feira
É tudo amor
A Cruz de Jesus é a Palavra com que Deus respondeu ao mal do mundo. Às vezes parece-nos que Deus não responde ao mal, que permanece calado. Na realidade, Deus falou, respondeu, e a sua resposta é a Cruz de Cristo: uma Palavra que é amor, misericórdia, perdão. É também julgamento: Deus julga amando-nos. Se acolho o seu amor, estou salvo; se o recuso, estou condenado, não por Ele, mas por mim mesmo, porque Deus não condena, Ele unicamente ama e salva.
A palavra da Cruz é também a resposta dos cristãos ao mal que continua a agir em nós e ao nosso redor. Os cristãos devem responder ao mal com o bem, tomando sobre si a cruz, como Jesus. Continuemos esta Via-Sacra na vida de todos os dias. Caminhemos juntos pela senda da Cruz, caminhemos levando no coração esta Palavra de amor e de perdão. Caminhemos esperando a Ressurreição de Jesus, que tanto nos ama. É tudo amor!
Papa Francisco in “Via sacra no Coliseu de Roma, 2013 – textos e meditações”
Sábado
Para atravessar os tempos de desânimo
Em tempos, como os de hoje, de alargado desânimo, a pergunta “quem sou?” e “como estou?” devem dar espaço ao grande chamamento de Deus: “para quem sou?”. E isto não num apagamento do “eu”, mas vivido de forma que possamos florescer, e reconhecer-nos como “amor que se dá”. E reconhecer-nos como discípulos de Jesus.
Os Evangelhos, bem como todos os relatos da Sagrada Escritura, são poços onde podemos saciar a nossa sede de sentido e de esperança. Estes poços são lugares-convite, que nos devem deter brevemente, lugares aos quais somos chamados para habitar, saborear, e, pela graça do Espírito, vivificar criativamente no nosso quotidiano.
Aos relatos da Sagrada Escritura, podemos acrescentar as muitas histórias de resistência ao mal e ajuda aos irmãos. Histórias que são tendas de encontro, onde paramos, repousamos, e que nos animam para o caminho que há ainda a fazer. Estas histórias, que se partilham e se fazem à mesa – que “fazem” mesa – são o material com o qual podemos construir os nossos altares.
Nós somos construtores de altares. Do material de que são feitos os nossos altares depende a luz que fazemos chegar ao mundo. Construamos os nossos altares com a nossa ação de graças, essa força que nos congrega em oração, e nos recorda a fonte de toda a bondade: o nosso Deus. Assim os nossos altares serão luzeiro para os que nos acompanham, e ficam no caminho como memorial da nossa oferta. Altares-fonte de luz para todos.
Somos possuidores de uma espera habitada, daí a nossa esperança. E essa esperança vive-se com outros, recordando que Deus responde sempre com alguém aos apelos do seu povo. Foi Ele quem suscitou David, Isaías e Jeremias e, na plenitude dos tempos, enviou Jesus. E este, enviando o seu Espírito, faz de todos nós enviados de Deus. Nós somos a resposta de Deus às preces da humanidade, continuadores da missão de compaixão de seu Filho pelo mundo.
Façamos da Sagrada Escritura poços que saciam a nossa sede. Façamos dos relatos de bondade as nossas tendas de encontro. E construamos altares com a nossa ação de graças, esta outra realidade que se constrói, não apesar do desânimo atual, mas no seu seio. Assim atravessaremos o desânimo. E as montanhas abater-se-ão. E os vales altear-se-ão. E veremos surgir um caminho para o Senhor, caminho que é a nossa própria vida.
Padre Nelson Faria in “pontosj”