III Semana do Tempo Comum

III Domingo do Tempo Comum

Oração dos novos inícios

Ajuda-nos a sorver de joelhos a vida e a sua sobreabundância de mistério, porque ela, de tantas maneiras, fala de ti.

Ajuda-nos a lançar o nosso coração para o teu infinito nome, quando disso somos capazes e quando não o somos.

Ajuda-nos a oferecer as nossas bonanças e tempestades, o cinzento do chumbo de certos dias repetidos e o azul de um azul tal que quase nos escapa.

Ajuda-nos a reconhecer que é o teu amor que nos dá forma e que é pelas estradas celestes que caminhamos, mesmo quando sob os nossos pés nada mais vemos que um calcetado inseguro de aflições e pedras.

Ajuda-nos a abraçar com igual confiança o momento em que nos entregas o teu dom, num incrível sofrimento como numa incrível alegria.

Ajuda-nos a tomar consciência de que estamos aqui para celebrar e para encontrar em ti um sentido para tudo.

Ajuda-nos a colher a tua esperança que de dentro, impercetível, nos renova enquanto, passo a passo, nos movemos para ti.

Ajuda-nos a darmo-nos conta de que nós somos a rigidez e a pressa, enquanto Tu, Senhor, és a paciência e o tempo sem tempo, és o sorriso e és a linfa.

Ajuda-nos a sentir que as nossas almas e os nossos corpos em uníssono desejam ressuscitar.

José Tolentino Mendonça in “Avvenire”

Segunda-feira

A importância de desacelerar

Um dos alertas que nos foi dado pelo Papa Francisco na sua encíclica Laudato Si’ foi a necessidade de tomarmos consciência do ritmo frenético que se instalara nas nossas vidas. O termo por ele usado foi rapidación, essa velocidade imposta às ações humanas, fortemente contrastante com a lentidão natural da evolução biológica.” O convite feito a uma vida tranquila e mais amiga da Natureza implicaria um regresso à simplicidade.

As incertezas do nosso quotidiano não devem transformar-se em angústia. Encaremo-las preferencialmente como estímulos que nos abrem diferentes janelas. Abandonemos o stress que durante anos comandou as nossas vidas e saboreemos os tempos longos que nos permitem meditar, escrever, e gozar da companhia de amigos sem obediência a horários fixos. É tempo de revisitar um sem número de pessoas que no passado connosco conviveram, reatando velhas amizades. Há que redescobrir os cantos ocultos da nossa casa, substituir os vasos das varandas, plantar flores e conversar com elas, como fazia o Principezinho de Saint-Éxupéry. Pensando em termos musicais, troquemos o tempo rápido do allegro, pelo tempo lento do andante e inventemos novos ritmos para as nossas vidas. Habituemo-nos a substituir a velocidade pela intensidade. A lentidão não é necessariamente um defeito mas algo que se impõe na relação que estabelecemos com os outros, sendo essencial no cultivar dos afetos mais nobres como é o caso da amizade e do amor.

Tomando como referência o sociólogo Hartmut Rosa, há que reaprender a arte de escutar, estabelecendo novas relações com a Natureza, com os outros e connosco mesmos. A ressonância que nos propõe como cura para a aceleração constante em que vivemos tem uma dimensão diagonal que nos liga ao mundo das coisas, horizontal que nos une aos outros seres e vertical que nos abre à transcendência da experiência estética e religiosa. O imperativo da aceleração que progressivamente ganhou terreno nas sociedades ocidentais gerou múltiplas crises e hoje impõe-se uma política de desaceleração. A desaceleração imposta pelo momento que presentemente vivemos não é necessariamente negativa. Estejamos pois atentos à exortação premonitória que o Papa Francisco nos fez na encíclica – a urgência de trocar a velocidade que durante anos comandou o ritmo das nossas vidas, por uma desaceleração que nos proporcione um encontro em profundidade com os outros e com a Natureza, nossa amiga e nossa mãe.

Maria Luísa Ribeiro Ferreira in “setemargens.com”

Terça-feira

A arte do encontro

Os encontros revelam-nos sempre o nosso lugar no tempo e na história, desde que estejamos disponíveis para o movimento. Vamos para o encontro como somos e vamos como estamos. Muitas vezes estamos de ego tão exacerbado e de alma tão conturbada que apenas nos transportamos para os encontros, como caixas fechadas e vociferando impressões, sem nada ouvir e receber de quem nos rodeia.

A autorreferencialidade retira-nos a capacidade de nos vermos a nós mesmos, pois só o sermos vistos por um outro nos devolve – naquele tempo e lugar – o peso e a medida do nosso ser. A teia de relações e de encontros (e nós em movimento) recria-nos e saímos reinventados em cada permuta, descobrindo em nós luzes que levávamos e não víamos, e dando nós, com o nosso olhar, vigor e alento ao que parecia adormecido.

No tempo, vamos descrevendo interiormente esse peregrinar que parece tão óbvio, de substituir sonhos por experiências e estas a dar-nos, de forma encapotada ou nem por isso, o tom outonal de quem já viveu tudo. No encontro acordamos ao som dos sonhos dos outros, tão frescos e verdes como nos dias de primavera, e nós a vê-los dispostos a voar e a cair dos galhos (e nós deixando), pois ao planar só se chega se se tenta.

Percebemos sim, o nosso lugar que, de grande, imenso e omnipotente, se transforma, pelo amor, em preferência de quem vemos, destinado a ser maior do que o seu tempo, pois por ele nos fazemos mais pequenos. Esse deixar o outro crescer fazendo-nos mais pequenos, ao invés de reduzir, engrandece-nos. Do nosso passado o rasto das escolhas, do nosso presente o reabrir dos sonhos, do nosso futuro um lugar acompanhado, tão cheio e tão brilhante como aqueles com quem vamos.

Dina Matos Ferreira in “setemargens.com”

Quarta-feira

Deus nunca desiste de te tornar no melhor daquilo que podes ser

O pão compartilhado de Jesus é, muitas vezes, o sinal menos compreendido. As pessoas vão à procura dele, encontram-no e querem apoderar-se dele como garantia contra toda a fome futura. Mas o Evangelho de Jesus não fornece pão, antes fermento manso e poderoso no coração da História, para a fazer fluir rumo ao Alto, rumo à vida indestrutível. Jesus anuncia a sua pretensão: como Eu saciei num dia a vossa fome, assim posso preencher as profundidades da vossa vida. Muitos não querem segui-lo. Como eles, também eu, que sou criatura de terra, prefiro o pão, faz-me viver, é concreto e imediato. Deus e a eternidade são ideias fugazes, vagas. E não os julgo, a esses de Cafarnaum, não me sinto superior: há tanta fome na Terra que, para muitos, Deus só pode ter a forma de um pão.

Começa então uma incompreensão de fundo, um diálogo em dois planos diferentes: qual é a obra de Deus? E Jesus responde, desenhando diante deles o rosto amigo de Deus: como em tempos vos deu o maná, também hoje Deus dá. Duas palavras simplicíssimas, e todavia chaves da revelação bíblica: alimentar a vida é a obra de Deus. Deus não pede, Deus dá. Não pretende, oferece. Não exige nada, dá tudo.

Mas que coisa, especificamente, dá o Deus de Jesus? Nada entre as coisas ou os bens de consumo. Estamos diante de um dos cumes do Evangelho, de um dos nomes mais belos do Senhor: Ele é, na vida, dador de vida. O dom de Deus é Deus que se dá. Um dos nomes mais belos de Jesus: «Eu sou o pão da vida». Das suas mãos a vida flui, ilimitada e imparável. Pedro confirmá-lo-á um pouco mais à frente: «Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavras que fazem viver a vida». Que dão ao espírito, mente, coração, aos olhos e às mãos. A obra de Deus é uma quente corrente de amor que entra e faz florescer as raízes de cada ser humano. Para que se torne, como Ele, na vida dador de vida. Esta é a obra de Deus, acreditar naquele que Ele enviou.

No coração da fé está a tenaz e dulcíssima confiança de que a obra de Deus é Jesus: rosto alto e luminoso do humano, livre como ninguém, curador do desamor, que vai no teu encalço para que te tornes no melhor daquilo que podes ser.

Ermes Ronchi in “Avvenire

Quinta-feira

Perseverança

A vida cristã, como São Paulo a apresenta na Carta aos Romanos, não é um caminho de autorrealização individual no qual são dominantes as nossas próprias necessidades, nem uma ideologia que submete a nossa individualidade a um sistema pré-existente. É, sim, uma comunhão de pessoas que, nos passos de Cristo, se realizam totalmente tomando plenamente os outros em consideração.

Existem momentos em que esta forma de viver parece fácil. Chegamos, até, a conhecer momentos de alegria espontânea na vida em comum enquanto discípulos de Cristo, que são como um aperitivo do Reino de Deus. Contudo, existem igualmente períodos em que uma tal unidade exige um esforço consciente e se torna até numa luta. Se sentirmos que a personalidade ou o pensamento de outros crentes nos é estranho, sentimo-nos tentados a impor-lhes o nosso carácter ou o nosso ponto de vista; ou poderemos tomar a decisão de nos retirarmos, procurando rodear-nos de um grupo menor e mais cómodo, composto por pessoas com as mesmas opiniões. Porém, a Igreja de Cristo não é um grupo de pessoas que partilham das mesmas opiniões. É uma comunhão de pessoas muito diferentes entre si e que nem sempre se entendem, mas que receberam o apelo a seguir o mesmo Senhor.

Assim, Paulo encoraja-nos a «carregar» as fraquezas dos outros, a «acolhermo-nos uns aos outros», a «procurar agradar ao próximo». Quando nos esforçamos para dar alegria àqueles para os quais não nos sentimos espontaneamente impelidos, porque a nossa prioridade não é a nossa individualidade, mas Cristo, damos sinal de sermos seus discípulos.

Este tipo de solidariedade radical exige «perseverança», que está profundamente ligada à consolação e à esperança. A perseverança não é um caminho de facilidade, mas tende a purificar e a curar as feridas em profundidade. Nesta forma de viver, os desacordos e as dificuldades da vida comunitária podem ser o ponto de partida de uma unidade muito mais radical. Tornam-se oportunidades para confiar a Deus inúmeras coisas às quais estamos pessoalmente ligados. O ato de nos abandonarmos a Cristo na confiança torna-se um facto de unidade profundo.

Comunidade de Taizé in “Textos bíblicos com comentário” (www.taize.fr)

Sexta-feira

A força da fé

O início da fé é reconhecer-se necessitado de salvação. Não somos autossuficientes, sozinhos afundamos: precisamos do Senhor como os antigos navegadores, das estrelas. Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida. Confiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo, experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: fazer resultar em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas ruins. Ele serena as nossas tempestades, porque, com Deus, a vida não morre jamais.

O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor. No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não apaguemos a mecha que ainda fumega, que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança. Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades da hora atual, abandonando por um momento a nossa ânsia de omnipotência e possessão, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é capaz de suscitar. Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade. Na sua cruz, fomos salvos para acolher a esperança e deixar que seja ela a fortalecer e sustentar todas as medidas e estradas que nos possam ajudar a salvaguardar-nos e a salvaguardar. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança. Aqui está a força da fé, que liberta do medo e dá esperança.

Papa Francisco in “Momento extraordinário de oração em tempo de pandemia (27.03.2020)

Sábado

Ele estará sempre connosco até ao fim

A vida que Deus nos dá em Cristo ressuscitado é um excesso de amor. Ao tentar dizer esse excesso, as nossas palavras são sempre poucas e pobres; e, todavia, são necessárias. Precisamos de palavras e de símbolos para falar de Deus e da sua presença em nós, para tomarmos consciência da identidade da nossa fé, para darmos sentido ao nosso agir e à nossa esperança.

É a nós com as nossas imperfeições, hesitações, incertezas, medos, mas também com a semente da fé e da esperança, com a nossa capacidade de sermos fermento do seu reino, que o Senhor confia a missão de o tornarmos presente em nosso mundo. Nunca estaremos à altura da missão que Ele nos confia; vivemos da sua confiança, vamos fundados na sua promessa de futuro. Para continuamente aprendermos a ser discípulos, a renovarmos a nossa esperança, a nos sentirmos desafiados pelos imprevistos da história, como atualmente acontece. Na escola evangélica do Mestre somos sempre discípulos, estamos sempre a aprender. E nunca estaremos preparados.

Somos de Deus, a Ele pertencemos; Deus atrai-nos e seduz-nos no grito profundo das nossas carências e do nosso desejo. A Trindade, abundância de vida transbordante, é o nosso habitat, o oceano que nos faz viver, a fonte que mata a nossa sede, a pátria da nossa inteireza para onde nos orientamos em nossas ascensões. «Só Deus [nos] basta», como escreveu Santa Teresa de Ávila.

Vivemos o presente fundados na promessa do Senhor: «Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos». A sua palavra promete-nos futuro e é o fundamento da nossa esperança. Nas nossas lutas diárias, nas nossas resistências aos desafios inesperados da história, no nosso cuidado pela criação, no nosso testemunho de discípulos tentando viver as bem-aventuranças e ser sal da terra e luz do mundo, o Senhor está connosco. Não estamos desamparados. A sua promessa consola-nos, conforta-nos e encoraja-nos. Podemos viver com atrevimento e ousadia: Ele está connosco em todos os dias da nossa vida, os luminosos e os mais sombrios, os de paz interior e os de tormenta, os de clareza e os de incerteza.

Padre António Martins in “Homilia na Solenidade da Ascensão do Senhor (24.05.2020)