IV Domingo da Páscoa
Um abraço de Páscoa
Um abraço de Páscoa tem o calor do amor
O poder do fogo, o fogo novo da passagem
A morte não matou a esperança.
Um abraço de Páscoa tem o coração humano
A alegria da libertação, o segredo da transformação
A morte é uma etapa da vida.
Um abraço de Páscoa tem a travessia do mar e do deserto
Tem o rochedo aberto em água e luz
O sepulcro explode num riacho feliz.
Um abraço de Páscoa tem o silêncio do mistério
Tem a partilha do pão, a proximidade de pessoas,
A derrota do desânimo, o renascimento da coragem.
Um abraço de Páscoa tem a ternura do nascimento
A simplicidade da luz, a expansão da liberdade
A luz da noite de Jesus faz nossa vida de luz.
Um abraço de Páscoa tem chão, lama e escuridão,
Tem sufoco e superação, o silêncio da solidão
Tem mendigos, peregrinos, famintos de comunhão.
Um abraço de Páscoa tem a transcendência do existir
Tem o ser da beleza, da bondade e da verdade de Deus
Tem a árvore da vida, integração da terra e do céu.
Um abraço de Páscoa tem a paz do Cristo ressuscitado.
Padre José Luís Coelho in https://www.snpcultura.org/
Segunda-feira
Somos feitos de pessoas
Somos feitos de pessoas. Das que nos querem bem e das que nos dão a conhecer a dor. Somos feitos de gente que se entrelaça nas linhas da nossa vida e que escrevem connosco o mistério da existência.
Somos feitos de pessoas. Daquelas que de alguma forma nos deixaram a sua marca. Somos feitos de gente que se deixa revelar através de uma conversa cheia de olhares. Daqueles que nunca mais nos deixam na mesma. Daqueles a quem a sua ausência será para sempre preenchida com as memórias de uma presença cheia de vida.
Somos feitos de pessoas. De quem nos leva o que de melhor temos. Somos feito daqueles e daquelas que, através da dor causada, nos levam a descobrir-nos mais profundamente. Somos desenhados e moldados por quem um dia nos fez descobrir o poder da injúria, da traição e do interesse desmedido.
Somos feitos de pessoas. Daquela gente que nos abraça por inteiro. Sem ser necessário um relato da nossa história. Somos feitos dessa gente que não se cansa de nos dar a conhecer o amor. O amor paciente. O amor genuíno. O amor silencioso.
Somos feitos de pessoas. De gente que um dia nos olhou como inteiros. Aceitando o que somos e o que ainda podemos vir a ser. Somos feitos dessa gente que acredita sempre mais em nós do que nós próprios. Sim, somos construídos por esses homens e mulheres que vêem sempre algo de especial na nossa forma de ser e de estar. São eles que vão dando sentido aos nossos passos.
Somos feitos de pessoas. De tantos e tantas que nos levaram aos ombros. Somos feitos de gente que nos aliviou o peso de existir. Somos feitos daqueles a quem depositamos toda a nossa confiança na certeza de construirmos, nas suas vidas, o nosso caminhar.
Somos feitos de pessoas. Daqueles que um dia, pelo caminhar da vida, ousaram pisar no terreno da nossa existência. Somos feitos de gente que quis habitar na nossa história.
Emanuel António Dias in “imissio.net”
Terça-feira
Rezar com quase nada
Por vezes, é verdade que rezamos com quase nada. Há em nós uma espécie de despojamento. Felizes os que nesse momento são capazes de dizer a Cristo: “Jesus Cristo, não te escondo nada do meu coração, Tu sabes que tenho dificuldades em expressar o meu desejo de comunhão contigo. Tu próprio conheceste a condição humana. Tu sabes que por vezes sou puxado em várias direções ao mesmo tempo. Mas, quando há um vazio dentro do meu ser, habita em mim uma sede da tua presença. E quando não consigo rezar, és Tu a minha oração.”
Para avançar com confiança, é essencial agarrarmo-nos a algumas realidades muito simples do Evangelho, às quais podemos regressar em qualquer altura. Quem procura abandonar-se ao Espírito Santo, deixa-se construir interiormente por algumas intuições do Evangelho. E estas podem tornar-se uma rocha em que nos apoiamos.
Irmão Roger de Taizé in “Não pressentes a felicidade?”
Quarta-feira
Olhos novos
«As verdadeiras viagens de exploração não consistem em descobrir novas paisagens, mas em ter olhos novos.» E há uma canção que diz: «Às vezes, mais do que um mundo novo, é preciso olhos novos para ver o mundo».
A intuição é feliz: as maravilhas no mundo são muitas, mas é preciso a maravilha do ser humano, isto é, a sua capacidade de ver e espantar-se, para as descobrir. Há multidões de viajantes que dão a volta ao mundo com a objetiva fotográfica colada ao olho para capturar cada coisa, e que regressam sem ter admirado e compreendido nada das suas explorações em horizontes novos.
Assim acontece também para a vida. Se tens o olho superficial (e é naturalmente a visão da mente e do coração a estar em causa), só encontras à tua volta coisas e factos a possuir e atravessar. Se, ao contrário, sabes penetrar com o olhar em profundidade, eis que se abrem diante de ti muitos segredos e mistérios, muitas belezas e surpresas.
E desta forma, por vezes aquela felicidade que amorosamente procuras e que consideras impossível, no fim de contas está ao alcance da mão, alterada a perspetiva, no quotidiano, nos acontecimentos e nas pessoas que talvez os teus olhos superficiais não vejam.
Há uma bela frase de Jesus que afirma: «Felizes os vossos olhos porque vêm e os vossos ouvidos porque escutam». Saber ver – e não apenas olhar – é uma arte, melhor, é uma escolha da mente e da vontade, e é isso que dá cor e sentido à vida.
Cardeal Gianfranco Ravasi in “Avvenire”
Quinta-feira
Nós somos Cristo Ressuscitado
Em cada Páscoa nós celebramos a verdade central da fé cristã. Essa verdade é esta e muito simples: o Espírito de Jesus ressuscitado habita no meio de nós. Como é que nós sabemos que Ele está vivo? Como é que nós O reconhecemos presente no Emaús da nossa vida e da nossa história? Sabemos porque o Seu Espírito está derramado em cada um de nós. Nós somos, hoje, o Cristo ressuscitado, nós somos o Seu Corpo Místico, nós somos a Sua presença no mundo. Porque Ele ressuscitou e está vivo, porque de junto do Pai Ele enviou o Seu Espírito, derramado, infundido em cada um de nós, para que em cada um de nós Jesus continue presente ao mundo e à história. Por isso, é na nossa vida, são nos nossos membros, nos nossos gestos, nos nossos desejos, nos nossos projetos que nós somos chamados a reencontrar Cristo.
Onde é que O encontraremos? Não é longe daquilo que somos e daquilo que vivemos. Nós temos de reencontrar Cristo no estilo da nossa vida, na gramática com que organizamos a nossa vida, nos valores que são o núcleo fundamental das nossas convicções. Aí nós temos de reconhecer Cristo, e Cristo ressuscitado, e temos de abrir mais e mais o nosso coração para que Ele Se torne presente. Jesus diz-nos: “O Meu mandamento é este: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Então, sabereis que sois Meus discípulos.” A medida do nosso amor, o modelo do nosso amor, o paradigma do nosso amor é o próprio Cristo. E nós temos de aprender a amar como Ele amou, com aquela disposição, com aquela liberdade, com aquela gratuidade, com aquela capacidade de ser dom, com aquela disponibilidade para ir até ao fim, para dar tudo sem limites. Nós temos de aprender esse amor. A grande força da identidade cristã está sempre aqui. E este tempo, o tempo da Igreja, é para nós um tempo de aprendizagem. Nós somos aprendizes, estudantes, discípulos de um amor assim. Aquilo que é o nosso móbil, o horizonte de sentido da nossa vida é podermos alcançar um amor assim. E sentimo-nos felizes e sentimo-nos livres e sentimo-nos autênticos e sentimo-nos cristãos quando, às vezes por momentos, por um momento, por um dia feliz, nós somos capazes de um amor assim, quando em pequenos ou em grandes gestos nós somos capazes de repetir a lição amorosa de Jesus Cristo: “ É este o mandamento que vos deixo.” A herança de Jesus é esta: é nos dar como tarefa o amor, como mandamento o amor. Por isso, nós somos um povo mobilizado para o amor, e para um amor que tem a sua medida no amar sem medida, na capacidade de doação, na capacidade de entrega.
José Tolentino Mendonça in “Homilia no V Domingo da Páscoa (24.04.2016)”
Sexta-feira
Uma boa notícia
É a notícia da Ressurreição que marca o momento em que os Evangelhos se tornam “boa notícia”, mensagem libertadora de salvação. (…) A Ressurreição de Jesus, no sentido bíblico e teológico, não é a “ressuscitação de um cadáver”, o regresso a um estado anterior, a este mundo e a esta vida, que mais uma vez termina em morte. A Ressurreição de Cristo não é outro milagre semelhante às maravilhas conhecidas por todos os leitores da Bíblia. Este conceito significa muito mais.
E é por isso que o Evangelho da Ressurreição requer uma resposta muito mais radical da nossa parte do que a simples formação de uma opinião acerca do que aconteceu ao corpo de Jesus. É sobretudo necessário fazer alguma coisa pela nossa vida: também nós devemos sofrer uma profunda mudança, segundo as palavras de Paulo, “morrer com Cristo e ressuscitar dos mortos”.
Acreditar na Ressurreição implica a coragem de tomar a própria cruz e a determinação de viver uma nova vida; só quando o acontecimento, a que se refere a história da Páscoa, fala e transforma a nossa existência, é que passa a ser boa notícia para nós, palavras cheias de vida e de força.
Tomáš Halík in “A noite do confessor – A fé cristã numa era de incerteza”
Sábado
A casa de Deus
A casa de Deus está assente no chão
Os seus alicerces mergulham na terra
A casa de Deus está onde os homens estão
Sujeita como os homens à lei da gravidade
Porém como a alma dos homens trespassada.
Esta casa é feita de matéria para habitação do espírito e da eternidade
Como o corpo do homem é feito de matéria e manifesta o espírito
A casa é construída no tempo
Mas aqui os homens se reúnem em nome do Eterno
Em nome da promessa antiquíssima feita por Deus a Abraão
A Moisés a David e a todos os profetas
Em nome da vida que dada por nós nos é dada
É uma casa que se situa na imanência
Atenta à beleza e à diversidade da imanência
Erguida no mundo que nos foi dado
Para nossa habitação nossa invenção nosso conhecimento
Os homens constroem na terra
Aqui procuramos pensar reconhecer
Sem máscara ilusão ou disfarce
E procuramos manter nosso espírito atento
Liso como a página em branco
Aqui para além da morte da lacuna da perca e do desastre
Celebramos a Páscoa. Aqui celebramos a claridade
Porque Deus nos criou para a alegria.
Sophia de Mello Breyner Andersen, Páscoa de 1990