IV Semana do Advento

Domingo

Viver o Natal

«Ainda que Jesus nascesse mil vezes em Belém, a mim de nada serve se não nasce em mim!» Esta frase do místico Angelus Silesius interpela-nos hoje mais que nunca, num tempo que parece que aquilo que celebramos no Natal pouco tem a ver com o mistério da Incarnação. E no entanto, para os cristãos, o Natal significa precisamente isto: a vinda de Deus no meio de nós num pobre, débil, frágil bebé de Belém. É o grande mistério da fé cristã: Deus feito homem. Deus entre nós! Mas é também um grande anúncio: Deus amou-nos a tal ponto que se tornou aquilo que nós somos, para que nós nos tornemos aquilo que Ele é.

O cristão, consciente da sua qualidade de filho de Deus, intensifica no dia de Natal a oração e a festa. Mas este renovado fervor religioso permanece vão se o cristão não consegue viver e rezar o Natal e se limita a celebrá-lo pela força do hábito ou como uma verdade dogmática que não o envolve pessoalmente. Celebrar o Natal não significa reevocar um acontecimento que passou a estar relegado para um passado mítico, nem procurar compreendê-lo intelectualmente, mas dizer: hoje há Natal, para nós, aqui, agora, até repetir na fé a palavra do Evangelho: «Hoje nasceu para nós um Salvador, o Cristo Senhor».

Não chega meditar sobre o acontecimento do Natal, é preciso “Vê-lo”, envolver-se nele com todo o seu ser. O profeta Sofonias dirige-se ao povo, dizendo-lhe: «Alegra-te, faz festa. Rejubila com todo o coração porque o Senhor teu Deus está no meio de ti e dança, exulta por ti.” Isto é o Natal: Deus que dança de alegria e circunda a humanidade. Celebrar o Natal significa aceitar o dom de Deus que se entrega à humanidade, a nós, e responder com alegria, dançando diante da alegria de Deus. O Natal é o acontecimento em que Deus, no nascimento de uma criança, nos entrega a sua Palavra feita carne e, manifesta-se a nós, faz-se ver, comunica-se totalmente a cada ser humano e assume toda a humanidade.

Isto, porém, não é um privilégio, mas um compromisso radical com Deus e também com a humanidade. Com efeito, o nosso Natal situa-se entre a primeira vinda anunciada aos pastores de Belém, aos pobres que esperavam a salvação trazida pelo Messias, e a segunda vinda, que envolverá todos os seres humanos, de todos os tempos e lugares, toda a criação, a universalidade dos seres. No Natal, Deus entregou-se para envolver toda a humanidade no desígnio de salvação universal, e isto compromete todos aqueles a quem o acontecimento foi notificado na fé.

Enzo Bianchi in “Avvenire”

Segunda-feira

Jesus vem até nós

«O Natal é o nascimento absoluto que reflete e assume, ilumina e redime, abençoa e consagra todos os nascimentos anteriores e todos os nascimentos depois. Cada homem que vem à luz repete o milagre do Natal de Cristo; porque é Deus que decide aquele nascimento; é Ele que quer aquela vida. É precisamente em cada um desses nascimentos, em cada uma dessas vidas, sem exclusão, que o impeliu desde sempre a fazer-se carne.»

Jesus vem até nós, isto é, quis ter um início como todas as suas criaturas, Ele que era eterno, precisamente para partilhar connosco o tempo, a história, a carne. E como todos nós quis ter um fim, uma morte. Realizou isto para depor em todos os nascimentos e em todas as mortes, com a sua presença, uma semente divina.

Como escreve Testori, o Natal do Filho de Deus «reflete e assume, ilumina e redime, abençoa e consagra todos os nascimentos», todas as vidas. Devemos por isso amar a vida dos viventes, de quem agora nasce até a quem morre, porque nela se celebra uma manifestação de Deus, um desvelamento da sua partilha com a nossa realidade, uma revelação do seu amor.

Cardeal Gianfranco Ravasi in “Avvenire”

Terça-feira

Esperamos o Messias que vem

Fugimos dos vazios. Iludimos a dureza que nos toca, o sobressalto de tempos incertos. Preferimos a passagem indolor para lugares sem inesperados. Mas é no deserto que clama a voz de Deus. E assim compreendemos que em lugares inesperados se manifesta a presença de Deus sempre maior. Maior do que as nossas expectativas que o confinam em lugares predeterminados: os templos imaculados das nossas certezas e perfeições. Maior do que o nosso olhar que o circunscreve a rostos e vidas que consideramos apropriados.

Deus esperado no Templo manifesta-se no deserto. E deixa-nos a interrogação como lanterna de um caminho a percorrer. Onde o esperamos? Estaremos dispostos à luta de deixarmos que o Senhor que vem manifeste a sua presença em lugares que consideramos inóspitos? As nossas desilusões, medos e fracassos, as nossas zangas. É dele a luz que pode trazer a graça da hospitalidade à vida como ela é. É na nossa vida que o esperamos. Não em lugares sem inesperados, imunes à esperança.

Medimos os passos e as palavras, medimos as distâncias. Arriscamos pouco no acolhimento do outro. Sabemos à partida aquilo que as pessoas deviam ser. Temos expectativas claras sobre o que esperar de cada uma delas. Não confiamos ao outro a nossa vulnerabilidade, nem a fraqueza de um coração destemido que acolhe no outro a surpresa do desconhecido, não fazemos do outro destinatário da Palavra encarnada em Jesus.

Não foi ignorado o Messias pela tirania das expectativas preestabelecidas? Não desconfiaram dele os olhares dos que já sabiam tudo sobre o modo de Deus habitar entre nós?  É na confiança de dar espaço ao outro para que ele seja quem é que aprendemos a esperança que desafia e converte as nossas expectativas.

Advento. Esperamos o Messias que vem. Mas é necessário  converter o nosso modo de esperar. Despolui-lo da falsa pureza de lugares sem feridas. Libertá-lo das expectativas que estreitam o nosso olhar, que fazem minguar o horizonte do dom da salvação. Precisamos de exercitar a confiança no outro como o endireitar das veredas em que surge o entre nós que o Verbo deseja habitar.

Padre José Maria Brito in www.pontosj.pt