Reflexão para o mês de maio de 2022
“Entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: ele viu e acreditou.” (Jo 20, 8)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
Vivemos ainda por estes dias um tempo de festa, o tempo pascal, o tempo que nos diz que a vida não tem fim, que o futuro espera-nos, que a esperança vem até nós para fazer caminho connosco. No domingo de Páscoa, a liturgia do dia recordou-nos a narrativa dessa manhã maior, a manhã inaugural da nossa fé, a manhã da também sempre nossa Ressurreição. Sim, a Ressurreição é de cada um de nós, porque é sempre o momento em que eu decido deixar para trás tudo aquilo que me limita e inicio um novo caminho. Sim, a Ressurreição faz de mim uma nova criatura, faz-me nascer de novo, faz-me passar da morte para a vida.
A Ressurreição de Jesus é o maior acontecimento da vida cristã. O que distingue a Ressurreição de outros eventos históricos é o facto de este mesmo acontecimento só poder ser visto e vivido com os olhos da fé. Ninguém põe em causa o nascimento de Jesus nem a existência história desta figura maior. O seu “modus operandi” marcado por mensagens de amor, solidariedade e igualdade fez história não só no seu tempo, mas sobretudo nos tempos seguintes. A sua morte foi comprovada e semelhante à de outros daquela época. Mas, quando se refere a sua Ressurreição, as dúvidas aparecem e não se encontram factos concretos que possam comprovar plenamente este acontecimento. E isto é assim porque a Ressurreição só pode ser lida numa dimensão de mistério, só pode ser vivida na medida do Amor. Esta é a grande exigência cristã. Acreditar no que não é certo, acreditar no que parece ser estranho, acreditar no que não está lá.
A Ressurreição de Jesus não é explicável, não é factual. A Ressurreição de Jesus só se torna visível quando decidimos que queremos ver, que desejamos acreditar, que ousamos contemplar o que o terreno não nos oferece. Este acontecimento maior daquela manhã de Páscoa é o abraço que eu dou ao mistério do indescritível, é o meu desafio, enquanto cristã, que me impele a escolher viver esta dimensão maior e tão contrária a um mundo que só exige certezas e provas irrefutáveis.
Na narrativa do Evangelho de João, há dois verbos que compõem o acontecimento da Ressurreição: ver e acreditar. João refere que o discípulo amigo de Jesus, aquele que chega primeiro ao sepulcro, vê o espaço vazio e acredita. O discípulo vê o vazio, vê o nada, vê o que não lá está. E isso é tudo! O discípulo não viu nada, ou melhor, viu o nada que, afinal, é o Tudo. Viu um sepulcro vazio, mas cheio de uma morte vencida. Viu o invisível, mas o que se pode sentir. Viu o que não se pode contabilizar, porque viu o Amor e o Amor não tem medida. E, então, pode acreditar. Acreditou. Compreendeu. Ele quis ver para além das aparências, daquilo que era óbvio. Escolheu ver com os olhos da fé e, assim, foi capaz de ver mais, perceber mais, viver mais, experimentar mais.
A postura do discípulo no Evangelho de João mostra-nos que uma atitude de disponibilidade é essencial para a nossa caminhada na construção da nossa fé. A fé capacita-nos a entender o que está para além da nossa compreensão humana e, por isso mesmo, limitada. Precisamos de ver com os olhos do coração aquilo que a razão não alcança. Precisamos de ver com o coração para além das aparências, para além do material. De nada nos serve dizer que acreditamos se apenas nos deixamos levar pelo que é apenas concreto. A doce obra “O Principezinho” recorda-nos sempre que “o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração”. Sim, só quando nos dispomos a querer ver com os olhos do coração é que o Amor se torna visível, é que a Vida se torna eterna. E assim acreditamos.
Naquele domingo maior, os discípulos e as mulheres viram muito mais que um sepulcro vazio. Os seus olhos encheram-se de uma sabedoria eterna e perceberam que Ele não está, estando. Eles viram os seus sinais porque assim se permitiram a deixar ver. Eles deixaram de lado os seus preconceitos, as suas reservas, os seus medos. Confiaram. Abriram os seus olhos e os seus corações ao que lhes estava a acontecer. Mesmo sem terem respostas dadas pela racionalidade, fizeram uma escolha: quiseram ver! E assim acreditaram. E assim lhes foi dado um mundo novo! Também nós somos, todos os dias, chamados a fazer esta escolha: a de querer ver com o coração. A Ressurreição de Jesus só se torna acontecimento visível para nós quando escolhemos acreditar que Ele continua vivo hoje. Nós podemos ser essa Ressurreição quando nos comprometemos, nos nossos contextos de vida, a sermos as suas testemunhas. Quando fazemos de cada gesto nosso um gesto de Ressurreição, de proclamação de vida nova, de triunfo de um Amor que nos salva.
A experiência da Páscoa anuncia-nos que é possível acreditar quando eu escolho ver, quando eu me permito contemplar a vida com o coração, quando eu não deixo que a indiferença ou a dureza da vida me dominem. Aquele cego em Jericó pediu a Jesus, “Senhor, que eu veja”. Que seja também este o nosso pedido. Senhor, que eu veja a tua luz nos meus caminhos. Que eu acredite sem reservas. Que eu abra espaço para o indizível. Que eu seja Páscoa em cada um dos meus dias. Que eu te queira ver sempre. Que eu procure permanentemente a beleza e a harmonia, a serenidade e o infinito. Que os meus olhos digam que tu ressuscitaste por mim, para mim. Que eu dance ao sabor da minha fé, tantas vezes frágil, mas que é sempre caminho que me leva a ti. Aleluia! Eu vejo. Eu acredito.