Se acreditares…

Reflexão para o mês de maio de 2023

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que eu realizo.” (do Evangelho segundo São João – Jo 14, 12)

As palavras dos Evangelhos são verdadeiras pérolas de sabedoria. Creio que se os cristãos as conhecessem melhor, se lhes dedicassem tempo e pensamento, se as procurassem mais, melhor compreenderiam a vida e as suas circunstâncias. As palavras que os Evangelhos nos trazem traduzem-se em vida, em luz para as nossas sombras. Por isso, as circunstâncias alegres e dolorosas que todos nós, sem exceção, experimentamos adquirem um significado renovado quando são lidas e amadas à luz da mensagem de Jesus Cristo.

Este versículo, retirado do Evangelho de São João, é uma das promessas que Jesus nos faz. Todo aquele que acreditar será capaz de realizar as suas obras, ampliando-as no tempo e no espaço. A condição que Jesus nos apresenta para que tal se concretize é a de acreditar, a de querer construir uma vida de fé, a de querer estar disponível para o que o Espírito de Deus nos quer revelar e para os sinais através dos quais a vida nos fala. Esta condição de acreditar implica sempre colocar a nossa confiança em Deus, sentido e vivendo em nós tudo aquilo que Ele nos faz. Aceitando este estado de confiança e escolhendo vivê-lo no nosso quotidiano, seremos, então, seus discípulos, percorreremos juntos os seus caminhos e continuaremos as suas obras.

Quando aceitamos aceder a este nível de acreditar, conseguimos passar da morte para a vida. Quando escolhemos viver em nós este modo de acreditar, a vida volta a encontrar-nos, mesmo depois de a termos perdido. Quando assumimos, no nosso dia-a-dia, que queremos acreditar, surge então aquela alegria que nos salva e nos ressuscita.

Este modo de viver na e em confiança esteve presente nas primeiras comunidades cristãs descritas no Novo Testamento. No entanto, estes modelos de comunidade (com todos os seus defeitos e virtudes!) não são meras recordações do passado que servem apenas para lembrar o que já foi. Estas comunidades constituídas pelos seguidores da mensagem de Jesus Cristo continuaram a ser feitas ao longo dos tempos. Hoje, nas nossas circunstâncias, nos nossos contextos, nos nossos espaços, nós somos estes discípulos a quem Jesus faz uma promessa de eternidade plena. Sim, também nós faremos as suas obras. Sim, também nós concretizaremos, em gestos e ações, a mensagem de uma vida em Amor que Ele nos ofereceu. Sim, nós somos estes novos discípulos. Temos um nome, uma história, um lugar.

Deus deu ao Homem total liberdade de escolha, nunca impondo nada. Por isso, podemos escolher segui-lo e viver a sua mensagem de forma concreta ou não. Quando recusamos seguir os caminhos que Deus nos propõe, não há espaço para a presença de um Deus vingativo ou ciumento, castrador ou desrespeitador da liberdade humana. Deus só pode amar. Mas, sabemos que quando não vivemos estes seus caminhos de Amor, somos perdedores. Ficamos aquém do que poderíamos ser, compreender, viver. Somos menos cristãos. Somos menos espirituais.

A vida cristã é sempre uma construção. É um caminho que se vai fazendo e que tem por base este acreditar que precisa sempre de ser alimentado, cuidado, protegido e atualizado. Alimentado com a Palavra de Deus que é sempre fonte de vida para a eternidade. Cuidado através do Amor que escolhemos como nosso oxigénio. Protegido dos falsos deuses que tantas vezes nos atraem e nos fazem ser egoístas, indiferentes e ausentes. Atualizado na relação com os outros, na descoberta comum de propósitos de vida em abundância, no questionamento que nos faz crescer em fé.

Nesta promessa marcada nesta passagem do Evangelho de São João, Jesus refere-se às suas obras. Estas obras não são os grandes monumentos, as grandes conquistas. Nem sequer são as grandes visibilidades e honrarias que quem é figura pública adquire. Se assim fosse, a mensagem de Jesus seria seletiva e estaria destinada apenas a um reduzido número de eleitos, o que entraria em total contradição com o cerne cristão. Estas obras são, por conseguinte, tudo aquilo que cada cristão pode e deve fazer e que está ao alcance das suas circunstâncias. Por isso, estas obras são, tantas vezes, os gestos mais simples e acessíveis, que nos chegam através de um sorriso, de uma palavra, de um olhar.

As obras de Deus são a forma e o modo como nós agimos. Nós refletimos a divindade que Deus nos deu, somos portadores dessa essência e somos responsáveis por trazê-la a descoberto. Se a mensagem de Jesus Cristo, na qual dizemos acreditar, não afeta a maneira como vivemos a nossa vida, então estamos a negligenciar esta mesma mensagem. De nada serve dizer que Jesus Cristo é o filho de Deus se, com a nossa vida, não somos capazes de confirmar estas palavras.

À semelhança do que aconteceu com os seus discípulos, Jesus também nos escolhe a nós, também nos responsabiliza pela continuação das suas obras. E todos nós fazemos falta. Todos nós somos importantes neste projeto de Deus. Todos nós somos peças fulcrais e necessárias. Numa palavra dada, num abraço oferecido, numa mão que se estende. Num caminho que se escolhe fazer, num projeto em comum, num olhar de vida. Todos fazemos a diferença.

Ninguém é cristão sozinho. Ninguém vive a sua fé sozinho. Acreditar é ação, atitude, movimento. E o Amor é sempre a resposta a dar, mesmo quando as perguntas surgem difíceis, perturbadoras, duras. A grande história do Amor de Deus acompanha e está presente na história de cada um de nós. O Cristianismo diz-nos que cada ser humano traz dentro de si o divino e que, por isso, é sempre sinal de Deus no mundo. Deus vem habitar no meio de nós. Em mim, em ti. Na tua comunidade, na tua família. Nos nossos amigos e nos nossos projetos. Nas nossas obras. E estas obras são abraços dados, canções sonhadas, mensagens enviadas, tempo em comum, subidas às montanhas, silêncios falados, textos escritos, refeições partilhadas, lágrimas cuidadas, casas escolhidas, risos alegres. As nossas obras. Que são as de um Deus que nos quer bem. E nós só precisamos de acreditar. Querer confiar. Ir buscar aquela luz que é Jesus e que nunca se apagará. Iluminar a vida toda para toda a vida. E, então, as obras permanecerão. E a vida seguirá em direção à Terra Prometida.