Domingo de Ramos
Herdeiros de uma história
Jesus deu a sua vida por nós. Da sua forma, no seu tempo, mas numa oferta de si para todas as horas, para todas as formas e para todos os tempos. E é esta certeza que sustenta as nossas vidas. Nós somos consequência desta história, deste gesto, desta dádiva.
Aquele insulto que dirigiam a Jesus “Salvaste os outros, não podes salvar-te a ti mesmo” é, no fundo, a chave da sua própria vida. Exatamente porque numa dinâmica de amor, Jesus se dispõe a abraçar-nos, a sustentar as nossas vidas, as nossas humanidades, a dar a vida por nós, a amar-nos. Exatamente porque Ele se dispõe a amar-nos, Ele não pode salvar-se a si mesmo. Porque o que é próprio do amor é esse deixar de pensar em si. É esse abandono, é essa pobreza radical, é essa entrega, em que o outro é colocado no centro. Nós estamos no centro do gesto de Jesus. Da sua história de amor, da sua entrega.
No início desta Semana Santa, a Semana Maior do ano, que nos sintamos implicados, nos sintamos envolvidos, que tenhamos capacidade de ver por detrás dos símbolos, de ver por detrás dos sinais e perceber que há aqui um encontro, que há aqui um dom, a dádiva que nos é feita, que foi por nossa causa, que foi para nós que esta história aconteceu. Cada um de nós é herdeiro desta história, Esta história é nossa. O que fazer com esta história? O que fazer com esta narrativa que recebemos de Jesus? Como é que olhamos para a Cruz e sentimos que esta história nos funda, esta história nos edifica, esta história é a raiz da nossa própria história? E isso é também aquilo a que somos chamados, de novo, nesta Páscoa, a celebrar, a viver, a rezar na esperança e no silêncio, fazendo nossa a vida do próprio Senhor, a Sua vida e a Sua morte.
Homilia do Domingo de Ramos (2014) do Cardeal José Tolentino Mendonça
Segunda-feira
A cruz não tem a última palavra
Jesus põe-se do lado dos mais fracos e dos pobres. À primeira vista, é um escândalo ou uma pura loucura. Dando a sua vida na cruz, Ele escolhe o último lugar e aceita a vergonha do fracasso. Ele assume sobre si próprio o peso do sofrimento, do ódio e da morte, para nos libertar desse mesmo peso. Desta forma, Ele inscreve o sim de Deus no mais profundo da condição humana.
A cruz ultrapassa todo o nosso entendimento, mas ao celebramos, através da oração, este acontecimento da morte de Jesus, compreendemos cada vez melhor a esperança extraordinária à qual ele nos abre. Essa esperança não é um otimismo vago. Pôr a nossa confiança em Cristo, morto e ressuscitado, abre os nossos corações para enfrentarmos situações difíceis com lucidez.
Jesus Cristo,
tu sofreste e deste a tua vida para que cada ser humano saiba que é amado por Deus. Através de ti, descobrimos que nada nos pode separar do amor de Deus. Tu confias-nos esta certeza do Evangelho.
Irmão Alois de Taizé in “Ousar acreditar – a celebração da fé em Taizé”
Terça-feira
Na hora da prova
“Não nos deixes cair em tentação.”
Senhor,
rezo devagar estas palavras, fazendo-as minhas.
Não me deixes, Senhor.
Não me deixes quando as paredes do tempo se tornam instáveis, e as palavras de hoje têm a dureza do pão amassado de ontem.
Não me deixes quando recuo porque é difícil, quando quase me inclino perante a idolatria do que é cómodo e vulgar.
Não me deixes atravessar sozinho os baços corredores da incerteza, ou perder-me no sentimento do cansaço e da desilusão.
Não me deixes tombar na maledicência e no descrédito quanto à vida.
Que a tua mão levante à altura da luz a minha esperança!
Que a confiança que incessantemente colocas em mim inspire os meus renascimentos.
Que a tua presença me ensine o que é tornar-se presente aqui e agora.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”
Quarta-feira
Uma maior plenitude
Senhor crucificado e ressuscitado,
ensina-nos a enfrentar as lutas da vida quotidiana a fim de podermos viver numa maior plenitude.
Tu acolheste, simples e pacientemente, os fracassos da vida humana, como os sofrimentos da crucificação.
Ajuda-nos a viver as aflições e as lutas que cada dia nos traz como ocasiões de crescimento para melhor te podermos imitar.
Dá-nos força para sermos capazes de as enfrentar pacientemente e com coragem, cheios de confiança no teu apoio.
Madre Teresa de Calcutá in “Oração: frescura de uma fonte”
Quinta-feira
Ceamos juntos
A morte de Jesus não é uma vã descida ao nada. A vida e a morte de Jesus, de facto, constituem o pão para o caminho do ser humano. Jesus ceia pela última vez com os seus discípulos, naquela noite, enquanto o povo eleito faz memória da sua saída da terra da escravidão rumo à terra da liberdade. Também Jesus conduz a Humanidade rumo à liberdade e oferece-se a si próprio como alimento, para que também nós não nos detenhamos, exaustos, nem nos voltemos para trás, como fez Israel.
A liberdade que Jesus nos dá, o mundo não a pode dar. Jesus é o caminho rumo à liberdade, a verdade que nos torna livres e a vida que liberta do medo, do pecado e da morte. Quando, juntos, celebramos a Eucaristia, a Ceia do Senhor, abrimo-nos nós mesmos, as nossas vidas, as nossas comunidades e todo o nosso mundo a Cristo libertador.
Oremos por todos os famintos do nosso mundo, por todos aqueles que foram expulsos das mesas postas dos ricos e poderosos.
Oremos por aqueles que têm fome e sede de justiça, de verdade, de amor e da proximidade humana e divina.
Oremos pela Igreja, para que se torne um cenáculo aberto e acolhedor para todos os famintos.
Oremos para que a todos os seres humanos chegue o convite de Cristo para fazerem parte da mesa comum do amor e da fraternidade.
Oremos por todos os cristãos, para que testemunhem solidariedade a todos os outros irmãos e irmãs, porque por todos Cristo carregou a sua cruz.
Tomáš Halík in “Via Crucis – Encontro com Jesus no caminho da cruz, da nossa vida e da nossa história”
Sexta-feira
Esse tão grande silêncio
Com a sua vida e a sua morte, Jesus desceu a abraçar todos os silêncios, mesmo aqueles abissais, mesmo aqueles longínquos, realizando a vida como possibilidade de salvação.
Ele abraçou o silêncio dos nossos impasses, daquilo que em nós vem omitido; o silêncio onde as nossas forças colapsam e nos deixam à mercê do medo e da sombra que sitiam; aquele impreciso e íntimo silêncio que a nós tantas vezes parece irresolúvel, o desta sôfrega indefinição que somos entre o já e o ainda não.
Ele abraçou este tempo passado entre derrotas e esperanças, este tempo que dói como um espinho que resta depois da rosa ter sido decepada, este tempo assinalado por tempestades que furibundas nos ladram e naufrágios que assaltam, prontos a despedaçar-nos.
Ele abraçou o silêncio da vida nua, vulnerável, desamparada ou ferida, a vida que nenhuma cidade acolhe, a vida bloqueada pelo arame farpado das fronteiras, impiedosamente marcada para o descarte.
Ele abraçou o silêncio de todas as vítimas da história, o silêncio aterrador da injustiça, a lâmina cega da violência, o grito sem voz dos excluídos, o silenciamento imposto aos pobres, o último olhar imenso e silencioso que lançam sobre a terra os justos.
Na verdade, não há nada nem ninguém que Jesus não tenha abraçado.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”
Sábado
Recomeços
Dá-nos, Senhor,
a coragem dos recomeços.
Mesmo nos dias quebrados
faz-nos descobrir limiares límpidos.
Não nos deixes acomodar
ao saber do que foi;
Dá-nos a largueza de coração
para abraçar aquilo que é.
Torna-nos atónitos
como os seres que florescem.
Torna-nos livres,
deslumbrantemente insubmissos.
Torna-nos inacabados
como quem deseja
e de desejo vive.
Torna-nos confiantes
como os que se atrevem a olhar tudo,
e a si mesmos, uma primeira vez.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”