VI Semana da Páscoa

VI Domingo da Páscoa

Meditar

Para o cristão, “meditar” é procurar uma síntese: significa colocar-se diante da grande página da Revelação para procurar fazer com que se torne nossa, assumindo-a completamente. E depois de acolher a Palavra de Deus, o cristão não a mantém fechada dentro de si, porque aquela Palavra deve encontrar-se com «outro livro», «o da vida».

Meditar é uma dimensão humana necessária, mas meditar no contexto cristão vai além: trata-se de uma dimensão que não deve ser cancelada. A grande porta por onde passa a oração de um Cristão é Jesus Cristo.  Para o cristão, a meditação entra pela porta de Jesus Cristo. Também a prática da meditação segue este caminho. Quando o cristão reza, não aspira à plena transparência de si, não procura o núcleo mais profundo do seu ego. Isto é lícito, mas o cristão procura outra coisa. A oração do cristão é, antes de mais nada, um encontro com o Outro, o encontro transcendente com Deus. Se uma experiência de oração nos dá paz interior, ou autodomínio, ou lucidez no caminho a empreender, estes resultados são os efeitos colaterais da graça da oração cristã que é o encontro com Jesus.

Eis, então, a graça da oração cristã: Cristo não está longe, mas está sempre em relação connosco. Não há aspeto algum da sua pessoa divino-humana que não possa tornar-se, para nós, um lugar de salvação e de felicidade. Cada momento da vida terrena de Jesus, através da graça da oração, pode tornar-se nosso contemporâneo. E a meditação cristã, guiada pelo Espírito Santo, leva-nos a este diálogo com Jesus. Não há página alguma do Evangelho em que não haja lugar para nós. Para nós cristãos, meditar é um modo de encontrar Jesus. E assim, só assim, de nos encontrarmos a nós mesmos. E isto não significa fechar-nos em nós mesmos. Significa antes ir ter com Jesus e nele encontrar-nos a nós mesmos, curados, ressuscitados, fortalecidos pela graça de Jesus. E encontrar Jesus salvador de todos e também de mim.

Papa Francisco in Audiência Geral de 28.04.21

Segunda-feira

Os vazios de coração

Só quando nos esvaziamos de nós mesmos é que abrimos espaço para que os tesouros que nos esperam possam entrar. Como se o nosso íntimo estivesse ocupado e sequestrado por um conjunto de coisas sem valor que o enchem e impossibilitam de viver de forma plena.

É certo que a nossa vida é composta de momentos de inspiração e de expiração, ora mais vazios, ora mais cheios. Mas será sempre melhor que, antes de nos preenchermos com o que é bom, nos purifiquemos de todo o mal que – qual sujidade – possa teimar em ficar em nós.

Há vazios que doem porque neles reinam e escavam as trevas, ao contrário de outros em que a luz transforma o espaço interior em alegria. A dor e o amor não pesam, mas podem ocupar todo o espaço da nossa intimidade. O desejo, quando a respeito de algo vão, enfraquece-nos, porque abre buracos desnecessários que ferem a nossa integridade. Isto, ao contrário das aspirações mais nobres, que buscam revestir-nos de algo que promova o que (já) somos.

A fé implica confiar no que não se vê, na certeza convicta a respeito do que se espera. Quando vivemos em busca do bem, a dúvida e as tentações provocam, através de alguns medos, uma instabilidade que nos perturba, mas face à qual não devemos ceder. Talvez nos possa animar a simples verdade de que o mal só seduz quem dele está fora, ou seja, só é tentado quem está no caminho certo!

Não há maior paixão do que a fé, porque ela é a certeza de que não estamos sós.

José Luís Nunes Martins in www.agencia.ecclesia.pt

Terça-feira

A parte certa

Que saibamos, Senhor, recolher do nosso passado a parte certa e não a avalanche indistinta que nos confunde e enfraquece.

Que possamos identificar de forma clara a memória do amor com que fomos amados e basear hoje aí a arquitetura íntima do que somos.

Que ousemos fazer desse amor a força que fala mais forte dentro de nós e, pouco a pouco, deixar para trás as vozes dissonantes, o cortejo de pensamentos que obsessivamente nos colam a uma tristeza cor de chumbo, a minúscula tortura que é fixar-se no que a vida poderia ter sido em vez de abraçá-la como ela é.

Que saibamos sim conservar a sabedoria do que vimos ontem, mas aprendendo a superar o seu peso, o seu limite e a sua fadiga, porque o dia novo espera de nós forças novas.

Não nos deixes, Senhor, soçobrar à tentação de conduzir a vida com os olhos postos no retrovisor, insistindo em não ver o aqui e o agora, onde tu espantosamente te revelas. Fortalece-nos na confiança de que tu, Senhor, reconstróis continuamente o mundo, dentro e fora de nós, tornando-o sempre mais concorde com o trabalho da esperança que para ti não cessa jamais.

José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”

Quarta-feira

Caminhar em direção a um futuro

Pela fé, respondemos a um apelo para prosseguir em frente, lembrando‐nos que um novo começo é sempre possível, quando as coisas estão a correr bem ou quando enfrentamos dificuldades aparentemente intransponíveis.

Nos primeiros capítulos da Bíblia, encontramos a história da vocação de um homem, Abraão, chamado a deixar tudo para partir, sem saber para onde ia. Com a sua esposa, Sara, torna‐se peregrino, animado pela confiança de que Deus os haveria de guiar. Uma vez na nova terra que Deus lhes dá, Abraão e Sara viverão em tendas, como se estivessem sempre a caminho. Mas, por fim, as suas provações tornam‐se bênçãos: Abraão e Sara descobrem o que não poderiam ter encontrado enquanto estavam em casa.

A Bíblia é marcada por esta dinâmica: caminhar em direção a um futuro que Deus está a preparar. O caminho pode estar cheio de obstáculos ‐ quando o povo de Deus deixa o Egipto, vagueia durante quarenta anos. E o próprio Deus torna‐se peregrino, lidera e acompanha o seu povo: «Estou contigo e proteger‐te‐ei para onde quer que vás» (Génesis 28,15). Ao guiar o seu povo através do deserto, Deus ensina‐o a ouvir a sua voz e abre possibilidades inesperadas. Retornar constantemente a essa comunhão com Deus dá uma grande liberdade. Pelo seu amor, Deus quer fazer‐nos sair das nossas escravidões coletivas e individuais e ajuda‐nos a deixar para trás o que atrapalha o nosso caminho.

Irmão Alois de Taizé in “Sempre a caminho, nunca desenraizados – Carta do Ano 2020”

Quinta-feira

A grandeza da vida

Cada hora do homem é um lugar vivo da nossa existência que acontece uma única vez, insubstituível para sempre. Aqui reside a tensão da vida, a sua grandeza, a possibilidade de que a inatingível fugacidade do tempo seja preenchida de instantes absolutos, de modo que, ao olhar para trás, o trajeto aparece-nos como um desfiar de dias sagrados, inscritos em tempos ou em épocas diferentes.

Creio que o essencial da vida é a fidelidade ao que cada um crê ser o seu destino, que se revela nesses momentos decisivos, nessas encruzilhadas que são difíceis de suportar, mas que nos dispõe às grandes opções. E são os valores que nos orientam e presidem a essas grandes decisões. A fidelidade à vocação, esse misterioso chamamento, é o fiel da balança onde se joga a existência quando se tem o privilégio de viver em liberdade.

Ernesto Sabato in “Resistir”

Sexta-feira

Quem é que o cristão deve ser?

Quem é que o cristão deve ser? Alguém que empenha a sua vida pelos irmãos, porque ele próprio deve a sua ao crucificado. Mas que pode ele, seriamente, dar aos irmãos? Não apenas coisas visíveis; a sua dádiva – o que a ele próprio foi dado – mergulha nas realidades invisíveis de Deus. Se pensasse poder tornar visível e dar tudo o que ele é, o cristão ter-se-ia feito mera superfície e nada mais de profundo teria para dar.

Há coisas que pode dar e mostrar, mas que não se encontram no campo em que é habitual delinear a Igreja visível: culto, festas, sacramentos, ofícios sagrados. São antes sementes da vida divida que, transportadas por estes canais, deverão florescer nos cristãos. É difícil expressá-las em conceitos porque, mais do que uma realidade expressável, são um perfume que emana de Deus.

Consciente do céu aberto, do centro patente de todas as coisas, o cristão, mesmo na vida do dia-a-dia, vive de uma fonte que nunca se esgota, que brota da própria profundidade de Deus e através dele emana para a vida eterna. No amor que flui, Deus pronunciou um sim definitivo a tudo, e nós devemos e podemos responder com o nosso amém irrevogável.

Hans Urs von Balthasar in “Córdula ou o momento decisivo”

Sábado

Que a tua festa não tenha fim

O convite à alegria interior coloca-nos perante uma escolha fundamental: saberemos tomar a decisão de viver em espírito de louvor? Durante a sua vida na terra, Cristo rezou, por vezes com lágrimas e súplicas, mas também com alegria do coração.

Teremos consciência do quanto os gestos simples podem renovar uma alegria? Santo Atanásio, um cristão do ´seculo IV, diz-nos: “Cristo ressuscitado faz da vida do ser humano uma contínua festa.” Sim, somos surpreendidos por esta alegria: o Evangelho comporta uma esperança tão clara que gostaríamos de ir até ao dom de nós mesmos para a transmitir.

Onde está a fonte da esperança e da alegria? Está em Deus, que nos procura incansavelmente e que encontra em nós a beleza profunda da alma humana. Deus faz de nós pobres do Evangelho. Convida-nos a confiar nele com grande simplicidade. Mantém-nos próximos dele, límpidos e transparentes como um céu de primavera.

Irmão Roger de Taizé in “Não pressentes a felicidade?”