V Domingo da Quaresma
É bom saber que esperas por todos
Senhor,
ninguém vive tão à espera como tu.
Na tua misericórdia esperas por todos.
Pelos que estão longe e pelos que estão perto.
Pelos que te pressentem nos acessos mais comuns da vida e pelos que percorrem os corredores infindos acumulando silêncio e perguntas.
Pelos que te avistam na certeza e pelos que ligam o teu mistério a esparsos e indecifráveis indícios.
Pelos que identificam o teu sinal indiscutível e pelos que não te encontram em nenhuma parte.
Esperas por todos.
Pelos que todos os dias te rezam: “Vem, Senhor!” e por aqueles cuja oração é uma ferida silenciosa, uma convulsão, um tormento ou uma revolta.
É bom saber que, na imensidão compassiva da tua espera, cada um está a tempo do conhecimento e da esperança.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”
Segunda-feira
Peregrinos
Deus está infinitamente além de tudo o que possamos imaginar. Estamos em busca, sedentos de amor e de verdade. Onde quer que estejamos na nossa peregrinação interior, frequentemente estamos a tatear no nosso caminho. Mas, tornando‐nos «peregrinos de confiança», é possível caminharmos juntos, partilharmos a nossa procura: as nossas questões e também as nossas convicções.
Deixemos que Cristo renove o nosso olhar: através dele reconhecemos mais claramente a dignidade de cada ser humano e a beleza da criação; a esperança, longe de ser uma confiança ingénua, nasce e renasce porque se enraíza em Cristo; uma alegria serena preenche‐nos e, com ela, a coragem de assumir as responsabilidades que Deus nos confia na Terra.
Irmão Alois de Taizé in “Manter a esperança em tempo propício e fora dele” (Carta 2021)
Terça-feira
Aquele pequenino milagre
Há sempre um milagre, um pequenino milagre, que acontece e que chega para nos iluminar o dia, a vida, o coração. Às vezes, tão despercebido. Às vezes, tão à vista. Mas sempre, sempre, vestido de amor.
Às vezes, escondido naquele abraço mais demorado que nos abriga. Às vezes, escondido naquela mão que se estende e que nos segura. Às vezes, escondido naquele olhar que faz parar o mundo e que nos cura. Às vezes, escondido naquele sorriso que embeleza tudo e que nos abraça. Às vezes, escondido naquele colo que sabe a casa e que nos serena. Às vezes, escondido naquela palavra do coração que nos conforta. Às vezes, escondido naquele silêncio cúmplice que nos toca. Às vezes, escondido naquele riso que se ouve ao longe e que nos contagia. Às vezes, escondido naquele gesto de amor que nos salva. Às vezes, escondido naquela pessoa que está ali e que nos faz sorrir.
Há sempre um milagre, um pequenino milagre, que acontece e que chega para nos iluminar o dia, a vida, o coração.
Talvez, às vezes, pareça que não. E talvez, nessas vezes (e em todas as vezes), o maior segredo e o verdadeiro sentido da vida seja procurarmos, todos os dias, sê-lo nós.
Ser aquele abraço que abriga. Ser aquela mão que segura. Ser aquele olhar que cura. Ser aquele sorriso que abraça. Ser aquele colo que serena. Ser aquela palavra que conforta. Ser aquele silêncio que toca. Ser aquele riso que contagia. Ser aquele gesto que salva. Ser aquela pessoa que faz sorrir.
Talvez o maior segredo e o verdadeiro sentido da vida seja procurarmos, todos os dias, ser aquele milagre, aquele pequenino milagre, que acontece e que chega para iluminar dias, vidas, corações.
Às vezes, tão despercebido. Às vezes, tão à vista. Mas sempre, sempre, vestido de amor.
Daniela Barreia in “imissio.net”
Quarta-feira
Mistério
Jesus, nossa esperança,
ao seguir-te, escolhemos amar com a compaixão do coração. Tu queres para nós uma alegria do Evangelho, por mais ténue que ela possa ser. E, mesmo quando o nosso íntimo é assaltado pelo sofrimento das contradições, faz com que nos abandonemos a ti, Cristo, procurando entregar-te e confiar-te o que poderia pesar muito sobre nós.
Jesus, nossa luz,
tu não queres para ninguém a angústia interior. E vens iluminar em nós o profundo mistério da dor humana. Através dela, nós aproximamo-nos da intimidade com Deus.
Espírito Santo consolador,
faz-nos aliviar o sofrimento dos inocentes e faz-nos estar atentos aos que, vivendo numa situação de sofrimento, irradiam, através da sua vida, a santidade de Cristo Jesus.
Irmão Roger de Taizé in “Oração: frescura de uma fonte”
Quinta-feira
Apóstolos da misericórdia
Deus não olha de fora, de modo neutral, para a história dos homens. O nosso Deus é um Deus que, no amor e na misericórdia, se compromete. É um Deus que toma a iniciativa de manifestar o Seu amor e de transformar o inaceitável da história numa história nova, numa história aberta, numa história onde a vida é verdadeiramente possível. Deus. É Deus quem toma a iniciativa de nos amar quando nós mais precisamos. Estávamos no Egito, eramos escravos, eramos perseguidos, estávamos abatidos, oprimidos e Deus vem ao nosso encontro. Então, não há limite, não há separação, não há momento nenhum na nossa vida no qual o amor de Deus e a Sua misericórdia não se possam manifestar.
Por isso, cada um de nós se sinta verdadeiramente envolvido, tocado, mergulhado no mistério da misericórdia de Deus. A nossa vida não está sob o signo da fatalidade, a nossa vida está sob a luz de uma bênção, sob a luz de uma promessa. Por isso, cada um de nós é chamado a confiar. Confiemos neste amor que Deus nos oferece, confiemos naquilo que Deus pode realizar em nós. Por maior que seja a nossa dificuldade, o emaranhado da nossa vida, o nó, a fragilidade, Deus pode. Confiemos, acreditemos nesta misericórdia, nesta mão estendida que Deus lança à vida de cada um de nós. O caminho do Povo de Deus ao longo da história é o caminho de uma memória sempre presente do amor de Deus e da sua misericórdia. A nossa biografia, a nossa autobiografia crente, o património de vida que construímos juntos é um património que pode atestar e documentar como Deus é misericordioso para nós.
Nesta Quaresma, sintamo-nos apóstolos da misericórdia de Deus. Cada um de nós tem de ser testemunha da misericórdia, aprendendo a arte da misericórdia que é uma arte de reconciliar, de restaurar, de abrir portas fechadas, de quebrar isolamentos, de testemunhar que é possível, de acordar a esperança, de não apagar a pequenina chama entre as cinzas, mas pelo contrário fazer tudo para que aquela chama não morra. Que cada um de nós se sinta um enviado da misericórdia na sua vida, no seu contexto familiar, no seu mundo de trabalho, com os seus amigos, com os próximos e os distantes, com aqueles com quem estamos bem e com aqueles com quem temos problemas, com quem temos conflitos. O grande milagre é a possibilidade de amarmos. Não desistamos de ir ao encontro dos outros, do milagre do amor, do milagre do serviço, do colocar os outros em primeiro lugar. E este esforço transforma-nos, coloca luz dentro de nós.
José Tolentino Mendonça in “Homilia no III Domingo da Quaresma (28.02.16)”
Sexta-feira
Oremos
Nas noites escuras, é preciso viver uma tríplice paciência: na fé, na esperança e no amor. O amor sem paciência não é verdadeiro amor; a esperança sem paciência não é verdadeira esperança; e a fé sem paciência, quando se vive a hora sombria da provação, não está amadurecida nem é profunda o suficiente. Assim também nós podemos estar na angústia profunda e gritar para que seja afastado de nós o cálice do sofrimento. Só a sinceridade na oração nos faz aprender a confiança, de maneira a podermos dizer «seja feita a tua vontade, não a minha».
Oremos por todos aqueles que estão a viver o seu Getsémani. Por todos aqueles que na sua vida experimentam a escuridão da cruz, a ansiedade e a dor.
Oremos por todos aqueles que estão deprimidos, pelos doentes, por quem está a morrer e pelas pessoas que estão a perder os seus entes queridos.
Oremos por todos aqueles que se encontram na dor e na tristeza, para que recebam o dom da oração e sejam assim capazes de experimentar força e paz.
Oremos por quem é chamado a viver a paciência no amor.
Oremos para sermos libertados da fé superficial e imatura que quer evitar a cruz.
Oremos por todas as pessoas corajosas que aceitam e abraçam a sua cruz.
Tomáš Halík in “Via Crucis – Encontro com Jesus no caminho da cruz, da nossa vida e da nossa história”
Sábado
Tempo para acreditar
Neste tempo de Quaresma, acolher e viver a Verdade manifestada em Cristo significa, antes de mais, deixar-nos alcançar pela Palavra de Deus, que nos é transmitida de geração em geração pela Igreja. Esta Verdade não é uma construção do intelecto, reservada a poucas mentes seletas, superiores ou ilustres, mas é uma mensagem que recebemos e podemos compreender graças à inteligência do coração, aberto à grandeza de Deus, que nos ama ainda antes de nós próprios tomarmos consciência disso. Esta Verdade é o próprio Cristo, que, assumindo completamente a nossa humanidade, Se fez Caminho – exigente, mas aberto a todos – que conduz à plenitude da Vida.
A Quaresma é um tempo para acreditar, ou seja, para receber a Deus na nossa vida permitindo-Lhe «fazer morada» em nós. No contexto de preocupação em que vivemos atualmente onde tudo parece frágil e incerto, falar de esperança poderia parecer uma provocação. O tempo da Quaresma é feito para ter esperança, para voltar a dirigir o nosso olhar para a paciência de Deus, que continua a cuidar da sua Criação, não obstante nós a maltratarmos com frequência. Na Quaresma, estejamos mais atentos a «dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam, em vez de palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam». Às vezes, para dar esperança, basta ser «uma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença». Viver uma Quaresma com esperança significa sentir que, em Jesus Cristo, somos testemunhas do tempo novo em que Deus renova todas as coisas (cf. Ap 21, 1-6), «sempre dispostos a dar a razão da [nossa] esperança a todo aquele que [no-la] peça» (1 Ped 3, 15): a razão é Cristo, que dá a sua vida na cruz e Deus ressuscita ao terceiro dia.
Cada etapa da vida é um tempo para crer, esperar e amar. Que este apelo a viver a Quaresma como percurso de conversão, oração e partilha dos nossos bens, nos ajude a repassar, na nossa memória comunitária e pessoal, a fé que vem de Cristo vivo, a esperança animada pelo sopro do Espírito e o amor cuja fonte inesgotável é o coração misericordioso do Pai.
Papa Francisco in “Mensagem para a Quaresma de 2021”