Vaidade das riquezas

Reflexão para o mês de novembro de 2022

Texto de Jorge Ferreira, Comunidade Estrada Clara (este texto foi escrito pelo Jorge em novembro de 2008)

“O homem que vive na opulência não permanecerá. Esta é a sorte dos que confiam em si mesmos. Não te preocupes, se alguém enriquece, se aumenta a fortuna da sua casa. Quando morrer, nada levará consigo; a sua fortuna não há-de acompanhá-lo.”  Salmo 49

Em tempo de crise, as palavras proféticas da Bíblia gritam-nos com mais força. Crise que não é uma doença nem uma catástrofe natural diante das quais somos quase impotentes, mas uma crise provocada por homens. Homens que sem escrúpulos fazem mal aos seus semelhantes. Há dias, na SIC Notícias, um comentador dizia que a irresponsabilidade dos especuladores da bolsa estava ao nível da irresponsabilidade de Hitler, Mao Tse ou Pol Pot. Homens estes que queriam ter mais dinheiro e mais poder, mais dinheiro e mais lucro, mais lucro e mais dinheiro, mais dinheiro e mais dinheiro. Perderam. E com eles todos. E ao que parece todo o mundo, em efeito dominó, como dizem os economistas.

Penso que toda esta busca incessante e incansável que se faz pelo dinheiro é uma ideia confusa que se generalizou em todas as pessoas de que o dinheiro traz felicidade ou nos põe perto dela. Querer ter mais dinheiro é normal e saudável. Querer ter muito dinheiro, acumular riqueza, possuir tudo à volta até onde o olhar alcança é doença. A árvore do fruto proibido do Éden lembra-nos isso: não nos é dado ter tudo nem saber tudo. O homem não soube ver quão maravilhoso era tudo à volta e preferiu aquele fruto. Hoje faz-se o mesmo. A felicidade não vem de termos mais dinheiro, mas vem na medida em que nos realizamos. Não valemos pelo que temos dentro dos bolsos, mas pelo que temos dentro da cabeça. Somos felizes na medida em que percebemos o que se passa à nossa volta, na medida em que compreendemos os nossos irmãos, os nossos amigos, o mundo, o cosmos. Não se chega a este conhecimento preocupados em ganhar dinheiro nem a pensar no carro que vamos comprar amanhã. A felicidade é um estado sereno. Quieto. Calmo. A felicidade não faz barulho. Não é um mero divertimento. É um estado interior. Parece-me que a felicidade estará ao nível daquilo a Abraham Maslow chama de autorrealização. Na teoria da hierarquia das necessidades humanas que ele apresenta em forma de pirâmide com cinco níveis, a autorrealização é o nível mais elevado e “depende da realização e cumprimentos máximos dos nossos potenciais, talentos e capacidades. Se uma pessoa não estiver autorrealizada, ficará impaciente, frustrada e descontente”. Assim estava o Jovem rico que Jesus encontrou um dia. Apesar da sua grande fortuna e de cumprir todos os mandamentos, como dizia, sentia-se insatisfeito. Jesus disse-lhe como deveria alcançar a felicidade, mas ele não foi capaz de a encontrar “porque possuía muitos bens”. Diz-nos também Maslow que “independentemente das nossas ocupações e interesses podemos maximizar as habilidades pessoais e atingir o desenvolvimento completo da personalidade. A autorrealização não é limitada a celebridades intelectuais e criativas, como os músicos, artistas, astrofísicos. O importante é desenvolver os seus próprios potenciais no mais alto nível possível, qualquer que seja a missão escolhida”. Uma das diversas condições para que possamos sentirmo-nos realizados que mais aprecio é esta: “Estar livre de restrições impostas pela sociedade e por nós mesmos”. Quais são as restrições que a sociedade nos impõe? Como é que eu me livro destas restrições? Como é que eu descubro que tenho uma vontade, um gosto, uma ideia se estou obcecado pela moda, pela fama, pelas tecnologias, pelo dinheiro, pelo bem-estar material? E já agora: o que é que me faz rir? Rio-me com aquilo que os outros se riem? O que é que de mim quero mostrar aos outros? O que é que os outros vêm em mim? Conhecermo-nos e pensarmo-nos chama a felicidade a nós. Ter um telemóvel que a sociedade nos impõe não chama. Nas Forças de Assinatura de Martin Seligman não é mencionado o dinheiro, ter muito ou pouco. Pelo contrário ter muito dinheiro é normalmente sinal de muitas preocupações. “A boa vida consiste em obter a felicidade através da utilização das suas forças de assinatura nos principais domínios da vida. Uma vida com significado adiciona mais um componente: utilizar estas mesmas forças para promover o conhecimento, o poder ou a bondade.”(Martim Seligman). A descoberta das nossas forças e a sua utilização no dia-a-dia pressupõem estarmos livres de restrições, regras e modelos que nada têm a ver connosco, nada nos acrescentam e nada valem. Maslow diz que a autorrealização exige coragem. Eu digo que é preciso coragem para, por vezes, tomarmos certas decisões, tais como abandonarmos um curso que não nos interessa, um(a) namorado(a) que não nos completa, a comida que nos faz mal, o telemóvel, as modas, as manias, as mentiras, a cama, a televisão, o trânsito, o computador se preciso for para sermos nós mesmos, para sermos felizes. “O processo de autorrealização exige esforço, disciplina e autocontrole. Assim, para muitas pessoas pode parecer mais fácil e seguro aceitar a vida como ela é, em vez de procurar novos desafios. As pessoas realizadas testam-se a si mesmas constantemente, abandonando rotinas seguras, comportamentos e atitudes familiares”. (Maslow)

 “Estou interessada em fazer filmes que desafiem as pessoas a ser protagonistas das suas próprias vidas.” disse Susan Sarandon há dias de passagem por Lisboa. Ela descobriu que todos podemos conduzir e nossa vida. Ela não acha que só os artistas ou pessoas com dinheiro o podem fazer. Por fim, podemos especular se os especuladores da bolsa que especularam demais e com o dinheiro dos outros se sentirão felizes e realizados. Ou especulados!

“Uma vida cheia de significado é aquela que se junta a algo maior do que nós” (Martim Seligman)