X Domingo do Tempo Comum
Caminho, verdade e vida
Não se perturbe o vosso coração, tende confiança. São as palavras primárias da nossa relação com Deus e com a vida, aquelas que devem vir ao nosso encontro mal se abrem os olhos, a cada manhã: afastar o medo, ter confiança.
Ter confiança (nos outros, no mundo, no futuro) é um ato humano, humaníssimo, vital, que impulsiona para a vida. Sem a confiança não se pode ser humano. Sem a fé em alguém não é possível viver. Eu vivo porque confio. Neste ato humano respira a fé em Deus.
Tende fé em mim, Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Três palavras imensas. Que nenhuma explicação pode esgotar.
Eu sou a vida: a estrada para chegar a casa, a Deus, ao coração, aos outros. Sou o caminho: diante de mim não se ergue um muro ou uma barreira, mas horizontes abertos e uma meta. Sou a estrada que não se perde. Shakespeare escreve que «a vida é uma fábula tola recitada por um idiota sobre o palco, plena de rumor e de furor, mas que não significa nada». Com Jesus, a fábula sem sentido torna-se a história mais ambiciosa do mundo, o sonho mais grandioso nunca sonhado, a conquista de amor e liberdade, de beleza e de comunhão: com Deus, com o comos, com o homem.
Ermes Ronchi in “Avvenire”
Segunda-feira
És capaz de perguntar a Deus?
As questões que fazemos definem-nos mais do que as respostas que damos. Compreender uma pergunta em toda a sua profundidade é já ficar a saber algo essencial. Talvez tão ou mais útil do que a resposta. Saber o que perguntar é já uma sabedoria.
Hoje não temos tempo para nada. Ou melhor, só temos tempo para as mil coisas do dia a dia, para as superficialidades importantes que nos consomem anos e anos da existência. É preciso parar e ser capaz de colocar muitas coisas em questão, mais ainda se a nossa vida não parece estar a fazer grande sentido. Talvez fosse bom reservar algum tempo para uma meditação mais calma sobre os pilares da nossa vida, os eixos que nos sustentam, o sentido do que nos move. Não é bom que vivamos sem consciência da realidade que nos envolve, sem sequer nos questionarmos, como se fossemos sábios para quem tudo fosse claro.
Perguntar não é uma demonstração de fraqueza ou ignorância. Na verdade, é ter a humildade que permite bater à porta da verdade. Saibamos encontrar espaço e tempo para perguntar. Para aprofundar questões e buscar a verdade.
Experimentemos fazer perguntas a Deus. É um excelente ponto de partida… desde que estejamos preparados para moderar a nossa pressa e, mais importante ainda, para que as respostas não sejam as mais confortáveis. Mas Deus responde? Sim. Sem pressas e supondo que somos inteligentes ao ponto de não precisarmos que nos grite aos ouvidos ou que nos escreva uma carta. Saibamos nós fazer as perguntas certas e esperar até que a verdade se revele. Nessa altura, tenhamos a coragem de a reconhecer. O mais difícil não é admirar a verdade, mas mudar a nossa vida em função dela.
José Luís Nunes Martins in www.agencia.ecclesia.pt
Terça-feira
Deus diz sim àquilo que nós somos
Deus está presente em cada pessoa, crente ou não-crente. Desde a sua primeira página, a Bíblia descreve com uma grande beleza poética o dom que Deus faz do seu sopro de vida a todo o ser humano.
Através da sua vida na terra, Jesus revelou o amor infinito de Deus por cada pessoa. Dando-se até ao extremo, ele inscreveu o sim de Deus no mais profundo da condição humana. Desde a ressurreição de Cristo, já não podemos desesperar por causa do mundo nem por causa de nós próprios.
Desde então, o sopro de Deus, o Espírito Santo, é-nos dado para sempre. Pelo seu Espírito que habita nos nossos corações, Deus diz sim àquilo que nós somos. Nunca nos cansaremos de ouvir estas palavras do profeta Isaías: «O Senhor elegeu-te como preferida, e a tua terra receberá um esposo.»
Aceitemos então aquilo que somos ou que não somos, procuremos ir até ao ponto de assumir tudo o que não escolhemos e que contudo faz parte da nossa vida. Ousemos criar mesmo que seja partindo do que não é perfeito. E encontraremos liberdade. Mesmo sobrecarregados de fardos, receberemos a nossa vida como um dom e cada dia como um dia de Deus.
Irmão Alois de Taizé in “Carta do Quénia (2009)”
Quarta-feira
“Vede como eles se amam”
A grande aventura cristã não é uma aventura ideológica. Os discípulos não tinham muito para dizer. Imaginemos Pedro: aquele pescador do lago de Tiberíades tinha o quê para dizer aos atenienses, que sabiam muito mais de filosofia do que ele? Que tinha para dizer aos mestres judeus, que haviam escrutinado os vários sentidos da Bíblia mil vezes mais do que ele? Pedro não transportava no seu alforge nenhum tratado excitante para o pensamento, nenhuma descoberta técnica ou teórica. A única coisa que Pedro trazia era Jesus, a sua boa nova pascal e o seu mandamento: “Dou-vos um mandamento novo. Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.” É essa a verdadeira novidade que Pedro e a sua barca que é a Igreja conservam através da história. Testemunhar que a medida do nosso amor, o modelo do nosso amor, pode ser o próprio Cristo. E que somos chamados a amar como ele amou, com aquela disposição, com aquela liberdade, com aquela gratuidade, com aquela capacidade de ser dom até ao fim. A força da identidade cristã radica sempre aqui. O que vemos de extraordinário no Cristianismo das origens é como isso não deixa indiferentes as multidões, que comentam: “Vede como eles se amam.”
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”
Quinta-feira
Um coração alegre
Esperamos com demasiada frequência que a alegria venha a nós, quando a verdade é que a alegria é algo por cuja criação devemos assumir a responsabilidade, não só em nosso favor, mas também em favor dos outros.
A beleza da alegria é que, tal como um vitral através do qual a luz se decompõe numa miríade de cores, esta nos permite ver como a vida é boa, mesmo quando parece não o ser. A alegria não é um acontecimento; é a atitude que uma pessoa saudável adota em cada situação da vida: trabalho, família, vida social, e até em momentos de tensão pessoal. Fala de esperança e de abertura, de possibilidades fascinantes e da convicção profunda de que aquilo que nos é dado na vida é-nos dado para nosso próprio bem.
A pessoa espiritualmente madura confia na presença de um Deus de amor que fará com que este momento, seja ele de que tipo for, amadureça na alma. É através da lente da alegria que devemos aprender a olhar para tudo na vida. Tudo isso é bom, mas nem sempre o reconhecemos, quando acontece.
Para sermos pessoas verdadeiramente santas, devemos deixar de pensar na alegria como um acidente da natureza e começar a fazer dela uma prioridade. E os antigos recordam-nos: «Não há santos tristes.» Nunca confundas santidade com rigidez, morbidez ou mau humor. Estes provêm da preocupação com o ego, não de uma qualquer perceção da presença de Deus.
Joan Chittister in “Os tempos do coração”
Sexta-feira
Tudo e todos interligados
É imprescindível voltar a cada um, a cada uma, começar por si próprio, por si própria. E aí está a relação de cada um, de cada uma consigo mesmo, consigo mesma. A Humanidade é constituída por pessoas, em ligação com tudo e com todos, mas únicas.
Cada um precisa de ter uma relação boa consigo, portanto, com o seu passado. Afinal, o presente já foi, no passado, um sonho de futuro(s): é sempre no presente que vivemos, mas relacionados com o passado. Olhando para o passado, talvez não fiquemos satisfeitos, pois houve erros, disparates, sei lá!, e então é preciso é reconciliar-se com ele para que não continue a envenenar-nos – nisto, o crente sabe que deve contar com Deus: Ele entende e perdoa. No presente, é preciso pensar no futuro, já que o presente é inevitavelmente voltado para as possibilidades futuras: que futuro projetamos, que queremos para o futuro, sabendo concretamente que, pensando nele, inevitavelmente deparamos com a morte? Colocando-me na perspetiva do fim – também a história individual só a partir do fim se pode ler toda -, que quero, no fim, ter feito de mim, em ligação com os outros? De tal modo que possa esperar, sem ilusões, que a morte não tem a última palavra. Como disse I. Kant de forma lapidar: “A práxis tem de ser tal que não se possa pensar que não existe um Além.”
Padre Anselmo Borges in “Diário de Notícias” (29.Maio.2021)
Sábado
Uma Igreja que se evangeliza
Cada um de nós é chamado a responder a três perguntas fundamentais: “Acreditas no que anuncias? Vives aquilo em que acreditas? Anuncias o que vives?” Não podemos contentar-nos com respostas fáceis. Somos chamados a aceitar até o risco desestabilizador da busca, confiando plenamente na ação do Espírito Santo que age em cada um de nós, impelindo-nos sempre mais além.
Assim, devemos estar conscientes de que os destinatários da evangelização não são somente os outros, aqueles que professam outras crenças ou que não as professam, mas também nós próprios, crentes em Cristo e membros ativos do Povo de Deus. E devemos converter-nos todos os dias, aceitar a palavra de Deus e mudar de vida: todos os dias! É assim que se faz a evangelização do coração. Para dar este testemunho, até a Igreja enquanto tal deve começar pela evangelização de si mesma. Se a Igreja não se evangelizar, continuará a ser uma peça de museu. Ao contrário, o que a atualiza continuamente é a evangelização de si própria. Tem necessidade de ouvir sem cessar aquilo em que deve acreditar, as razões da sua esperança e o mandamento novo do amor. A Igreja, que é Povo de Deus imerso no mundodeve ouvir sempre o anúncio das obras de Deus. Em síntese, significa que ela tem sempre necessidade de ser evangelizada, deve seguir o Evangelho, rezar e sentir a força do Espírito que transforma o coração.
Uma Igreja que se evangeliza para evangelizar é uma Igreja que, guiada pelo Espírito Santo, é chamada a percorrer um caminho exigente, uma senda de conversão, de renovação. Isto implica também a capacidade de mudar os modos de compreender e viver a sua presença evangelizadora na história, evitando refugiar-se nos âmbitos protegidos da lógica do “sempre se fez assim”. São refúgios que adoecem a Igreja. A Igreja deve ir em frente, deve crescer continuamente, e assim permanecerá jovem. Esta Igreja está inteiramente voltada para Deus, portanto participa no seu desígnio de salvação para a humanidade e, ao mesmo tempo, está totalmente voltada para a humanidade. A Igreja deve ser uma Igreja que se encontra dialogicamente com o mundo contemporâneo, que tece relações fraternas, que gera espaços de encontro, colocando em ação práticas de hospitalidade, de acolhimento, de reconhecimento e de integração do outro e da alteridade, e que cuida da casa comum que é a criação. Ou seja, uma Igreja que se encontra dialogicamente com o mundo contemporâneo, dialoga com o mundo contemporâneo, mas que se encontra com o Senhor todos os dias, dialoga com o Senhor e deixa entrar o Espírito Santo, que é o protagonista da evangelização.
Papa Francisco in “Audiência Geral de 22.março.2023”