XI Semana do Tempo Comum

Domingo

Rezar com o coração em Deus e no mundo

Os rabinos são muito claros: a oração não serve para nos colocar num mundo só nosso. Não rezamos para escapar ao mundo que nos rodeia. Rezamos com um olho no mundo, para chegarmos a compreender aquilo que nos é realmente pedido, aqui e agora, no nosso tempo, como cocriadores do Universo.

Quando Deus colocou a raça humana num jardim chamado terra, foi – nisso as Escrituras são claras – para que a conduzisse à plenitude da vida. Espera que mantenhamos a terra em boas condições, que a usemos e desenvolvamos, para que frutifique e multiplique as suas energias criativas, para fazermos a nossa parte, levando à plenitude todos os aspetos da Criação.

O que Deus não completou, compete-nos a nós acabar. Deus deu-nos as plantas e pretende que as cultivemos e façamos a colheita, para o bem do mundo inteiro. Deus deu-nos o sol e quer que usemos a sua energia de forma a manter a vida e não a destrui-la. Deus deu-nos todas as matérias-primas da vida – físicas, psicológicas e mentais – e espera que façamos crescer plenamente aquilo que foi criado em embrião. Todos nós somos trabalhadores no jardim da vida.

A oração deve servir para nos fazer ver o mundo como Deus o vê. Deve servir para expandir a nossa visão e não para nos prender num mundo que consiste apenas em nós.

O compromisso para com as necessidades do mundo é um sinal da presença de Deus em nós.

Joan Chittister  in “O sopro da vida interior”

Segunda-feira

Como posso eu ser feliz

O apóstolo são Paulo já dizia aos Tessalonicenses: «Irmãos, sede sempre felizes!». E como posso eu ser feliz? É ele mesmo que diz: «Rezai, ininterruptamente, e dai graças por tudo!». Podemos encontrar a alegria cristã na oração, dado que tal júbilo vem da prece, mas também da ação de graças a Deus: «Obrigado, Senhor, por toda esta beleza!».

Para ter esta alegria cristã, em primeiro lugar é preciso rezar; em segundo lugar, dar graças. E como me devo comportar, para dar graças? Recorda-te da tua vida, e pensa nas numerosas situações positivas que a tua vida te proporcionou: numerosas. Há muitas situações pelas quais dar graças ao Senhor. É precisamente isto que nos habitua à alegria. Rezar, dar graças…

Além disso, há uma dimensão que nos ajudará a ser alegres: transmitir a boa notícia também aos outros. Nós somos cristãos. «Cristãos» vem de «Cristo», e «Cristo» significa «ungido». Por isso, nós somos «ungidos»: o Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me consagrou com a unção. Nós estamos ungidos: «cristãos» quer dizer «ungidos». E por que motivo somos ungidos? Para realizar algo? «Ele enviou-me para transmitir o alegre anúncio», mas a quem? «Aos miseráveis», «curar as chagas dos corações feridos, proclamar a liberdade aos cativos, libertação aos prisioneiros, promulgar o ano da graça do Senhor» (cf.Is 61, 1-2). Esta é a vocação de Cristo e também a vocação dos cristãos. Ir ao encontro do próximo, daqueles que vivem em necessidade, tanto material como espiritual… Há muitas pessoas que sofrem angustiados, devido a problemáticas familiares… É preciso levar ali a paz, a unção de Jesus.

Papa Francisco  in “Homilia do III Domingo do Avento (14.12.2014)”

Terça-feira

Alegria

A alegria do coração: eis a tua vida. Deixa a tristeza! Este apelo de um crente que viveu muitos anos antes de Cristo dirige-se também hoje a nós. Nas nossas vidas, passamos por provações e sofrimentos, por vezes durante longos períodos. Contudo, gostaríamos sempre de tentar reencontrar a alegria de viver. De onde nos vem essa alegria? Ela é desperta pela surpresa de um encontro, pela duração de uma amizade, pela criação artística ou ainda pela beleza da natureza… O amor que nos é dado faz nascer uma felicidade que preenche aos poucos as profundezas da alma. E somos assim levados a seguir uma opção consciente pela alegria.

Por vezes, os que conhecem a pobreza e a privação conseguem ter uma alegria de viver muito espontânea, uma alegria que resiste ao desalento. Quando, em várias ocasiões, a Bíblia convida à alegria, mostra qual é a sua fonte. Esta alegria não depende apenas das circunstâncias momentâneas; ela brota da confiança em Deus: «Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: alegrai-vos… O Senhor está próximo.» Em Cristo, Deus partilhou a nossa condição para que cada ser humano se saiba amado com um amor de eternidade e encontre assim a sua alegria numa comunhão com Deus. Quando acreditamos nele, os nossos olhos abrem-se ainda mais a tudo o que é humano – o amor de uma mãe pelo seu filho, a dedicação dos que cuidam de doentes… nestes atos de generosidade, Cristo está presente, por vezes sem ser reconhecido. Cristo conduz à renovação radical do ser humano. O Espírito Santo depositou a alegria de Cristo ressuscitado nas profundezas da nossa alma. Essa alegria não está presente apenas quando tudo é fácil. Quando deparamos com uma tarefa exigente, o esforço pode reanimar a alegria; e, mesmo nas provações, ela pode permanecer escondida como as brasas sob a cinza, sem contudo se apagar.

Irmão Alois de Taizé in “Carta do Chile (2011)”

Quarta-feira

Não podemos viver sem esperança

Não podemos viver sem esperança, mas esta não é uma tarefa nem evidente, nem fácil. Precisamos de uma educação para a esperança. A esperança não é um lenitivo que adormece a dor até que ganhemos coragem para tratar a sério da vida, mas uma força que impregna já o presente e nos motiva para a transformação da história. A esperança é um compromisso. Não é uma abstração idealizada, mas um dinamismo concreto, uma laboriosidade no aqui e no agora, um fazer aberto ao futuro.

Sobre o seu significado profundo e como se pratica, há aquela história do velho monge que se propunha alcançar o cimo de uma montanha e que, numa das etapas iniciais do caminho, pernoitou numa estalagem. O estalajadeiro reparou na sai fragilidade e tentou dissuadi-lo, enumerando os perigos que o espreitavam. O monge, porém, respondeu: “Tenho a certeza de que chegarei lá.” “E como é que um homem fraco como tu pode ter semelhante certeza?” O ancião retorquiu: “Coloquei lá em cima o meu coração e, por isso, sei que, mesmo assim inseguros, os meus passos hão de chegar lá.”

José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”

Quinta-feira

De onde voltar a partir

Muitas vezes, conhecemos pouco aquilo que é familiar debaixo dos nossos olhos, porque está oculto pela sua simplicidade e quotidianidade. A vida diária é, muitas vezes, teatro de uma tensão constante, um conjunto de práticas monótonas, de ambientes fechados de relações contorcidas.

Nesta vida laboriosa e oprimida, se queremos permanecer de pé e não sermos arrastados, devemos tomar como exemplo o estilo de vida do monge e do artesão. Para eles, a prioridade é o presente, o “kairòs”, o tempo da beleza e da harmonia que nasce do recolher e dar valor a cada fragmento. O monge e o artesão incarnam-se no presente, atravessam-no, para encontrar a medida ajustada da harmonia, e buscar uma sabedoria que torne habitável esta nossa vida terrena. O viver intensamente o presente condu-los a conquistar-se a si próprios e a sair de si. Para eles, a atenção aos particulares é um estilo de vida orientado para a profundidade e para a interioridade; um detalhe é aquilo que os faz comover, é aquilo que os faz enamorar, que os faz perder por um momento na vertigem do infinito.

Hoje, a nossa vida é uma contínua migração para um mundo perdido e desorientado de fragmentos que já não sabemos utilizar. Deus, pelo contrário, está sempre muito atento aos fragmentos: aos olhos, aos gestos, a como se fazem e dizem as coisas, ao grão de mostarda, à ovelha perdida, ao óbolo da viúva. Em cada momento de crise, Deus pede-nos para partir dos fragmentos e dos detalhes para retomar o caminho e a nossa dignidade.

Os embriões de novidade que sinto no ar e dos quais gostaria de recomeçar para estar por dentro do mistério da vida são a beleza e a ternura, o perdão e a fidelidade a cada dia. E estes frágeis gestos têm a força de voltar a pôr de pé a nossa vida.

Luigi Verdiin “Il domani avrà i tuoi occhi”

Sexta-feira

Enganar o tempo

«O homem moderno pensa que perde tempo quando não faz as coisas à pressa. Todavia não sabe depois o que fazer do tempo que poupou, a não ser matando-o.»

Por um lado, o grande mandamento é o de não perder tempo, de agir com celeridade, de não dar trégua a si próprio enquanto não foram alcançadas as metas predefinidas, ignorando tudo o resto, “drogando” os próprios ritmos do corpo. «Tempo é dinheiro!», repetem-nos desde que somos crianças.

Por outro lado, porém, quando se consegue finalmente ter tempo livre e disponível, não se sabe o que fazer dele, é como um brinquedo inútil, e então entra em cena a frase citada: resignamo-nos a “matar o tempo”, a esperar voltar à agitação.

A razão última desta contradição está precisamente na incapacidade de viver o tempo, sem ser ou exterior a ele ou seu escravo. Equilibrar os ritmos, reencontrar “tempos e momentos” para cada ação.

Ser capaz de agir e refletir, de trabalhar e de cultivar interesses mais livres e criativos, viver os dias de semana e desfrutar dos dias festivos, imergir nas coisas e reencontrar-se a si mesmo na oração e no silêncio: é esta a difícil arte de viver o tempo.

Cardeal Gianfranco Ravasi in “Avvenire”

Sábado

A semente de Deus converte terra árida em chão fecundo

O semeador sai para semear. Jesus imagina a história, a criação, o reino como uma grande sementeira: é tudo um semear, um voo de trigo ao vento, na terra no coração. É todo um germinar, um brotar, um maturar. Cada vida é narrada como um amanhecer contínuo, uma primavera tenaz. E eis que o semeador, que pode parecer desprevenido, porque parte das sementes cai sobre pedras, silvas e estrada, é, ao invés, aquele que abraça a imperfeição do campo do mundo, e ninguém é discriminado, ninguém excluído da sementeira divina. Somos todos duros, espinhosos, feridos, opacos, mas a nossa humanidade imperfeita é também um torrão de terra boa, sempre apta a dar vida às sementes de Deus.

Há no campo do mundo, e naquele do meu coração, forças que contrastam a vida e os nascimentos. A parábola não explica porque é que isso acontece. E também não explica como arrancar ervas daninhas, remover pedras, expulsar pássaros. Mas fala-nos de um semeador esperançoso, cuja confiança, no fim, não é traída: no mundo e no meu coração está a crescer trigo, está a amadurecer uma profecia de pão e de fome saciada. Explica-o o verbo mais importante da parábola: deu fruto. Até cem por um. E não é um piedoso exagero. Vai a uma seara e vê que, por vezes, de um só grão podem brotar vários caules, cada um com a sua espiga. A ética evangélica não procura campos perfeitos, mas fecundos. O olhar do Senhor não pousa sobre os meus defeitos, sobre pedras ou silvas, mas sobre o poder da Palavra que revira os torrões pedregosos, protege os rebentos novos e rebela-se contra toda a esterilidade.

Jesus narra a beleza de um Deus como o semeador infatigável das nossas charnecas. E fará de mim terra boa, terra mãe, berço acolhedor de embriões divinos.

Ermes Ronchi in “Avvenire”