XIV Semana do Tempo Comum

XIV Domingo do Tempo Comum

Humanismo cristão

Sem Deus, o ser humano não sabe para onde ir e não consegue compreender quem seja. Perante os enormes problemas de desenvolvimento dos povos, que quase nos levam ao desânimo e à rendição, vem em nosso auxílio a palavra de Jesus Cristo que nos encoraja: “Eu estarei sempre convosco até ao fim do mundo.” (Mt 28, 20). Diante da vastidão do trabalho a realizar, somos apoiados pela fé na presença de Deus junto daqueles que se unem em seu nome e trabalham pela justiça.

O ser humano não é capaz de gerir sozinho o próprio progresso, porque não pode por si mesmo fundar um verdadeiro humanismo. Somente se pensarmos que somos chamados, enquanto indivíduos e comunidade, a fazer parte da família de Deus como seus filhos, é que seremos capazes de produzir um novo pensamento e desenvolver novas energias ao serviço de um verdadeiro humanismo integral. Por isso, a maior força ao serviço do desenvolvimento é um humanismo cristão que reavive a caridade e que se deixe guiar pela verdade, acolhendo uma e outra como dom permanente de Deus. A disponibilidade para Deus abre à disponibilidade para os irmãos e para uma vida entendida como tarefa solidária e jubilosa. É a consciência do amor indestrutível de Deus que nos sustenta no fadigoso e exaltante compromisso a favor da justiça, do desenvolvimento dos povos, por entre êxitos e fracassos, na busca incessante de ordenamentos retos para as realidades humanas. O amor de Deus chama-nos a sair daquilo que é limitado e não definitivo, dá-nos coragem de agir continuando a procurar o bem de todos. Deus dá-nos a força de lutar e sofrer por amor do bem comum, porque Ele é o nosso Tudo, a nossa esperança maior.

Papa Bento XVI in “Caridade na Verdade”

Segunda-feira

Paz estranha

Onde há Deus, o Deus Amor, o acaso não existe.

O Deus que, uma vez despidos na transparência absoluta da nossa Verdade, com trigo e joio, com grandezas e misérias à mistura, nos dá o abraço do perdão, nos devolve a dignidade de mão dada com a confiança.

Onde há Deus, o Deus Amor, o acaso não existe.

Por experiência, sei que apenas a fé estilhaça o medo, tenha ele o rosto que tiver, e que só no pico do Inverno em Primavera renasceremos.

Onde há Deus, o Deus Amor, o acaso não existe.

Por experiência, sei que apenas desfolhando-nos em transparência absoluta perante Ele, colheremos a paz. A paz livre que vem da Verdade. É uma paz estranha: brota em plena luta como uma flor de fogo; rompe em plena noite como um canto escondido. É a paz dos que andam despidos de posses, vestidos pelo vento. É a paz do pobre que já venceu o medo e se agarra à vida. É a paz que se partilha nos olhos e no riso. É a paz livre que vem da Verdade!

Henrique Manuel S. Pereira in “Os paraísos são interiores”

Terça-feira

Olhai como crescem os lírios

«Não vos preocupeis com a vida» (Lucas 12,22). Isto diz-nos Jesus. E isto parece-nos a coisa mais paradoxal que alguma vez podemos escutar, porque, ao contrário, nós nunca nos libertamos das preocupações, que se tornam, quase sem nos darmos conta, o motivo principal da nossa existência.

Tu insistes: «Não vos preocupeis». A certo ponto, parece que a única coisa que sabemos fazer bem é preocupar-nos. Deixamos de saber criar, entretecer, projetar. Deixamos de sorrir sem uma razão, de estar com os outros gratuitamente, de passear sem um porquê ou de rezar sem tempo. Damo-nos conta, unicamente, do peso cru da vida, a responsabilidade nervosa por cada coisa, fazendo cálculos, procurando seguranças.

Mas Tu, Jesus, explicas-nos: «A vida vale mais do que o alimento e o corpo mais do que a veste» (Lucas 12,23). Se não colhermos isto como uma verdade que apaixona, que salva, acabaremos por esgotar a vitalidade do dom, reduzindo-a a uma inútil luta.

Quando percebemos que a vida é mais, é então que cessamos de viver obcecados por aquilo que é mais pequeno, prisioneiros de detalhes ridículos que nos escravizam. Ensina-nos, Senhor, que a espiritualidade não é, na realidade, uma preocupação a mais entre todas as outras. A verdadeira espiritualidade é aquela que se experimenta no abandono, apenas aí.

José Tolentino Mendonça in “Avvenire”

Quarta-feira

A atenção

A desatenção é, verdadeiramente, o maior pecado do nosso tempo. Há pessoas que, se não estivermos atentos, não compreendermos o quanto são grandes e há problemas da vida em torno dos quais giramos sem fim sem nunca encontrar uma solução por causa da nossa desatenção.

A vida é feita de rebentos. A vida não é uma construção sólida, completa, precisa e definitiva, mas um rebento a que não te podes agarrar para encontrar segurança e derrotar o medo.

Cada sinal de vida deve ser protegido e cultivado, recordando-te de que ele está lá para ti e é já um fruto potencial que precisa de muita atenção.

Uma atenção que te ajude a não cair na indiferença ou na tibieza. Porque a indiferença e a tibieza esvaziam progressivamente a respiração do eterno que está em ti. E transformam a tua vida numa espiral sem sentido de ritos e de hábitos.

Luigi Verdi  in “La realtà sa di pane”

Quinta-feira

Acolhamos os nossos dons e também as nossas limitações

Acolhamos os nossos dons e também as nossas limitações. Deus acolhe tudo de nós; podemos assim aceitar-nos como somos. Começa aí o caminho de uma cura de que todos nós precisamos.

Louvemos a Deus pelos nossos dons. Acolhamos também as nossas fraquezas como uma porta pela qual Deus entra em nós. Para nos acompanhar ainda mais longe, para nos levar a uma mudança de vida, Deus espera que antes de mais nos acolhamos a nós próprios.

A aceitação dos nossos limites não nos torna passivos perante as injustiças, a violência ou a exploração de seres humanos. Pelo contrário, consentir aos nossos limites pode dar-nos força para lutarmos com um coração reconciliado.

O Espírito Santo, fogo oculto no mais íntimo de nós mesmos, transforma pouco a pouco o que em nós e ao nosso redor se opõe à vida.

Irmão Alois de Taizé in “Não esqueçamos a hospitalidade – Carta de 2019”

Sexta-feira

O perene paradoxo de perder para ganhar

Pessoas ambiciosas e egoístas não perdem as suas vidas de uma só vez, mas em pequenas renúncias aos seus verdadeiros eus por eus contrafeitos, de maneira a obter uma qualquer vantagem percebida. Todos somos capazes desta transformação, e é por isso que Jesus diz aos seus discípulos para não se negociarem de maneira a ganhar o que passa por sucesso, importância ou poder (Mateus 16,24-28). O paradoxo de perder para ganhar é evidente em muitas das suas afirmações: o primeiro será o último, e o último o primeiro; o serviço é a chave para a liderança; a grandeza vem da humildade. Jesus modela estas inversões através da sua própria descida à mansidão, para revelar o Deus que, ao se esvaziar, é o oposto do auto-engrandecido.

Deus é amor, e o coração do paradoxo é que, ao perdermo-nos a nós mesmos nos outros, tornamo-nos em quem somos supostos sermos, imagens de Deus. Um único ato de genuíno amor vale o mundo inteiro. Não há maior amor do que dar a sua vida por outra. Por outro lado, um ato de traição, desonestidade, violência ou ódio afasta-nos não só do mundo, mas de nós mesmos.

Ao pegar na sua cruz e perder a sua vida, Jesus reivindicará a vida eterna não apenas para si, mas para nós. Ninguém encontra a sua vida de uma só vez, mas nos momentos do dia-a-dia do abandono de si por amor, essas pequenas cortesias que gradualmente nos formam em Cristo, cuja imagem nos afirmou no dia do nosso Batismo. Tomar a cruz de quem somos é como nos tornamos nos nossos verdadeiros eus, úteis na comunidade, disponíveis para o serviço, partes do mistério mais amplo da Igreja. Se fizermos isso, salvaremos as nossas vidas.

Pat Marrin in “National Catholic Reporter”

Sábado

A vida vive de vida doada

No Evangelho, as regras que dizem respeito à riqueza podem reduzir-se essencialmente a duas: não acumular; aquilo que tens, tens para o partilhar. São as mesmas que encontramos na sequência da parábola sobre um homem rico que tinha tido uma colheita abundante.

Os celeiros dos pobres representam a segunda regra evangélica: os bens pessoais podem e devem servir para o bem comum. Ao contrário, o homem rico está só no centro do seu deserto de relações, envolvido pelo adjetivo «meu» (os meus bens, as minhas colheitas, os meus armazéns, eu próprio, a minha alma). A visão deste proprietário é exatamente a oposta daquela que Jesus propõe no Pai-nosso, onde nunca se diz «eu», nunca se usa o possessivo «meu», mas sempre «tu» e «teu», «nós» e «nosso», raízes do mundo novo.

O homem rico da parábola não tem um nome próprio, porque o dinheiro devorou a sua alma, apoderou-se dele, tornou-se a sua própria identidade: é um rico. Ninguém entra no seu horizonte, nenhum «tu» a quem dirigir-se. Homem sem abertura, sem brechas e sem abraços. Ninguém em casa, nenhum pobre Lázaro à porta. Mas isto não é vida. Com efeito, nesta mesma noite ser-lhe-á pedida a sua vida. Aquele homem já tinha feito crescer e alimentado a morte dentro de si com as suas opções. Já está morto para os outros, e os outros para ele. A morte já tinha feito morada na sua casa.

Sim, porque, sublinha a parábola, a tua vida não depende dos teus bens, não depende daquilo que cada um tem, mas daquilo que cada um dá. A vida vive de vida doada. Somos ricos só daquilo que demos. No balanço do fim dos dias, na coluna do ter encontraremos apenas aquilo que tivemos a coragem de transferir para a coluna do dar.

Quem acumula tesouros para si, não se enriquece junto de Deus. Quem acumula para si, morre lentamente. Pelo contrário, Deus oferece alegria a quem produz amor; e quem cuida da felicidade de alguém, ajudará Deus a cuidar da sua felicidade.

Ermes Ronchi in “Avvenire”