Domingo
Ele estará sempre connosco até ao fim
Ressuscitado da morte, Cristo é movimento ascensional, arrebatamento, vida de Deus em nós que nos eleva para Deus e em Deus nos completa. A ressurreição é movimento que nos arrebata, intensidade de vida que nos envolve, força de Deus que integra e supera as nossas vulnerabilidades e os nossos limites. Aquele que desce e nos serve, é também Aquele que nos eleva consigo para o Pai, que nos coloca em movimento ascensional de futuro, que nos projeta para uma plenitude de vida. Onde estará o Filho, na sua relação íntima com o Pai, na intensidade fecunda do Espírito, também aí, com Ele, nós estaremos e seremos.
Vivemos o presente fundados na promessa do Senhor: «Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos». A sua palavra promete-nos futuro e é o fundamento da nossa esperança. Nas nossas lutas diárias, nas nossas resistências aos desafios inesperados da história, no nosso cuidado pela criação, no nosso testemunho de discípulos tentando viver as bem-aventuranças e ser sal da terra e luz do mundo, o Senhor está connosco. Não estamos desamparados. A sua promessa consola-nos, conforta-nos e encoraja-nos. Podemos viver com atrevimento e ousadia: Ele está connosco em todos os dias da nossa vida, os luminosos e os mais sombrios, os de paz interior e os de tormenta, os de clareza e os de incerteza. Que o Senhor «ilumine os olhos do nosso coração para compreendermos a esperança a que somos chamados».
Padre António Martins, capelão da Capela do Rato in “Homilia no Domingo da Ascensão (24.05.2020)”
Segunda-feira
Mesmo com o amor avassalador de Deus, o que decide é a liberdade do nosso “sim” ou “não”
Mesmo com o amor avassalador de Deus, é a liberdade humana que decide. Qual é o valor do nosso “sim” se não pudermos dizer “não”? Jesus olhará para Jerusalém e chorará, porque a cidade de David não conhecia a hora da visita de Deus. A consequência será a oportunidade perdida. Não há necessidade de punição. A virtude é a sua própria recompensa, enquanto a negligência é a sua própria perda. Simplesmente colhemos o que plantamos. A nossa fé religiosa não nos desculpa ou resgata da realidade. O Evangelho entra para o topo das leis básicas da vida e das regras de responsabilidade social.
A boa notícia é que ainda podemos controlar o resultado de grande parte da nossa realidade pessoal. Não somos vítimas de um destino cego ou do julgamento divino. Deus é sempre amor, sempre perdão, sempre pronto para nos mostrar como lidar com os desafios e reveses da vida, como ser inteligente e proativo. Mesmo quando cometemos erros ou agimos de maneira imprudente, se queremos ajuda, Deus oferece maneiras criativas de corrigir as coisas, começar de novo.
O discipulado cristão foi primeiramente denominado, simplesmente, “O Caminho”. Era um conjunto de ensinamentos, mas sempre no contexto da comunidade, redes de relacionamentos, projetos comuns para tornar a vida mais pacífica e justa. Atraiu outras pessoas que viram os benefícios da caridade e do apoio mútuo. Foi neste contexto que os crentes experimentaram a presença viva de Jesus, cuja morte e ressurreição ofereceram um padrão de renúncia e alegria na vida do dia a dia. Somos convidados a abraçá-lo livremente como um estilo de vida e um encontro contínuo com o mistério de Deus. Esta é a boa notícia.
Pat Marrin in “National Catholic Reporter”
Terça-feira
Ser paz
Irmão, irmã, a paz começa por nós; começa por mim e por ti, por cada um de nós, pelo coração de cada um de nós. Se viveres a sua paz, Jesus vem e a tua família, a tua sociedade, mudará. Mudarão se primeiro o teu coração não estiver em guerra, não estiver armado de ressentimento e raiva, não estiver dividido, não for ambíguo, não for falso. Pôr paz e ordem no coração, desativar a ganância, extinguir o ódio e o rancor, evitar a corrupção, evitar a trapaça e a astúcia: é aqui que começa a paz. Gostaríamos de encontrar sempre pessoas mansas, bondosas e pacíficas, a começar pelos nossos familiares e vizinhos. Mas Jesus diz: «Leva tu a paz à tua casa, começa por honrar a tua esposa e amá-la com o coração, respeitando e cuidando dos filhos, dos idosos e dos vizinhos. Irmão e irmã, por favor, vive em paz, acende a paz e a paz habitará na tua casa, na tua Igreja, no teu país».
Após a saudação de paz, o resto da mensagem confiada aos discípulos reduz-se às poucas palavras que Jesus repete duas vezes: «O reino de Deus está próximo!». Anunciar a proximidade de Deus, que é o seu estilo; o estilo de Deus é claro: proximidade, compaixão e ternura. Este é o estilo de Deus. Anunciar a proximidade de Deus, isto é essencial. A esperança e a conversão vêm daqui: do acreditar que Deus está próximo e vela por nós: Ele é o Pai de todos nós e quer que todos nós sejamos irmãos e irmãs. Se vivermos sob este olhar, o mundo já não será um campo de batalha, mas um jardim de paz; a história não será uma corrida para chegar primeiro, mas uma peregrinação comum. Tudo isto — lembremo-nos bem — não requer grandes discursos, mas poucas palavras e muitos testemunhos. Então podemos perguntar-nos: quem quer que me encontre, vê em mim uma testemunha da paz e da proximidade de Deus, ou uma pessoa agitada, zangada, impaciente e beligerante? Mostro Jesus ou escondo-o nestas atitudes guerreiras? O Senhor nos ajude a ser missionários hoje, caminhando com o nosso irmão e irmã; tendo nos lábios a paz e a proximidade de Deus; levando no coração a mansidão e a bondade de Jesus.
Papa Francisco in “Homilia no XIV Domingo do Tempo Comum (03.06.2022)”
Quarta-feira
Gratuidade
O bom samaritano é uma grande referência para compreender o valor de cada amor gratuito, de um verdadeiro amor gratuito.
Em primeiro lugar, o samaritano «teve compaixão», com-padecer, sofrer com ele e compartilhar. A compaixão não é uma sensação interior ou passageira, ou um vago sentimento, mas uma ação em direção da miséria, de qualquer género. Depois, «tomou-o sobre si», encarrega-se dele. Não só se compadece, mas inicia o verdadeiro esforço do amor: agir. E depois levou-o ao albergue e fez tudo aquilo que podia fazer, «até que ele ficasse curado». Encarregar-se dos outros, não só quando custa pouco, mas enquanto o outro não for capaz de caminhar sozinho.
Mas o máximo do amor e a verificação de todo o amor gratuito é desaparecer sem esperar gratificações ou agradecimentos. O samaritano, depois de ter feito todo o possível, «partiu».
Quando fazemos alguma coisa pelos outros, vivemos a desproporção narrada no Evangelho. Cinco pães e dois peixes para 50 mil pessoas, esta é a desproporção. Oferece-se aquilo que não se tem, coloca-se à disposição aquilo que não chega sequer para nós. Esta gratuidade que não espera que tudo funcione, mas que tem é grata pelo pouco que tem; porque aquilo que conta nunca é um sinal extraordinário, mas autêntico e discreto.
É muito precioso o amor gratuito, e para o fazer nosso devemos cuidar-nos mais, cuidar da doçura do nosso olhar, até o aperto de mão e o abraço, até termos uma espessura de ternura. É daqui que pode começar o nosso caminho para um amor amadurecido.
Luigi Verdi in “La realtà sa di pane”
Quinta-feira
Ser Cristão
Cristo não nos veio substituir, Cristo veio motivar-nos, Cristo veio possibilitar-nos, Cristo veio dar-nos a capacidade de, mas temos de ser nós a lançar-nos nesta experiência que é sobretudo uma arte de ser, uma arte de ser.
O Cristianismo não é apenas uma verdade que nós mantemos na história. É antes de tudo uma cultura, um modo de ser, um conjunto de atitudes, um conjunto de escolhas que fazem realmente a diferença na nossa vida. Nós, verdadeiramente, não nos sentimos dignos do nome de cristãos enquanto o ser cristãos na nossa vida não faz a diferença. Por sermos cristãos acontecem determinadas coisas na nossa vida. Há passos, há rumos, há trilhos que nós fazemos em nome da nossa fé.
Isto é um trabalho interior de grande vigilância, é um trabalho paciente que acontece. Sto. Agostinho lembrava: “Nós não nascemos cristãos, nós tornamo-nos cristãos.” Muitas vezes, com surpresa, nós cristãos de há muitas décadas descobrimos que não somos cristãos, ou que naquela circunstância precisa não fomos cristãos, ou que naquela reação, naquele modo de pensar, naquele juízo nós não fomos cristãos. Mas, de certa forma, não temos que nos espantar porque o Cristianismo não é natural em nós, não é natural. É um tornar-se, é uma transformação, é uma metamorfose, é uma mudança que tem de acontecer em nós.
Por isso, nós precisamos desta ligação a Cristo, precisamos da força da oração. Sem oração nós não conseguimos. Precisamos de reencontrar a força e o sentido da oração, que é o grande estímulo neste processo de transformação em que nós estamos. Por isso, um cristão não navega com o piloto automático, isso não existe. Um cristão tem de estar sempre atento, e ele com as mãos no leme, sabendo que Deus coopera com ele. Mas sabendo que cada passo, cada gesto precisa ser levado a Cristo. Temos que levar a nossa vida a Cristo para que Cristo a ilumine, para que Ele nos revele aquilo que a nossa vida é e o que ela pode ser.
José Tolentino Mendonça in “Homilia na Solenidade da Ascensão do Senhor (17.05.2015)”
Sexta-feira
Ousemos deixar explodir a alegria da Ressurreição
Jesus amou até ao fim, não condenava ninguém. E nós acreditamos que ele ressuscitou. Ninguém pode descrever ou mesmo imaginar a ressurreição de Jesus. Podemos apenas dizer que ele venceu o ódio com o amor, que a morte não teve a última palavra. Ele vive e acompanha misteriosamente cada ser humano.
Por que é que Deus não respondeu imediatamente ao grito de Jesus na cruz ressuscitando-o no próprio dia da sua morte? Porque Jesus, como muitos homens, mulheres e crianças, teve de conhecer o silêncio de Deus para ser completamente solidário connosco. Há uma imagem que exprime este amor magnificamente: é o ícone da ressurreição. Ali, vemos Jesus, que desce às mais profundas trevas. E o que faz Jesus? Abre as portas do inferno. Pega nas mãos de Adão e de Eva, simbolizando toda a humanidade, e volta a subir, libertando-os desta prisão. Então, ousemos deixar explodir a alegria da ressurreição, a alegria de Cristo nas nossas vidas. Longe de nos afastar dos que sofrem, esta alegria concede-nos, pelo contrário, a coragem de fazer face ao nosso próprio sofrimento e ao dos outros.
Para manter e reencontrar sempre o impulso desta fé pascal, necessitamos de caminhar com outros, de falar com outros sobre a nossa fé, as nossas dúvidas, sobre como rezar. Por isso, vos encorajo a caminhar em conjunto com outros, não sozinhos, na fé, e, de igual modo, a permanecer conscientes da beleza da terra, da natureza, e tudo fazer para cuidar do ambiente.
Nós, os irmãos, vivemos em conjunto porque queremos exprimir, pela nossa vida de comunidade, que Cristo ressuscitou, que nos reuniu nele, para além de todas as diferenças que podem existir entre nós. Agradeçamos a Deus por nos reunir por Cristo no Espírito Santo nesta comunhão única que é a Igreja: mesmo pobre e imperfeita, ela permite-nos ser um sinal de amor de Deus por toda a humanidade.
Irmão Alois de Taizé in “Meditações semanais em Taizé” (www.taize.fr)
Sábado
Amarás
A conversão é a inversão da rota do barco que, se continua assim, vai direita às rochas. Não serve fazer a conta dos bons e dos maus, é preciso reconhecer que é todo um mundo que tem de mudar de direção: nas relações, na política, na economia, na ecologia.
Nunca como hoje sentimos como é atual este apelo do coração de Jesus. Nunca como hoje compreendemos que tudo na criação está em estreita conexão: se há milhões de pobres sem dignidade nem instrução, será todo o mundo a ser desprovido do seu contributo; se a natureza é envenenada, morre também a humanidade; a extinção de uma espécie equivale a uma mutilação de todos.
Convertei-vos à palavra que é cumprimento da lei: «Amarás». Amai-vos, em vez de vos destruirdes. O Evangelho está todo aqui. À gravidade destas palavras faz de contraponto a confiança da pequena parábola da figueira estéril: o dono está cansado, quer frutos, fará cortar a árvore. Mas o agricultor sábio, com o coração no futuro, diz: «Mais um ano de cuidado e saborearemos o fruto».
Mais um ano, mais sol, chuva e cuidado para que esta árvore, que sou eu, esteja boa e dê fruto. Deus agricultor, dobra-se sobre mim, hortelão confiante deste pequeno horto no qual semeou tanto para tirar tão pouco.
Todavia, continua a enviar germes vitais, sol, chuva, confiança. Ele acredita em mim antes mesmo que eu diga sim. O seu propósito é trabalhar para fazer florescer a vida: o fruto do próximo verão vale mais do que três anos de esterilidade. E por isso desencadeia processos, inicia percursos, entrega-nos uma antecipação de confiança. Não se sabe quanta exposição ao sol de Deus precisará uma criatura para chegar à harmonia e ao florir da sua vida. Por isso, tem confiança, sê indulgente com todos, e também contigo próprio. A primavera não se deixa perturbar, nem a Páscoa se rende. A confiança é uma vela que impele a história. E, verás, aquilo que tarda, virá.
Ermes Ronchi in “Avvenire”