Domingo
Todos os dias são os últimos porque são únicos
Há quem tema o fim do mundo, se deixe esmagar pela certeza de que um dia todos deixaremos de estar aqui. Em momentos diferentes, mas todos vamos deixar este mundo. Há quem desespere com essa verdade que parece impedir a esperança.
Talvez a verdade seja que a vida não é para adiar, é para cumprir, da melhor forma possível, sem nos perdermos em tempos que não são os nossos, que não podemos alterar. O passado e o futuro escapam-nos, e quando nos demoramos a pensar neles, perdemos o presente. O hoje. A vida.
É certo que o dia do fim chegará, e haverá um dia antes desse. E se nesses, como nos anteriores, tivermos sido mais fortes do que os medos que nos paralisam e do que os egoísmos que nos impossibilitam de sermos melhores, então, se tivermos tido essa coragem, a nossa vida foi felicidade, apesar de todas as dores.
O que podemos esperar depois do fim desta vida? Creio que tudo. Não somos capazes de compreender o porquê de tudo, mas somos inteligentes o suficiente para que nos seja evidente que o mundo e tudo o que há nele, visível e invisível, não são o resultado de uma explosão sem sentido. Até pode haver acasos, mas não será tudo um acaso!
Este mundo está cheio de sinais simples de que tem sentido. O tempo passa e nós com ele. Como se a existência fosse um enorme palco onde todos são livres de escrever o seu papel. Um palco num comboio que vai parando para que uns entrem e outros saiam. As estações não são o nada, mas outro mundo. As certezas que não temos não são mais importantes do que a fé que podemos ter.
A minha vida não é o mal que me acontece, é o bem de que sou capaz. Viver é acrescentar. Que eu aprenda a estar atento ao que brota de novo em mim… e não é para mim! Que hoje seja diferente, que haja mais luz no mundo e que uma parte brote de mim!
José Luís Nunes Martins in www.agencia.ecclesia.pt
Segunda-feira
Um novo dia
Ao acordar pela manhã, sorrio. Tenho diante de mim um dia novo em folha. Nós vemo-lo como uma página de agenda, marcada por um número e um mês. Tratamo-lo com ligeireza, como uma folha de papel. Se pudéssemos revolver o mundo e ver este dia elaborar-se desde o fundo dos séculos, compreenderíamos o valor inestimável de um só nosso dia.
Deste veloz curso do tempo não nos preocupamos, e por isso foi cunhada a expressão «enganar o tempo», não tanto para procurar arrancar-lhe qualquer coisa mais, mas sobretudo para o queimar mais depressa.
Precisamente num livrinho intitulado “Enganar o tempo” encontro a belíssima reflexão de Madeleine Delbrêl (1904-1964), uma extraordinária mística francesa que viveu nos bairros operários pobres da periferia parisiense.
O seu é um convite a descobrir não só o valor do tempo, mas também o de ser guardador de um mistério: nele, com efeito, aninha-se uma centelha de eternidade. E isto não apenas porque Cristo, ao incarnar, depositou uma semente divina na nossa condição de criaturas, mas também porque é aqui e agora que nós construímos o destino futuro de luzes ou de sombras, de glória ou de silêncio.
O salmista convida-nos, cada dia, a rezar assim: «Senhor, ensinai-nos a contar os nossos dias, e teremos a sabedoria do coração» (90, 12). Cada novo dia foi para nós pensado por Deus desde a eternidade, e nele se encerra um pequeno mistério de salvação.
Cardeal Gianfranco Ravasi in “Avvenire”
Terça-feira
Canção angélica
A oração não é uma mensagem engarrafada ao sabor de ondas sem praia. Também não é uma retirada do mundo, nem uma dependência em relação a um Deus legislador e juiz, concebido segundo uma ultrapassada imagem de rei déspota. Não exige um momento ou um lugar separado do quotidiano, como se o sagrado fosse um território privado.
Rezar é abraçar o mundo na sua totalidade, continuando com as raízes no mundo e no tempo. É pôr as mãos em concha para ouvir, decifrar o sentido oculto, adivinhar os acenos e os murmúrios. Depois arregaçar as mangas para a resposta, reunir forças para ser senhor de si próprio. E a partir daí soltar as velas e reorientar a vida na crista das ondas.
Rezar é mais. Rezar é o superlativo de cantar. A oração é a canção angélica, a canção chorada de mãos postas. Rezar é calar para escutar a música profunda que ecoa em nós.
A salvação é a descoberta e o reconhecimento em nós desta possibilidade de grandeza que torna incapaz a alienação.
Henrique Manuel S. Pereira in “Os paraísos são interiores”
Quarta-feira
O amor envolvente
“Escuta Israel”: cada um de nós é a resposta a uma chamada. É a resposta existencial, sinuosa mas possível, a um apelo de ser, que nós dizemos que é o apelo de Deus. Cada pessoa na sua vida é a resposta concreta ao apelo de Deus que é um apelo à vida. Os caminhos existenciais pelos quais se cumpre esta resposta podem ser em algumas pessoas mais facilitados e em outras mais complexos, mas cada pessoa se cumpre dizendo: “sim”. E o “sim” é aceitar a vida.
“Escuta” é um dos mandamentos mais importantes do Antigo Testamento. Põe-te à escuta de Deus, pondo-te à escuta do mundo. E quem se põe à escuta sabe que a primeira palavra não é a nossa palavra. A primeira palavra é a palavra que alguém me dirige, é a palavra que vem de fora. É um desafio, um repto, um apelo, uma evidência, um conhecimento. É a descoberta de alguma coisa ou a descoberta de alguém. É um sentimento que me habita, é uma vontade. E no segundo momento, eu digo “sim” a esse apelo. Ao dizer “sim”, e ao continuar a dizer “sim”, estou-me a cumprir.
“Escuta Israel, amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua força, com toda a tua alma.” Curioso, o verbo «amarás» está no futuro. Significa que é um trabalho para toda a vida, é uma promessa, é um mandamento porque o Senhor nos desafia a vivê-lo. Mas é um mandamento que se adapta às nossas circunstâncias, ao nosso crescimento, à nossa evolução. É uma promessa que nunca está concluída, é uma resposta que nunca está acabada. Por isso tem futuro. “Amarás o Senhor teu Deus.” Porque a Deus só se vai pelo amor. Porque o amor é a relação, é a procura, é a descoberta, é a resposta possível, por vezes hesitante, é o passo que se dá na procura do outro em que nós nos implicamos por inteiro. O livro do Deuteronómio desafia-nos: com todo o coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento, com todas as tuas forças. Não deixes nada de fora na tua relação com Deus. Façamos do amor a Deus o amor envolvente de todo o teu ser. Até dos nossos limites, das nossas fragilidades, das nossas dúvidas, das nossas hesitações, das nossas feridas, dos nossos desencontros. Tudo isto é para o unificar, é para o oferecer nesta resposta que nós queremos dar a Deus pelo caminho do amor.
Padre António Martins, capelão da Capela do Rato in “Homilia no XXXI Domingo do Tempo Comum (4.11.2018)”
Quinta-feira
A fonte da esperança
A fonte da esperança não está em nós. Não somos nós que a produzimos. Então, como receber a esperança? Recorrendo a uma linguagem metafórica, a Bíblia deseja dizer que a morte não tem a última palavra. Jesus morreu mas também ressuscitou, e alberga em si todos os que ama, toda a humanidade. Com ele, a nossa humanidade é acolhida em Deus.
Sim, Cristo, mesmo invisível, está perto de cada um de nós. O que nos inquieta em nós mesmos, ele carrega-o. Encarrega-se das nossas faltas. Ama apaixonadamente cada um. Abre-nos o caminho para estar com Deus para sempre. Cristo espera-nos. As catástrofes e as ameaças que pendem sobre o planeta e sobre a humanidade, por mais reais que sejam, não são a verdade última. A nossa humanidade tem um futuro, para além dos limites que nos parecem intransponíveis, para além do sofrimento e da morte. E na nossa oração, mesmo que muito pobre, estamos já ligados a este outro plano.
Isto não é uma teoria, é uma realidade. Devemos perguntar-nos: o que posso mudar na minha vida quotidiana para ser consistente com esta confiança de que Deus é amor? Quando procuramos dar resposta a esta questão na nossa vida de todos os dias, independentemente da situação em que a encontramos, surge uma dinâmica, uma fonte brota em nós.
Irmão Alois de Taizé in “Meditações semanais em Taizé” (www.taize.fr)
Sexta-feira
A lei do coração
Precisamos de pessoas atentas à complexidade da realidade em que vivemos, pessoas não superficiais, que não se contentem com felicidades consoladoras e ilusórias. São estas pessoas que podem criar as condições para que a porta do nosso coração se abra espontaneamente como pétalas de flores à luz da manhã, sem necessidade de caminhos transversais e furtivos para penetrar à força. Pessoas que vão para além do organizar, governar o número e a massa, interessadas em cada singular ser humano.
«Uma das verdades fundamentais do cristianismo é que aquilo que salva é o olhar», dizia Simone Weil. A adúltera e Zaqueu são salvos por um olhar, por aquele olhar de Jesus que não se resigna ao pouco de bom, ajudando os outros não só a sentirem-se si próprios, mas o melhor de si próprios, colocando a pessoa no centro da sua atenção.
Devemos ter o coração daqueles que habitam o mundo, um mundo que morre de miséria e de pesadume, e a que as palavras já não bastam: é precisa a coragem de «alguém que saia e plante a tenda do amor junto à do ódio» (Primo Mazzolari).
Devemos avizinhar-nos das pessoas com esta extrema sensibilidade, levando-lhes alegria, e não humilhação, a partilha, e não a ofensa dos benfeitores, cessando de gritar contra os vícios dos outros sem suspeitar que talvez aquele homem não consiga ser diferente.
Luigi Verdi in “La realtà sa di pane”
Sábado
Nos teus invernos, há sementes que germinam
Jesus não demonstra o Reino, mostra-o e fá-lo florir das suas mãos: liberta, cura, perdoa, derruba barreiras, volta a dar a plenitude a todos, a começar pelos últimos. O Reino é Deus que vem para curar do mal de viver, como a vida que desponta em todas as suas formas.
Jesus pede-nos para tomar posição: convertei-vos, voltai-vos para o Reino. Há uma ideia de movimento na conversão, como no girassol que a cada manhã volta a erguer a sua corola e a orienta na direção do sol. Convertei-vos: isto é, voltai-vos para a luz porque a luz já está aqui. A cada manhã, a cada despertar, também eu posso converter-me, dirigir pensamentos, sentimentos e escolhas para uma estrela polar do viver, para a boa notícia de que Deus está hoje mais próximo, penetrou mais profundamente no coração do mundo e no meu, com mansidão e poderosa energia para o amanhecer de novos céus e nova terra.
Também eu posso construir o meu dia sobre esta feliz certeza; deixar de ter os olhos baixos sobre os meus mil problemas, mas levantar a cabeça para a luz, para o Senhor que me assegura: Eu estou contigo, nunca te deixo, nunca serás abandonado.
Jesus olha para mim; nos meus invernos vê sementes que germinam, generosidade que desconhecia ter, capacidades de que não suspeitava. O olhar de Jesus alarga o coração, torna-o mais amplo. Deus tem para mim a confiança de quem contempla as estrelas ainda antes que se iluminem.
Segue-me, vem após mim. Jesus não se alonga em motivações, porque o motivo é Ele, que te coloca o Reino recém-nascido entre as mãos. E di-lo com uma palavra inédita: farei de vós pescadores de homens. Como se dissesse: farei de vós buscadores de tesouros. Como se dissesse: o meu e o vosso tesouro são os homens. Havereis de os tirar para fora da escuridão, como peixes sob a superfície das águas, como recém-nascidos das águas maternas, como tesouro desenterrado do campo. Passá-los-eis da vida submersa à vida ao sol. Mostrareis que o Evangelho é a chave para viver melhor.
Ermes Ronchi in “Avvenire”