Domingo
Um novo Reino
“Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no céu.” (Mt 5, 43-45)
Esta é a página do Evangelho mais difícil de explicar. Por isso mesmo, é a mais bela, a mais desconcertante e a mais perturbadora de todas elas. Embora confessemos que não temos força para a praticar, temos a certeza que seria a única saída para a maioria dos males, que há milénios vêm mutilando irremediavelmente o Homem. O que aqui é pedido ao cristão não é um absurdo, uma utopia, um gesto impossível, mas que tenha a coragem de demonstrar se é ou não o que a sua vocação lhes exige: um homem livre. De facto, só uma pessoa verdadeiramente livre será capaz de amar sem condições. As páginas mais desconcertante do Evangelho, em última análise, não pretendem senão levar o homem à perfeição da liberdade: perdoar e amar, até os inimigos. Além disso, o amor só será verdadeiro se não for condicionado pela exigência da reciprocidade. A gratuitidade é outro dos grandes segredos do Cristianismo: o amor só é verdadeiro se for gratuito.
Jesus sabia o que dizia. O que o cristão receia é não ser capaz de corresponder às suas exigências. É assim que revela a sua grandeza e pede ao Homem que arranque as máscaras de medo e de um egoísmo feroz. Ao cristão não resta senão este inadiável desafio: agir como o Pai do Céu. A vocação de Jesus Cristo é despertar no Homem a superação de tudo quanto é natural, instintivo, terreno, como por exemplo, não obedecer apenas às leis da economia de mercado, mas introduzir a mais valia da solidariedade, do puro acolhimento, do perdão, sem reservas, quer entre indivíduos, quer entre nações.
Com o anúncio do Reino, prosseguido incansavelmente pelo Cristianismo, surge o homem novo, o cristão, porque unido a Cristo nos critérios, nas exigências em que o Homem deve levar a cabo a grande, a única vocação: amar incondicionalmente, até ao último extremo, como Deus ama.
João da Silva Gama in “Encontro com Jesus Cristo”
Segunda-feira
Oferecer alegria
O sopro de Deus em nós é alegria profunda. Quando estamos felizes, estamos em harmonia com Deus. Mas, quando há outras pessoas a sofrer, a nossa felicidade não está em sintonia com o seu sofrimento. É por isso que o apóstolo Paulo escreve: sim, «alegrai-vos com os que se alegram», mas também «chorai com os que choram» (Romanos 12,15). Nós fomos feitos para a alegria. Mas, quando confrontados com o sofrimento dos outros, é com o choro que somos verdadeiros.
A alegria pode magoar aqueles que dela são excluídos. A satisfação de alguém que teve sucesso magoa aqueles que falharam. O júbilo daqueles que se amam pode ser pesado para aqueles que foram abandonados. A felicidade de alguém pode magoar-nos, mesmo sem ser mal intencionada: numa parábola, Jesus fala-nos da felicidade de um homem rico que vivia «feliz no seu esplendor» e que nem sequer reparava no pobre homem Lázaro à sua porta (Lucas 16,19-21).
Então, o que devemos fazer quando os outros sofrem? «Alegrai-vos sempre.» Paulo continua: «Que a vossa bondade seja conhecida por todos» (Filipenses 4,5). A felicidade de que ele fala irradia bondade e gentileza. É, acima de tudo, uma felicidade interior. Às vezes, é quase impercetível e nenhum sinal exterior a denuncia. Tem um toque delicado.
Qual é então o segredo de uma felicidade que não ofende, mas que, por outro lado, alegra aqueles que estão a sofrer? A resposta reside numa alegria de alguém que é pobre: uma felicidade que não é tomada como sua, possessiva, mas que quer sempre ser partilhada. Recusar ser feliz quando os outros sofrem pode originar desespero mútuo. Temos coisas melhores a fazer pelos que estão sujeitos à desgraça. Uma das coisas mais preciosas que podemos oferecer é a nossa luta oculta para manter viva a alegria do Espírito Santo, a alegria que irradia bondade e comunica força e coragem.
Comunidade de Taizé in “Aprofundar a Palavra” (www.taize.fr)
Terça-feira
Fugir à responsabilidade
Este tempo foge da responsabilidade. Vivemos um contínuo alijar de culpas entre pais e filhos, entre marido e mulher, entre políticos e cidadãos, sem que ninguém alguma vez parta dos seus erros. Sem responsabilidade, não se cresce nem como pessoa, nem como sociedade. A responsabilidade implica uma promessa, um compromisso, um assumir um peso que obriga a uma resposta. O puro existir do outro pede-me para não fugir, mas antes ser para ele resposta. É a vida de cada dia que me pede respostas, são o sangue e as lágrimas dos seres humanos que me pedem respostas.
Responsabilidade é a de Madre Teresa. Quando um dia um jornalista lhe pergunta: «Madre, o que é que não está bem neste mundo?», ela responde: «Aquilo que não está bem somos eu e o senhor».
O que falta? O que é que não está bem? Não está bem o nosso fechar os olhos para não os sentir arder pelas lágrimas de quem chora, o acomodarmo-nos a cada erro para não nos incomodarmos. Não está bem a atitude de comodismo, o pensar que o não assumir responsabilidades é a melhor maneira para nunca nos sentirmos culpados e para nos eximir do tormento de escolher.
A responsabilidade pede-nos, ao contrário, que estejamos próximos de nós, que vivamos dentro da realidade sem fugir, que não procuremos álibis, que não descarreguemos as culpas. A responsabilidade é a atenção a onde pões os pés, a levar um pouco mais ao alto de nós aquilo que vive. A responsabilidade requer a coragem de romper o cerco da desordem que há em mim, de me libertar de modas estéreis de uma vida banal, de reencontrar a dignidade de lutar contra a minha instintividade. A responsabilidade pede-me para caminhar contra corrente quando é preciso, e de quebrar os laços quando chega o momento.
A responsabilidade faz-se amor quando, alcançado o domínio de nós próprios, conseguimos ficar de pé nas contrariedades, e quando conseguimos restituir ao outro o governo de si mesmo sem nos aproveitarmos da sua fraqueza.
Luigi Verdi in “Il domani avrà i tuoi occhi”
Quarta-feira
A grande esperança
Precisamos das esperanças – menores ou maiores – que, dia após dia, nos mantêm a caminho. Mas, sem a grande esperança que deve suportar tudo o resto, aquelas não bastam. Esta grande esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar aquilo que, sozinhos, não podemos conseguir. Precisamente o ser gratificado com um dom faz parte da esperança.
Deus é o fundamento da esperança – não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto. O seu reino não é um além imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega; o seu reino está presente onde Ele é amado e onde o seu amor nos alcança. Somente o seu amor nos dá a possibilidade de perseverar com toda a sobriedade dia após dia, sem perder o ardor da esperança, num mundo que, por sua natureza, é imperfeito. E, ao mesmo tempo, o seu amor é, para nós, a garantia de que existe aquilo que intuímos só vagamente e, contudo, no íntimo esperamos: a vida que é “verdadeiramente” vida.
Papa Bento XVI in “Salvos na Esperança”
Quinta-feira
Dar e receber
A história da vida sobre a terra baseia-se na troca. Dar e receber são os dois parâmetros essenciais da troca humana, sem os quais a própria sobrevivência da espécie correria riscos. Aprender o caminho do prazer de dar e do prazer de receber pode levar-nos a um sentimento nobre, que enriquece extraordinariamente a nossa vida: a gratidão, a gratidão uns aos outros e ao processo da vida em si, simplesmente.
É através do sentimento de gratidão que se pode não passar ao lado do estar grato pelos dons da vida: sentir o grande prazer de ter olhos para ver o mar, ouvidos para ouvir as palavras de amor que nos dizem, pés para pisar as folhas secas do Outono e capacidade para dar e receber dos outros e com os outros, do mundo e com o mundo. Viver em abundância torna-se então natural porque se soubermos chegar ao dar e ao receber nunca nos faltará nada.
Redescobrir a evidência de que o universo do qual nós somos parte integrante é dotado de uma fertilidade sem fim é abrir o caminho a podermos viver com um sentimento de abundância, ligado justamente ao respeito pelo princípio da troca que rege o mundo e que se inicia desde que nascemos, com as trocas relacionais com aqueles que nos deram a vida e nos criaram. Tudo nasce, cresce e se transforma na e pela relação. Ousemos então a nossa fertilidade, ousando o dar e o receber com simplicidade e abundância.
Isabel Abecassis Empis in “Bem-aventurados… os que ousam!”
Sexta-feira
Gratidão
Ia Jesus a caminho, quando dez leprosos saíram ao seu encontro clamando: «Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós» (Lc 17, 13). E os dez ficam curados, mas há apenas um que, ao ver-se curado, regressa para louvar a Deus e manifestar a sua gratidão a Jesus. Enquanto os outros nove ficam purificados, mas prosseguem pelo seu caminho, esquecendo-se d’Aquele que os curou (esquecem a graça que Deus lhes dá), o samaritano faz do dom recebido o princípio dum novo caminho: regressa para junto de Quem o sarou, vai conhecer Jesus de perto, inicia uma relação com Ele. Assim, a sua atitude de gratidão não é um simples gesto de cortesia, mas o início dum percurso de gratidão: prostra-se aos pés de Cristo (cf. Lc 17, 16), isto é, faz um gesto de adoração, reconhecendo que Jesus é o Senhor e que é mais importante do que a cura recebida.
E esta é uma grande lição também para nós, que todos os dias beneficiamos dos dons de Deus, mas frequentemente prosseguimos pela nossa estrada esquecendo-nos de cultivar uma relação viva, real com Ele. Trata-se duma grave doença espiritual: dar tudo como garantido, inclusive a fé, mesmo a nossa relação com Deus, a ponto de nos tornarmos cristãos que deixaram de saber maravilhar-se, já não sabem dizer «obrigado», não se mostram agradecidos, não sabem ver as maravilhas do Senhor. São «cristãos em água de rosas», como dizia uma senhora que conheci. E acaba-se, assim, por pensar que tudo o que recebemos diariamente seja óbvio e devido. Ao contrário, a gratidão, o saber dizer «obrigado» leva-nos a afirmar a presença de Deus-amor e também a reconhecer a importância dos outros, vencendo o descontentamento e a indiferença que nos embrutecem o coração. É fundamental saber agradecer. Devemos diariamente dar graças ao Senhor, sabermos em cada dia agradecer uns aos outros: em família, por aquelas pequenas coisas que às vezes recebemos sem nos interrogar sequer donde provêm; nos locais que frequentamos quotidianamente, pelos inúmeros serviços de que usufruímos e pelas pessoas que nos apoiam; nas nossas comunidades cristãs, pelo amor de Deus que experimentamos através da proximidade de irmãos e irmãs que muitas vezes em silêncio rezam, oferecem, sofrem, caminham connosco. Por favor, não esqueçamos esta palavra-chave: obrigado! Não nos esqueçamos de sentir necessidade e dizer «obrigado»!
Papa Francisco in “Homilia no XXVIII Domingo do Tempo Comum”
Sábado
Tocar o céu
Há quem adore caminhar na terra tocando, constantemente, no Céu. Há, na vida de cada um, quem construa uma história em que o centro das suas prioridades são a simplicidade e a humildade de nos mostrarem o reino de um Pai que não está na estratosfera, mas bem junto de todos nós. Há, nos cantos e recantos das nossas estórias, quem se entregue totalmente à tolice deste Deus que ateima em fazer-se perto daqueles que O continuam a rejeitar.
Não têm preocupações com o que lhes rebaixa, porque os seus olhos estão voltados permanentemente para o Alto. Não deixam de ser homens e mulheres destes tempos, apenas indicam um caminho alternativo. Um caminho tão louco em que as setas que lhes apontam para o Céu são autênticas cruzes que deixam a certeza de um amor sem limites.
São homens e mulheres que entrelaçam as vidas na divindade existente em cada humanidade. São homens e mulheres que levam consigo o olhar da autenticidade e da serenidade. São homens e mulheres que vivem com os pés assentes na terra, mas que não param de erguer os seus braços para o Céu. São homens e mulheres que se rendem à certeza de que a vida será sempre, mas sempre muito mais do que aquilo que vemos.
São homens e mulheres que perceberam que o Céu só acontece quando este é partilhado em larga medida com todos. São homens e mulheres tremendamente loucos por um Nazareno que um dia decidiu mostrar ao Mundo que o Seu Pai estava muito mais próximo do que alguma vez poderiam imaginar. São homens e mulheres tremendamente loucos por um Nazareno que decidiu tocar as vidas de todos os que se cruzavam conSigo para que o Céu pudesse ser revelado.
Há vidas que foram desenhadas para serem o rosto deste Jesus. Há vidas que tocam no Céu como quem toca num bem material. Há vidas que vieram somente com um propósito: dar a Boa Nova de que este Céu, eternamente prometido, pode e deve ser tocado por todos, basta que para isso levemos a perspetiva de um amor apresentado por um jovem Nazareno.
O Céu será sempre tocado quando deixarmos que as nossas mãos sejam instrumento de serviço, quando os nossos ouvidos escutarem de verdade, quando os nossos olhares virem com olhos de ver e quando o nosso coração souber receber todos sem qualquer tipo de julgamento.
Emanuel António Dias in “imissio”