
Domingo
O bom humor de Cristo
A alegria cristã tem origem no encontro com Jesus, com a sua pessoa, dotada de uma infinidade de dons, humanos e divinos, de capacidades, humanas e divinas. Com a sua empatia e afeto contagiantes ultrapassou sempre as situações mais absurdas, precisamente por ter agido no espaço aberto pela alegria.
Cristo não quis o sofrimento nem a morte. Ele quis a alegria, aquela que os anjos anunciaram na noite em que nasceu. E que alegria é esta? Não é fácil agarrá-la ou traduzi-la por palavras. Almada Negreiros escreveu que “a alegria é a coisa mais séria deste mundo.” Não se traduz pela gargalhada, embora a suponha. A alegria é o segredo gigantesco do Cristianismo. É um segredo só descoberto pelas pessoas sérias, no sentido que lhe dava Chopin quando dizia “não gosto dos que nunca riem; não são pessoas sérias.”
Ninguém quer a tristeza, o sofrimento, o luto porque a alegria tem sempre mais força na nossa aspiração à felicidade. Se amassemos sempre com toda a seriedade, seríamos verdadeiramente alegres. Nem sempre procuramos a verdadeira alegria, pois, muitas vezes, a confundimos com o prazer, o bem-estar, o prestígio, etc. Confundimo-la necessariamente com estas coisas tão boas, tão boas, que até nos parecem ser a alegria, quando esta não deve procurar-se por si. O nosso erro consiste em buscá-la por si própria e não apenas como fruto do amor. Ser sério é amar e, consequentemente, ser alegre e rir à gargalhada.
Vale a pena sublinhar em Jesus uma atitude que não é muito frequente vê-la referida em estudos teológicos ou exegéticos sobre a mensagem evangélica: o bom humor, um humor profundamente humano, subjacente a toda a sua infinita generosidade em fazer seus os males e sofrimentos dos homens.
João da Silva Gama in “Encontro com Jesus Cristo”
Segunda-feira
Esperança
As nossas vidas estão em profunda comunhão entre si; através de numerosas interações, estão interligadas umas com as outras. Ninguém vive só. Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Continuamente entra na minha existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço e realizo. E, vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto para o bem como para o mal. Deste modo, a minha intercessão pelo outro não é de forma alguma uma coisa que lhe é estranha, uma coisa exterior, nem mesmo após a morte.
Nunca é tarde demais para tocar o coração do outro, nem é jamais inútil. Assim se esclarece melhor um elemento importante do conceito cristão de esperança. A nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim. Como cristãos, não basta perguntarmo-nos: como posso salvar-me a mim mesmo? Devemos antes perguntar-nos: o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela da esperança? Então, terei feito também o máximo pela minha salvação pessoal.
Papa Bento XVI in “Salvos na esperança”
Terça-feira
Um convite
Deus chama-nos a ser as pessoas que deveríamos ser. Deus cria-nos como indivíduos únicos com os nossos próprios dons. E, por isso, já somos as pessoas que Deus pretendeu que nós fôssemos ao criar-nos. Ao mesmo tempo, Deus convida-nos continuamente a uma liberdade cada vez maior, pedindo-nos que larguemos as redes que nos prendem às nossas antigas e emaranhadas formas de fazer as coisas, formas que já não são saudáveis para nós, formas que nos impedem de ter mais amor.
Nesses momentos, podemos ouvir a voz de Deus. De repente, experimentamos algo que nos parece prometer algo novo. Para mim isso foi, sem dúvida, um documentário de televisão. Para o meu amigo Dave terá sido a experiência de trabalhar num orfanato. Para outra pessoa qualquer, poderá ter sido aquilo que ouviu numa conversa, que leu num livro ou que viu num filme. Isto é tanto um chamamento como aquele que Jesus fez junto ao mar da Galileia. O convite dirigido por Jesus aos pescadores continua em aberto. Geralmente, não é claro aquilo que o futuro nos reserva. A única coisa clara é o chamamento.
Precisamos de escutar atentamente esses chamamentos e de não nos deixarmos enredar tanto pelas nossas vidas quotidianas a ponto de acabarmos por perdê-los. Uma postura aberta e atenta ajudar-nos-á a ouvir melhor e a tornar menos provável que impeçamos a voz de Deus de entrar. Devemos ser recetivos às formas pelas quais Deus nos chama – hoje, amanhã ou daqui por dez anos; por isso, quando ouvirmos Deus dizer “segue-me”, estaremos preparados para largar as nossas redes. E segui-lo.
James Martin in “Jesus – um encontro passo a passo”
Quarta-feira
Encontros à Jesus
Jesus tinha uma grande sensibilidade no encontro com o outro. Não temos todos os detalhes sobre os encontros que nos chegam através das escrituras, mas aquilo que nos é dado a conhecer revela-nos um Jesus que se dava completamente. Conseguimos perceber que no encontro Jesus não se deixa ficar pela metade, entrega toda a sua inteireza e devolve essa mesma inteireza aos outros. Não quer que ninguém fique incompleto e, por isso, devolve, no encontro face a face, a dignidade e a possibilidade de recomeçar.
Jesus era feito de encontros. E a prova disso está na forma como se relacionava e como permitia que aqueles que se consideravam ser nada pudessem vir a ser tudo. Jesus era isto mesmo: um facilitador do nada. Era um verdadeiro mestre em criar e renovar a partir daqueles que não tinham nada. O seu encontro era tão inquietante, tão refrescante e acolhedor que não dava senão a possibilidade do outro poder-se reerguer.
Os encontros de Jesus, ou melhor os encontros à Jesus, eram uma forma desconcertante de provar que a Sua humanidade era verdadeira revelação da divindade. Jesus no encontro, no toque, nas palavras e no olhar era desafiador. E sabemo-lo apesar de não termos todas as informações. Sabemo-lo pelas reações finais destes encontros, pelo que os mesmos encontros provocavam na vida de tantos e tantas e até por algumas passagens em que este Jesus deixava o Seu convite (lembramo-nos certamente do seu convite a Mateus para O seguir ou até do convite à renúncia da vida e da aceitação da Sua cruz).
Jesus usava o encontro não somente para pregar, mas para que com a Sua presença pudesse provocar algo no outro. Os encontros eram a Sua Palavra feita carne. Os encontros eram a gramática do Seu amor e da Sua misericórdia. Os encontros eram a prova viva da Sua Ressurreição.
Jesus provocava o encontro, porque sabia que só na relação pode surgir a certeza de nos sabermos erguidos. Jesus era feito de encontros e nós somos convidados a fazer da nossa vida um verdadeiro encontro para que, tantos e tantas, possam saber que do nada haverá sempre alguém que lhe é tudo e lhe dá tudo. E esse alguém é Jesus Cristo, o Nazareno.
Emanuel António Dias in “imissio.net”
Quinta-feira
Ser Igreja
O futuro da Igreja está no caminho. O futuro da Igreja estará na medida em que nós formos capazes de relativizar o nosso sedentarismo, porque também somos muito sedentários, e aceitar o desafio que hoje nos faz o Papa Francisco em nome de Cristo que é de vivermos em saída, vivermos numa dinâmica exodal. E não há saída que não corresponda a uma essencialidade.
Nós arrastamos muita tralha que se torna um obstáculo ao anúncio, nós próprios precisamos da lição do viajante. Se eu carrego a mala com muito peso, não vou dar um passo. Tenho de colocar na mala apenas aquilo que eu preciso e, sobretudo, tenho de encher a mala de confiança em Deus, de confiança na Providência, naquilo que Deus fará por mim quando eu acho que não tenho, que não posso. Se queremos partir em viagem carregando todas as eventualidades, preparado para tudo o que nos possa acontecer, não saímos da porta. Temos de sair levando, sobretudo, a leveza de uma confiança total na ação de Deus.
Nesse sentido, a Igreja precisa sair. Nós precisamos ser uma Igreja missionária. E uma Igreja missionária que fala sobretudo pela atração. Os momentos mais fortes do Cristianismo foram quando o anúncio se fez por atração. Aquilo que Jesus diz de forma misteriosa no Evangelho de João: “Quando Eu for elevado da terra atrairei todos a Mim.” É preciso que a Igreja se torne atraente, atrativa, e isso acontece quando? Quando ela sobretudo vive do testemunho, não vive a moralizar, não vive a carregar, não vive a dar lições, não vive a cantar de alto. Mas sobretudo dá um testemunho de alegria, um testemunho de simplicidade, um testemunho de beleza. A beleza tem isso, a beleza atrai-nos. Nesse sentido, nós precisamos tornar-nos missionários do testemunho, aceitando que vamos ter de ser muito mais leves, de ser muito mais essenciais.
Um grande desafio é nós percebermos que nós, na Igreja, precisamos de nos abrir a uma palavra que nos desinstala, a uma palavra que nos desacomoda, a uma palavra crítica, a uma palavra que transporta o Espírito e nos abre a novas linguagens, a novas gramáticas. Nós não podemos, comodamente, representar os que podem estar aqui, não podemos dizer: “O Povo de Deus são estes fiéis, e o resto são os infiéis.” Nós temos de encontrar outra dinâmica interna e viver numa desinstalação, deixarmo-nos ler, reinterpretar criativamente pelo Espírito da profecia. Eu penso que é esta missão que nós precisamos de adotar, de adotar para nós. É na medida em que colocarmos no meio da vida da Igreja também o afeto, o poder do coração, a misericórdia, o abraço, o encontro que, de facto, nós podemos testemunhar aquilo que Jesus Cristo faz na vida de cada um de nós.
José Tolentino Mendonça in “Homilia no XV Domingo do Tempo Comum (12.07.2015)”
Sexta-feira
Cansados de aguentar
Acontece, às vezes, o desânimo instalar-se em nós como uma ave no seu ninho. O futuro afigura-se-nos de cinza e todo o passado de escombros. Gestos e palavras cobrem-se de pessimismo. Sentamo-nos como alguém que, cansado de pedir boleia, espera passivamente que um transeunte pare sem que ele tenha necessidade de qualquer iniciativa.
Mas, pergunto-me: não é uma gritante contradição o facto de um cristão ser pessimista? Poderá havê-los carregados de pesos infinitos, cheios de dúvidas, cansados de aguentar; mas pessimistas não é fácil de perceber, não é lógico.
O pessimismo foge da esperança cristã, como a água do azeite. Há lugar para a dúvida, mas não para o pessimismo. Nem a criação do mundo como fruto do amor eterno nem a salvação do género humano nem o destino final nas mãos do Pai, permitem que o cristão se renda ao pessimismo. Se o pessimismo nasce da insegurança do futuro, não sabe já o cristão o fim deste filme? Se o pessimismo nasce da própria debilidade, não é Deus que nos oferece as suas costas para o nosso alívio? Não acreditamos que nem um só cabelo nos cai da cabeça sem que seja Ele a consenti-lo? Não valemos nós mais do que as aves do céu e os lírios do campo?
Bom, então parece que o pessimista está fora de lugar. Pode até ser psicologicamente hipocondríaco ou organicamente hipotenso. O que não pode é ser espiritualmente pessimista. E os pessimistas que se empenham em ser cristãos ou não sabem o Credo ou nunca leram os Evangelhos ou, simplesmente, não são cristãos. Seja Deus a dar-nos a verticalidade das árvores. É do alto que nasce a força capaz de despertar as raízes.
Henrique Manuel S. Pereira in “Os paraísos são interiores”
Sábado
Liberdade
É a liberdade de Jesus que fascinou o nosso coração, uma liberdade que pede para que não nos refugiemos em ninhos ou covis seguros, mas para permanecermos sempre a caminho, que nos tira da massa para nos permitir viver a nossa unicidade. É hipocrisia a observância exterior que não liberta, que não discute as atitudes profundas, não torna capaz de superar os preconceitos e faz sentir bem porque se observam todas as regras. A verdadeira liberdade entra no coração com uma lâmina de dois gumes, incide em profundidade, perturba e faz optar, torna-nos independentes da vontade dos outros e das paixões, dos excessos da mente, do corpo e da alma. Ser-se livre exige a coragem de percorrer caminhos que ainda ninguém percorreu, de pensar ideias que ninguém ainda pensou. A liberdade é um espaço que chama, que nos obriga a redefinir a nossa finitude, a traçar novos limites.
As pessoas religiosas são sempre tentadas, como Jonas e como o irmão maior da parábola do filho pródigo, a não aceitar a liberdade e a lamentar-se. Vivemos muitas vezes fechados no cenáculo como quem ainda não viu o Cristo ressuscitado e não acolheram o Espírito. Vivemos de medos que aos poucos nos tornam indiferentes, e depois mornos, até tornar a vida uma série de ritos. Produzimos coisas opressoras e penosas de cada vez que quisemos deter Jesus, que está sempre a caminho, quando em vez de libertar as pessoas as tornámos escravas, quando tentamos simplificar a realidade complexa e contraditória do caminho, dizendo “ou estás dentro ou estás fora”.
Quando João e Tiago pedem a Jesus para usar ferro e fogo para com quem é diferente, Ele diz “deixai-os”: o Evangelho não se impõe, mas dá-se com a criatividade, a beleza, o amor e a liberdade. O fanatismo esconde-se na retidão inflexível e no desejo de que todos os outros pertençam a uma única forma. O ser humano faz a experiência de Deus na necessidade, na desorientação, na fome e em cada espaço sonhado de liberdade. Voltemos à liberdade de um Deus que se faz criança e que não concede repouso, que não se adapta a nenhuma habituação, não se faz encontrar, deixa apenas pegadas para nos manter a caminho.
Luigi Verdi in “Il domani avrà i tuoi occhi”