XXVIII Semana do Tempo Comum

XXVIII Domingo do Tempo Comum

O que sonho

«Não vos conformeis com a mentalidade deste tempo, mas transformai-vos…» (Romanos 12,2). Hoje, muitos conformam-se com a mentalidade deste tempo, outros experimentam arduamente rebelar-se. Pensei sempre que estas duas dimensões não servem de muito. Sufoco quando uma forma está fechada ou quando a rebelião é feita de palavras sem gestos.

A amendoeira primeiro dá flores e depois os frutos, recordando-me que se na minha vida quero ver frutos, primeiro tenho de florir. Recorda-me que o futuro depende daquilo que soubermos fazer no presente, que não devemos encerrar o passado, mas conduzi-lo até ao futuro, nem combater o futuro, mas encontrá-lo, prepará-lo em nós. O futuro pertence àqueles que são constantes, àqueles que procuram direcionar as forças para antecipar a mudança que gostariam de ver.

Creio que esta crise, que hoje vivemos, não nos vai fazer mal, aliás, evitar-nos-á o pior. O pior é permanecer à superfície das coisas; por isso, penso que a hora presente, apesar das afirmações de muitos pessimistas, oferece-nos uma grande oportunidade. Devemos vislumbrar os sinais que possuam a transparência da aurora original, a luminosidade de uma ternura sobrenatural. Há no ar um otimismo sem esperança, um medo agressivo que não sabe usar as contrariedades deste tempo. O mundo não se vence destruindo-o, mas abraçando-o.

Viver não é só um crescimento contínuo, mas também a capacidade de aderir à vida, apesar daquilo que a contradiz, os seus medos, as suas crises, os seus momentos de aparente esterilidade. Viver é sair de todo o fechamento para um espaço aberto de liberdade. É preciso compreender este tempo, é preciso estender o ouvido e ficar à escuta da polifonia das suas mensagens muitas vezes contraditórias. Há instantes que tornam novo o mundo não tanto porque acrescentam alguma coisa de novo, mas porque mergulham até à origem, onde a diversidade é harmonia. Devemos ter olhos atentos aos sinais que estão dentro dos dias invernosos, saber colher aquilo que nasce da passagem para a primavera. Nunca nos devemos desesperar, mas escutar a voz subtil que fala na noite, quando todos os rumores calam, contemplar as estrelas, para compreender o caminho a seguir e estar presente quando o amor despertar.

Luigi Verdi  in “Il domani avrà i tuoi occhi”

Segunda-feira

Um cristão é uma consequência

Um cristão é uma consequência, é uma consequência não é uma causa. Nós vivemos na dependência de Jesus, por isso é tão importante a vida de oração: o espaço que nós damos à oração na nossa vida, o espaço que nós damos ao aprofundamento da Palavra de Deus, ao mergulhar no conhecimento de Jesus, ao estarmos em silêncio, ao ligarmos o nosso coração ao Seu coração. Isso é tão decisivo! Porque aquilo que nos distingue não é uma capacidade de fazer, não é uma perfeição. Aquilo que nos distingue é vivermos do acolhimento. É esta espécie de vida ligada, conectada continuamente a Jesus, é isso que nos define como mulheres e homens cristãos.

Se calhar o amor com que nós amamos é um amor imperfeito, é um amor inacabado, é um amor pouco esclarecido, é um amor exíguo, é um amor insuficiente. Não é um amor isento, não é um amor completamente purificado, mas Jesus não deixa de dizer: “Com o amor com que Me podes amar, segue-Me, segue-Me. “ Jesus ressuscitado nas nossas vidas reabilita a mulher e o homem que nós somos, Ele dá força à nossa vida, Ele enche-nos de confiança, enche-nos do Seu Espírito.

José Tolentino Mendonça in “Homilia no III Domingo da Páscoa (10.4.2016)”

Terça-feira

O amor autêntico oferece tempo, presença, perdão

Jesus não fez uma teoria sobre a comunhão, mas mostrou como vivê-la através de uma prática de amor, até exprimir «o mandamento novo», isto é, último e definitivo: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei». Mas, sobretudo, Jesus praticou o amor «até ao fim, até ao extremo».

Jesus viveu o amor antes de tudo oferecendo o seu tempo e a sua presença. Hoje a contradição ao amor autêntico vem sobretudo da falta de tempo, do não dar ao outro a própria presença. Os ritmos da vida, os compromissos laborais, as múltiplas coisas a fazer, os ritmos que nos parecem inderrogáveis, todas estas realidades devoram-nos o tempo; de maneira que, apesar de ter tempo para muitas outras coisas, deixámos de ter tempo para as coisas gratuitas, aquelas que não nos trazem lucro. Falta-nos o tempo do encontro: encontramos as pessoas que temos de encontrar por razões de trabalho, melhor, procuramos multiplicar os encontros que possam “render”, mas deixou de haver tempo para o encontro que não faz parte do nosso trabalho e que não nos faz lucrar. Dar tempo por amor, dar a presença ao outro sem fazer nada, e inclusive sem dizer nada, parece-nos tempo desperdiçado. Todavia não há amor onde não há presença de um ao outro.

Jesus quis entrar em relação com os outros interrogando-os, conversando e dialogando. Para crescer no conhecimento e no amor é preciso aproximar-se do outro, acolher com atenção e entrar em diálogo com ele, escutando-o e falando-lhe. Inicia-se escutando o outro, ficando em silêncio, por vezes à escuta do silêncio do outro. Depois é preciso intervir, talvez respondendo ou colocando perguntas, mas sempre com uma atitude que diga o interesse pela relação.

Decisiva é também a capacidade, a vontade, a responsabilidade de perdoar, sobre a qual Jesus deu o exemplo até ao fim. Perdoar é amar com coragem, é acreditar que o amor que se vive é mais forte que as contradições que recebe. Quem tem um coração que sabe perdoar, tem um coração grande, habitado pelo amor, um amor que sabe acolher do outro não só a beleza, as virtudes, os dons, mas também os defeitos, as fragilidades, as quedas, inclusive as malícias. Esta é a vitória do amor sobre a morte que podemos experimentar aqui na Terra. Esta é comunhão que a Igreja, corpo de Cristo, pode viver e testemunhar ao mundo.

Enzo Bianchi in “Il blog di Enzo Bianchi”

Quarta-feira

Senhor da verdade plena

Senhor da verdade plena,

da vida inteira,

da liberdade mais pura,

da alegria que nos faz rebentar por dentro.

Sabes que é a Verdade que procuramos.

Sabes que é, muitas vezes, a cobardia que nos impede de cumprir a verdade.

Assim nos desfiguramos, nos apequenamos, nos matamos.

Peço-te coragem para ir até ao fundo das minhas máscaras,

que me confronte com elas

e arranque de mim a verdade mais íntima,

sem mentiras, justificações ou desvios.

Que eu me conheça e me erga como uma lança

para defender a verdade que me inspiras.

E mesmo que outros me desprezem,

jamais me despreze eu.

Descobrir quem sou, partilhar as minhas emoções com fraqueza e honestidade

é o maior bem que posso fazer a mim e aos outros.

E mesmo que isso não lhes agrade,

continua a ser o melhor que tenho para lhes dar.

Por isso, te peço, Senhor, coragem para me aceitar com honestidade.

Henrique Manuel S. Pereira in “Os paraísos são interiores”

Quinta-feira

A fé supõe que se tome partido pelo Homem

A fé é uma resposta e um encontro. Assenta num diálogo indispensável a qualquer tipo de relação interpessoal. Por isso, o Cristianismo mais não é do que um gigantesco esforço dirigido ao estabelecimento de uma relação afetiva, amorosa, entre Deus e o Homem, com vista a frutificar. A fé é aceitar que cada um de nós tem como tarefa incessante e suprema tornar-se divino. A fé não faz de nós deuses, porque estes não são humanos. Acreditar é aceitar a proposta de Deus: fazer uma aliança com a Humanidade, demonstrando, assim, que Ele nunca pode ser um adversário, um concorrente, uma ameaça, um mito, uma sublimação, uma desculpa ou qualquer tipo de alienação para o Homem.

Por conseguinte, acreditar é tomar partido pelo Homem ou por Jesus de Nazaré, por mim ou por ti. Não pode ser uma alienação buscar em Deus um aliado. É necessário ao Homem um Deus que esteja à altura de Deus para que o Homem viva finalmente à altura do Homem. E a razão é simples. Deus, ao fazer-se Homem, mostrou-se como Aquele todo e qualquer Homem pode ser. O mistério, o sentido do Homem, o significado da vida humana é a aptidão essencial com que cada Homem nasce para se tornar naquilo que Deus é.

João da Silva Gama in “Encontro com Jesus Cristo”

Sexta-feira

O que significa aceitar a nossa cruz?

Nós somos convidados por Deus, tal como Jesus, a aceitar a nossa cruz. Isso não significa que devemos aceitar as coisas sem pensar, como um animal sem entendimento, oprimido sob o seu fardo. Além disso, as sentenças do tipo “oferece o teu sofrimento” tampouco resolvem o problema do mesmo O que significará então aceitar a nossa cruz?

Significa compreender que o sofrimento faz parte da vida de toda a gente. Aceitar a nossa cruz significa que a determinada altura – depois do choque, da frustração, da tristeza e até da raiva iniciais – devemos aceitar que algumas coisas não podem mudar. É por isso que a aceitação não é uma postura masoquista, mas realista. É nisso que o Cristianismo se diferencia do Budismo, segundo o qual o sofrimento não é uma ilusão. Não, diz Jesus do alto da cruz, sofrer faz parte da realidade humana. Os discípulos tiveram dificuldade em compreender isto – queriam um líder que os livrasse da dor, e não um líder que a suportasse pessoalmente. Muitas vezes, também nós temos essa mesma dificuldade. No entanto, Jesus convida-nos à aceitação, do alto da cruz.

Quando Jesus fala daqueles que “perdem a sua vida”, Ele não se está a referir apenas à morte física. Os cristãos acreditam que lhes é prometida a vida eterna se acreditarem em Jesus e seguirem o seu caminho. No entanto, há outras mortes que vêm antes da morte final. Nós somos chamados a deixar certas partes da nossa vida morrer para que outras partes possam viver. Assim, cada cruz encerra, em certa medida, um convite a uma vida nova, e, muitas vezes, de forma misteriosa. Ao ignorar ou ao não abraçar a cruz, perdemos oportunidades de conhecer Deus de uma forma mais profunda. A cruz é, muitas vezes, o lugar onde nos encontramos com Deus, porque a nossa vulnerabilidade pode tornar-nos muito mais abertos à sua graça.

James Martin  in “Jesus – um encontro passo a passo”

Sábado

Renascidos para a vida

Em cada dia se levanta a possibilidade de renascermos para a vida. Somos as mudanças que aceitamos realizar, os tombos que não esperávamos, os sonhos que queremos alcançar, a força interior que permite a ressurreição. E é neste renascer que surgem novas luzes, novos horizontes de esperança, novo caminhar e a certeza de podermos ver a vida com os olhos da luz que lhe dá claridade.

Cada dia nos traz um novo despertar. Por detrás das sombras que pairam no ar que procuram cobrir a luz que nos ilumina, somos confrontados com as possibilidades de criar um novo tempo: o da ressurreição. É esta vida nova que nos traz a plenitude da existência e a certeza de que somos amados, para lá de todas as trevas e desastres existenciais que possamos experimentar.

Somos a vontade de enfrentar os limites – também os da morte – mas somos essencialmente vida em abundância. Somos o querer de novos sentidos e propostas, mas somos sobretudo a possibilidade de criar e apoderarmo-nos de uma nova vida. Aquela que desejamos. Mas, particularmente, aquela que Deus sonhou para nós.

Precisamos florescer das cinzas, tal como a Primavera que chega com novo convite ao despertar. Precisamos deixar partir tudo aquilo que não nos corresponde e não nos permite renascer. A vida é uma riqueza incomensurável e com novas raízes, chegam novas flores. E é na seiva que tudo acontece, num silêncio e segredo profundo onde tudo em nós se pode transformar pela graça Divina que nos habita.

Retiremos os véus que não nos transportam à vida. Esses mesmos. Aqueles que tu e eu sabemos presentes no nosso viver. Pois, em cada dia se levanta a possibilidade de renascermos para a vida!

Cristina Duarte in www.imissio.net