Domingo
Uma pequenina luz
Uma pequenina luz bruxuleante
Não na distância brilhando no extremo da estrada
Aqui no meio de nós e a multidão em volta
Une toute petite lumière, just a little light
Una picolla, em todas as línguas do mundo
Uma pequena luz bruxuleante
Brilhando incerta mas brilhando aqui no meio de nós
Entre o bafo quente da multidão
A ventania dos cerros e a brisa dos mares
E o sopro azedo dos que a não veem
Só a adivinham e raivosamente assopram
Uma pequena luz, que vacila exata
Que bruxuleia firme, que não ilumina, apenas brilha
Chamaram-lhe voz ouviram-na, e é muda
Muda como a exatidão, como a firmeza, como a justiça
Brilhando silenciosa não crepita
Não consome não custa dinheiro
Não é ela que custa dinheiro
Não aquece também os que de frio se juntam
Não ilumina também os rostos que se curvam
Apenas brilha, bruxuleia ondeia
Indefectível, próxima dourada
Tudo é incerto, ou falso, ou violento: Brilha
Tudo é terror, vaidade, orgulho, teimosia: Brilha
Tudo é pensamento, realidade, sensação, saber: Brilha
Desde sempre, ou desde nunca, para sempre ou não: Brilha
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
Como a exatidão como a firmeza, como a justiça
Apenas como elas
Mas brilha. Não na distância. Aqui
No meio de nós brilha.
Jorge de Sena
Segunda-feira
Vida eterna
O que é a vida eterna? É ter vivido de tal maneira que se percebe que essa vida não acaba, é perceber que essa vida nos levou a uma plenitude, que essa vida se tornou fecunda, multiplicada, que essa vida não acabou quando nós acabamos, que essa vida continua, que essa vida é expressão da vida do próprio Deus. Por isso não é apenas uma existência, é uma vida eterna.
A imagem que Jesus nos oferece, no Evangelho, é para dialogar com isto: o que é que estamos a fazer da vida? O que é que é importante para nós?
A fé tem de nos levar a uma saída de nós próprios para irmos ao encontro dos outros, nesse encontro de caridade e de amor, nesse encontro com o pobre, com o doente, com o preso, com a vítima, com o sem-abrigo, com aquele que passa necessidades de vária ordem. E não há dúvida que o amor é uma grande escola, o amor é uma grande escola de vida. É no encontro que temos com os outros que celebramos a esperança da vida, que celebramos a ressurreição, que celebramos a certeza de que Ele está vivo no meio de nós.
Jesus tem isto: só se deixa ver na partilha do pão, quando quebramos o pão, para dar o pão aos outros. Isto é, só na vida que se quebra, só na vida que se parte e reparte é que Jesus se dá a ver; o resto nós não o vemos, podemos até sentir o entusiasmo, a paixão do conhecimento, isso também é uma via, mas é uma via insuficiente. A única via completa é a via do amor, é a via da relação, é a via da dádiva, é a via do encontro.
José Tolentino Mendonça in “Homilia no XXXIV Domingo do Tempo Comum (01.11.14)”
Terça-feira
Como viver da esperança cristã?
A esperança bíblica e cristã não significa uma vida nas nuvens, o sonho de um mundo melhor. Não é uma simples projeção do que gostaríamos de ser ou de fazer. Leva-nos a ver as sementes deste mundo novo já presentes no dia de hoje, por causa da identidade do nosso Deus, por causa da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Esta esperança é ainda uma fonte de energia para viver de outra forma, para não seguir os valores de uma sociedade assente sobre o desejo de posse e de competição.
Na Bíblia, a promessa divina não nos pede que nos sentemos e esperemos passivamente que ela se realize, como por magia. Antes de falar com Abraão de uma vida em plenitude que lhe é oferecida, Deus diz-lhe: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa do teu pai e vai para a terra que eu te indicar» (Génesis 12, 1). Para entrar na promessa de Deus, Abraão é chamado a fazer da sua vida uma peregrinação, a viver um novo começo.
Da mesma forma, a boa nova da ressurreição não é uma maneira de nos desviar das tarefas deste mundo, mas um apelo a que nos ponhamos ao caminho. «Homens da Galileia, porque ficais aí a olhar para o céu?… Ide por todo o mundo proclamar o Evangelho a todas as criaturas… Sereis minhas testemunhas… até aos confins da terra» (Atos 1,11; Marcos 16,15; Atos 1,8). A nossa fé não nos coloca num estado privilegiado, fora do mundo, nós «gememos» com o mundo, partilhando a sua dor, mas vivemos essa situação na esperança, sabendo que, em Cristo, «as trevas passaram e a luz verdadeira já brilha» (1 João 2, 8). Esperar é, portanto, antes de mais, descobrir nas profundidades do nosso dia de hoje uma Vida que segue em frente e que nada pode parar. É ainda acolher esta Vida com um sim de todo o nosso ser. Lançando-nos nesta Vida, somos levados a depositar aqui e agora, no meio dos caminhos da nossa vida em sociedade, sinais de um outro futuro, sementes de um mundo renovado que, no momento certo, darão fruto.
Comunidade de Taizé in “Aprofundar a Palavra” (www.taize.fr)
Quarta-feira
Deus a passear na brisa da manhã, murmúrio do silêncio
Pode-se acreditar em Deus e sentir o desencorajamento? Saber-se amado e, apesar disso, ter momentos de esgotamento interior? Sim. A vida é assim. Mistura, inevitavelmente, luzes e sombras, momentos exaltantes e momentos de fadiga, grandes alegrias e fortes dúvidas. E não pode ser de outra maneira. E é precisamente no momento da fadiga que descobrimos quem somos.
E se, em vez de nos dobrarmos sobre nós próprios, ousássemos colocarmo-nos em discussão, esperar, mudar, orar, agir, algo acontece. Subamos de nível, mudemos de frequência, entremos dentro de nós mesmos, dentro da História, dentro dos acontecimentos.
Deus não está na violência, nem nos grandes acontecimentos naturais ou nos prodígios, mas no íntimo de cada um de nós. Na brisa da manhã, como mais precisamente, na voz do silêncio. Desaprendemos a escuta do silêncio. O lugar onde encontramos Deus. Por que não ousar? Por que não voltar a calar para escutar? Nós próprios. Os outros. Até Deus.
Jesus escolhe. Não melhores, não mais coerentes, não excecionais. Escolhe aqueles doze. Escolhe-nos a nós, frágeis e incoerentes. Escolhe esta Igreja composta de lama e santidade. Escolhe-me. Tal como sou. Amando-me, conduz-me a outras pastagens.
Só o Mestre, só o Senhor pode dominar as altas ondas do mar, desde sempre, na Bíblia, poderoso e obscuro símbolo do mal e do medo. Só Ele. Nós não somos capazes, mas o Senhor desafia-nos, impele-nos a ousar. Sempre. Perante as dúvidas de fé, perante as tempestades da vida, somos chamados a escutar no coração o silencioso murmúrio de Deus, recuperando essa dimensão absoluta que é o silêncio, a oração, a escuta meditada do grande e quieto oceano da presença de Deus, para ver o rosto de Deus que se esconde no vento. Só a fé nos permite desafiar as ondas e os nossos medos. Não por arrogância, mas por infinito amor, por inoxidável paixão. Só assim podemos chegar à outra margem.
Paolo Curtaz in “Avvenire”
Quinta-feira
Jesus, Filho do Homem
A vida que vivemos insuflou-nos a suspeita de que talvez aqueles que todos chamam distantes não estão verdadeiramente tão distantes. Aquele Jesus que buscamos seguir não se mostra a quem sabe e conhece, mas a quem como Pedro, arriscou afogar-se para chegar à margem e abraçá-lo, a quem, como Tomé, sabe espantar-se com aquele corpo ao qual quer tocar as chagas e o coração aberto para aprender a dizer: «Meu Senhor e meu Deus».
Mas sobretudo aquele Jesus fez-nos compreender na pele que se mostra a quem se põe de joelhos. Conhecemos ambos os momentos em que parámos de falar e de raciocinar, e nos pusemos de joelhos, começando só então a compreender alguma coisa. A nossa busca do absoluto e da paz do coração mostra-se aos olhos dos outros como um sinal quase impercetível, discreto, que na realidade encontrou em nós uma certa cumplicidade interior.
Cada dia, como Pedro, tento confiar a Jesus a minha barca, para que dela faça um lugar do qual Ele possa falar. E Ele repete-me a cada dia a mesma coisa: «Hoje cumpre-se…»; «hoje estarei contigo…», e esse seu presente guarda o meu passado custoso e doloroso, recordando-me as vezes que revolveu os torrões do meu coração para pedir-me que continuasse a semear. A busca da Verdade toda inteira tornou-me desde sempre nómada e consciente de que a Ele não o encontrarei de uma vez para sempre.
Jesus não é fechado, é católico, isto é, universal, e é preciso habituarmo-nos a pensar que a luz pode vir de longe, e que não só nós possuímos a verdade. Cada um tem o seu ângulo de verdade, e, em vez de lutar com quem tem uma fé diferente, é preciso aprender de todos e venerar o sofrimento de cada um. Não há em Jesus o querer vencer, o querer levar a sua por diante. Portanto, a verdade na qual nos podemos encontrar, qualquer que seja o nosso caminho, é a bondade misericordiosa daquele Pai de todos, e a autenticidade de cada busca.
Jesus, o mestre do impossível, ensina-nos a estar em comunhão com quem o busca e com quem não o busca, a participar na fé de todos e também na não fé de quem, por temperamento ou formação, não consegue aderir a uma fé, mas esforça-se por continuar a procurar com sinceridade. Habituei-me a chamar com o nome de Jesus cada pessoa, é o único nome que fala da bondade do mundo.
Luigi Verdi in “Il domani avrà i tuoi occhi”
Sexta-feira
Tentações
No deserto, Jesus é tentado a render-se aos desejos egoístas. Este é o mesmo tipo de tentações com que nos confrontamos regularmente, mesmo que as circunstâncias não sejam tão dramáticas. Em cada uma das três tentações há um elemento de bem. É sempre mais difícil ser tentado pelo mal puro, que é mais fácil de identificar e rejeitar; a verdadeira tentação é aquela que assume um aspeto de bem. Por exemplo, é bom alimentarmo-nos e cuidarmos do nosso corpo.
É muitas vezes fácil para nós escutarmos as vozes que não provêm de Deus; essas vozes podem parecer atraentes. De igual modo, por vezes parece ser mais natural habitarmos nas trevas do que virarmo-nos para a luz. Ouvimos vozes segundo as quais não merecemos o amor de Deus, nada mudará, nada vale a pena. Tendemos a virar-nos mais para os nossos “demónios” internos, que contam histórias falsas acerca de nós, subvertendo a nossa identidade, do que virarmo-nos para Deus , que conhece a nossa verdadeira história, a nossa identidade real.
Jesus percebe a necessidade de se desviar dessas vozes sombrias e fá-lo com a ajuda do seu Pai. Jesus é conduzido ao deserto, tal como nós somos levados a refletir sobre a nossa vida em períodos de prova e de combate. Mal Ele não está sozinho e nós também não. O mesmo poder que ajudou Jesus no seu deserto, ajuda-nos no nosso. Jesus participa plenamente da nossa humanidade, alinhando connosco e mergulha completamente na condição humana.
James Martin in “Jesus – um encontro passo a passo”
Sábado
O livro da própria vida
A nossa vida é o “livro” mais precioso que nos foi confiado, um livro que muitos infelizmente não leem, ou que o fazem demasiado tarde, antes de morrer. No entanto, é precisamente nesse livro que se encontra aquilo que se procura inutilmente por outros caminhos. Santo Agostinho compreendeu-o exatamente relendo a sua vida, observando nela os passos silenciosos e discretos, mas incisivos, da presença do Senhor. No final deste percurso, anotará com admiração: «Tu estavas dentro de mim, e eu fora. Lá, eu procurava-te. Deformado, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas. Tu estavas comigo, mas eu não estava contigo». Daqui deriva o seu convite a cultivar a vida interior, para encontrar o que se procura: «Volta para ti mesmo. No homem interior habita a verdade». Este é um convite que faria a todos vós, inclusive a mim mesmo: “Entra em ti mesmo. Lê a tua vida. Lê dentro de ti, como foi o teu percurso. Com serenidade. Entra em ti mesmo”.
Muitas vezes, também nós vivemos a experiência de Agostinho, de nos encontrarmos presos em pensamentos que nos afastam de nós mesmos, mensagens estereotipadas que nos ferem: por exemplo, “Nada valho” – e desanimas; “tudo corre mal comigo”, e deprimes-te; “nunca farei nada de bom”, e desencorajas-te; e assim é a vida. Estas frases pessimistas que te desanimam! Ler a própria história significa também reconhecer a presença destes elementos “tóxicos”, mas para depois ampliar a trama da nossa narração, aprendendo a observar outras coisas, tornando-a mais rica, mais respeitadora da complexidade, conseguindo até captar os modos discretos como Deus age na nossa vida. Devemos ler a nossa vida, e assim vemos o que não é positivo e também as coisas boas que Deus semeia em nós.
A narração das vicissitudes da nossa vida permite também compreender matizes e detalhes importantes, que podem revelar-se ajudas valiosas até então ocultas. O bem está escondido, sempre, pois o bem tem pudor e esconde-se: o bem está escondido; é silencioso, requer uma escavação lenta e contínua. Pois o estilo de Deus é discreto: a Deus apraz o escondimento, a discrição, não se impõe; é como o ar que respiramos, não o vemos, mas faz-nos viver, e só nos damos conta dele quando nos falta. Habituar-se a reler a própria vida educa o olhar, aguça-o, permite notar os pequenos milagres que o bom Deus realiza para nós todos os dias. Quando prestamos atenção, observamos outros rumos possíveis que revigoram o gosto interior, a paz e a criatividade. Acima de tudo, torna-nos mais livres dos estereótipos tóxicos e a conhecer o que acontece dentro de nós.
Papa Francisco in “Audiência Geral – Catequeses sobre o discernimento (19.10.22)”