Reflexão para o mês de junho de 2025
“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (do Evangelho segundo São João)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Há dias, no nosso encontro mensal “Estradas Partilhadas”, começamos a ver “After life”, uma série profundamente filosófica e ao mesmo tempo tão próxima da vida real, repleta de dizeres marcadamente espirituais. Num dos episódios da série, encontramos esta afirmação maravilhosa proferida por uma das personagens: “A felicidade é maravilhosa. É tão maravilhosa que não importa se é nossa ou não”. Ao escutá-la, lembrei-me também de uma das mais famosas frases de Jesus: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”. De facto, estas duas frases, quando lidas com atenção do espírito, revelam uma única verdade mística: a verdadeira felicidade e a verdadeira vida não são posse, são presença. São estados de partilha, não de acumulação. São escolhas comuns e não individuais.
A mensagem de Jesus aponta-nos uma vida vivida em abundância, não em termos materiais, mas numa dimensão espiritual, de amor, propósito, sentido e comunhão com o outro. Ele propõe-nos uma existência transbordante de graça, onde o bem e a felicidade não são escassos nem reservados, mas disponíveis a todos que se abrem ao Amor. A verdadeira abundância é aquela que se partilha. É a alegria que se multiplica, é a felicidade que cresce ao ser vivida em comunidade. Por isso, o bem que acontece no outro não nos diminui nunca; pelo contrário, engrandece-nos, acrescenta-nos porque participamos do milagre maior do amor que habita no meio de nós.
A vida em abundância que Jesus nos promete não é medida em posses, em méritos e nem sequer em momentos felizes individuais. A vida em abundância é aquela que, ao ser vivida verdadeira e generosamente, já não se distingue entre o “eu” e o “tu”, mas reconhece-se unicamente no “nós”. Jesus não nos oferece uma promessa de abundância individualista, mas sim de uma realidade onde a felicidade dos outros não é uma ameaça, mas uma extensão da nossa própria essência, pois tudo o que é verdadeiro e bom em qualquer ser humano pertence ao Corpo vivo que somos todos em Deus.
Assumir a felicidade dos outros como contentamento nosso implica um compromisso grande com a vida e um entendimento gigante não só do que é isto que nos acontece antes da morte física, mas também uma compreensão maior do que é saber viver e, como nos diz Jesus, viver em abundância, em plenitude. Esta visão convida a uma superação do ego, onde a felicidade do próximo deixa de ser um espelho daquilo que nos falta, e passa a ser uma manifestação da presença de Deus no mundo. Alegremo-nos, pois, quando outros são felizes, pois estamos a testemunhar essa vida abundante que Cristo veio oferecer. No fundo, amar a felicidade onde quer que ela esteja é já um sinal de que estamos a viver com o coração moldado por esse Amor maior que Jesus veio ensinar. Quando a felicidade de alguém nos toca, mesmo sem ser “nossa”, é a abundância prometida que se revela, silenciosamente, dentro de nós.
Isto desafia o pensamento utilitarista e egocêntrico que impera na sociedade moderna. Mas, se conseguirmos alegrar-nos com a felicidade dos outros, libertamo-nos das amarras da inveja, do ressentimento e da competição. Esta abertura à alegria alheia é uma forma de transcendência – um passo em direção a um amor mais universal. Na prática, isto pode manifestar-se em pequenos momentos: sorrir ao ver uma criança a brincar, emocionar-se com a conquista de um amigo ou sentir paz ao saber que alguém encontrou o seu caminho. A felicidade partilhada, mesmo quando não é nossa, tem o poder de iluminar também o nosso espírito.
Aceitar esta ideia é também um ato de humildade. É reconhecer que não somos o centro do mundo, mas parte de algo maior, onde o bem-estar coletivo importa tanto como o individual. Ao celebrarmos a felicidade dos outros, multiplicamos a luz no mundo – e isso é, por si só, uma forma única de sermos felizes. Ver a felicidade no outro — e deixar que ela nos preencha sem que seja “nossa” — é um sinal de maturidade espiritual profunda. É participar da abundância de Deus, não com as mãos que agarram, mas com o coração que contempla e se alegra. E quando conseguimos olhar para a felicidade de alguém e sentir gratidão — mesmo que estejamos, pessoalmente, em dor — aí tocamos o mistério da cruz e da ressurreição. Amar o bem, mesmo fora de nós, é já um ato redentor. É deixar que a vida abundante de Cristo se manifeste não apenas em nós, mas através de nós.
Muito mais do que procurarmos a nossa felicidade, a vida em abundância é a felicidade que a felicidade dos outros nos traz. É um maravilhamento constante com a beleza, um espanto infinito com a simplicidade que nos sustenta. Esta noção de felicidade trabalha-se, constrói-se, molda-se. Trabalha-se no dia-a-dia da vida. Constrói-se no empenho e na dedicação com que entrelaço os meus propósitos. Molda-se na relação que tenho com os outros e com o Outro. Por isso, procuremos espaços onde possamos exercitar estes desejos. Onde possamos descobrir aquela que é a nossa melhor versão. Onde quem caminha connosco exija, com amor e confiança, o melhor de nós próprios. Peçamos a Deus esta graça de sabermos procurar esta felicidade salvadora. Sejamos gratos quando nos é dada a oportunidade de vivê-la. Confiemos no Espírito Santo para que ele nos faça caminhar nesta estrada de coração aberto e de olhos cheios daquela luz que não se apaga. E não tenhamos medo de escolher, sempre e para sempre, esta vida em abundância.