Arquivo mensal: Agosto 2015

“Vive a tua vida”

in Notícias Magazine

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Andamos tristes. Detestamos a nossa imagem. O trabalho é um inferno. Por vezes, sentimos que não aguentamos mais. A boa notícia, diz Enrique Rojas, é que podemos sempre alcançar a felicidade se tivermos a atitude certa. 

QUEM É ENRIQUE ROJAS?
Professor catedrático de Psiquiatria e Psicologia Médica, humanista e um dos psiquiatras mais conceituados de Espanha. É diretor do Instituto Espanhol de Investigação Psiquiátrica de Madrid e presidente da Fundação Rojas-Estapé. Os seus livros (dos quais Vive a Tua Vida é o mais recente) estão publicados em vários países.

Vivemos numa sociedade neurótica? Muito madura tecnicamente, mas perdida em termos humanos?
Hoje em dia, o primeiro objetivo de um jovem que atinge a idade adulta é um projeto de trabalho, o afetivo vem em segundo lugar. E mesmo esse desliza para um certo consumo de contacto físico e pouco mais, o que produz um alto nível de superficialidade. Nunca houve tanta informação sobre a afetividade como agora, e no entanto as pessoas parecem mais perdidas do que nunca. O meu conselho é que se trabalhe a chamada inteligência instrumental, muito em voga entre psiquiatras e psicólogos, que consiste em quatro aspetos: (1) ordem na cabeça, na vida e em casa, de modo a saber o que priorizar; (2) constância a perseguir os objetivos com tenacidade e realismo; (3) vontade firme de querer algo e ir à luta; (4) e motivação para crescer com as dificuldades da vida, sem nunca perder de vista a meta. São essas as joias da coroa de qualquer conduta.

Quais as ferramentas de que o ser humano dispõe para tirar o melhor de si mesmo?
Do ponto de vista psicológico, podemos resumi-las a isto: ter uma personalidade equilibrada, madura, bem construída. Manter um projeto de vida coerente e realista, assente em quatro grandes pilares que são o amor, o trabalho, a cultura, a amizade. E temperar tudo com uma vontade forte para não sermos vítimas de quebras de ânimo permanentes. Há quem necessite constantemente da aprovação de terceiros, mas ninguém de fora pode confirmar o nosso próprio valor. Se olharmos em volta, vemos que as pessoas mais populares são justamente as que não tentam adaptar-se a ninguém nem parecer o que não são, agindo com amabilidade e naturalidade diante dos outros.

Tudo tem solução menos a morte? Tenhamos nós a idade que tivermos?
Tudo tem solução se vivermos realmente a vida, assumirmos a realidade sem cair na resignação e apelarmos aos nossos recursos pessoais através da autoestima, da motivação, da adaptação à mudança e da compreensão dos outros. A missão deste Vive a Tua Vida é precisamente mostrar os principais sabores psicológicos de cada etapa, da infância à velhice.

E como se explora essa vivência da autoestima, que por um lado é tão importante mas, por outro, está tão desprotegida?
A autoestima é um dos conceitos modernos mais importantes em psicologia e significa que a valorização que fazemos de nós mesmos, conhecendo as nossas aptidões e as nossas limitações, é positiva. Isto traduz-se em segurança e autoconfiança, quer o indivíduo seja um condutor de autocarros, um arrumador, alguém que vende fruta na praça, um engenheiro ou um arquiteto. E essa autoconfiança está depois na base da assertividade, que é aquilo que faz com que uma pessoa saiba defender os seus direitos e opiniões de forma clara e respeitosa, sem necessidade de ofender os outros  nem de se rebaixar, reconhecendo quando erra e sendo conciliadora por natureza.

Isso é fundamental para a sobrevivência psicológica? Para a felicidade?
A felicidade é um resultado. É a soma e o compêndio de uma vida autêntica, em que alguém soube perdoar as suas próprias falhas e debilidades. Vou dar-lhe uma cascata de definições da felicidade. Dependendo da ótica de quem a contempla, existem momentos felizes: sonhos felizes, natais felizes, fins de semana felizes. Também podemos falar de um ponto de vista temporal: a felicidade como um sofrimento superado ou como um saber parar o relógio para saborear o presente. Vou dizê-lo de forma categórica: felicidade é fazer algo com a própria vida que valha a pena. Torná-la uma pequena obra de arte, cada qual dentro das suas possibilidades. É sonhar.

Porque se ressente então a dada altura das nossas vidas, quase como se fosse uma inevitabilidade?
Os seres humanos têm um diálogo interno consigo mesmos, é natural. Mas se o diálogo for negativo e resultar numa paralisação da nossa atividade, estamos condenados a sofrer de baixa autoestima, o que terá como consequência um resíduo de insegurança e de dúvidas face a qualquer desafio que nos surja pela frente. Um dos erros mais frequentes que cometemos é compararmo-nos com os demais, porque aí contrapomos superfícies, não profundidades. E desse caminho resulta a inveja, que não é mais do que tristeza com a satisfação alheia. Repito: a felicidade é estarmos contentes connosco, cientes de que fizemos o maior bem possível e o menor mal consciente.

E como conseguimos conciliá-la com um mundo em que trabalhar demasiado nunca é suficiente? Sobretudo se no final não sobra tempo para desfrutá-la…
Nunca se pode dar mais importância à vida profissional do que à vida familiar, social ou sentimental. Quando alguém trabalha mais do que as horas que lhe são atribuídas, quando leva o stress para casa, acabará por pagar com deterioração da vida pessoal e da própria saúde mental e física. O primeiro passo para mudar algo que não está bem é pegar em papel e lápis, apontar dois ou três objetivos que possamos medir e depois fazer por alcançá- los. Acredito muito na cultura do esforço que coloca a vontade em primeiro lugar. Desta maneira, é mais fácil, para qualquer um, tornar os seus sonhos realidade.

O que devem os pais fazer para ensinarem os filhos a viver bem as suas vidas?
Dado que a infância é a etapa da vida em que se semeia o potencial do ser humano, a futura autoestima das crianças depende da forma como os pais as encaminham nesta fase formativa. Sugiro que comecem eles mesmos por dar o exemplo e lhes incutam o conceito de se trabalhar para conseguir algo – o êxito fácil não existe. Meçam bem todas as palavras – uma crítica infeliz pode diminuir a confiança – e mostrem abertamente que as amam com beijos e carinhos. Estabeleçam ainda pequenos objetivos, passo a passo, e não as comparem com outras crianças, um mau hábito que está por trás de muitos complexos, invejas e frustrações.

A terceira idade também ganhou uma cronologia complexa desde que a esperança média de vida cresceu no Ocidente. Quando é que uma pessoa é, de facto, velha?
A velhice não depende da idade, mas das ilusões por cumprir – pode dizer-se que existe uma velhice biológica e uma psicológica. Uma pessoa é velha quando começa a olhar mais para trás do que para a frente, quando se concentra mais nos factos passados do que nos projetos futuros. Isso é velhice: uma pessoa já ter dificuldade em ver para a frente. Daí ser fundamental que o final da vida nos apanhe com projetos e ilusões, apesar de o corpo responder cada vez menos. Fazer planos quando chegam as férias. Praticar exercício, conviver, aproveitar bem a vida. E sermos capazes de perdoar, a nós mesmos e aos outros, os erros que possamos ter cometido no caminho. Hoje em dia existem avós muito jovens.

Como se enfrenta a expectativa da morte sem perder o otimismo?
A espiritualidade é um alimento essencial para momentos de confusão, doença ou perda. Ninguém sabe o que vai encontrar no fim, de modo que as pessoas que cultivam a fé estarão mais preparadas para essa etapa da vida, com o seu fundo dramático. O budismo, por exemplo, fala da morte como repouso. Enquanto estivermos cá, digo aos meus pacientes: «Aproveita o dia, dedica o teu tempo aos netos. Desfruta.»

Ser feliz é possuir aquilo que desejamos, sem desejar demasiado nem confundir as expectativas?
Penso que há duas coisas essenciais para alcançarmos a felicidade, que são a cultura e a tal espiritualidade de que falava há pouco. A cultura é liberdade, é a estética da inteligência. A piscadela de olho que nos faz querer saber os segredos mais importantes da vida. Já a espiritualidade é transcendência, uma visão alargada e panorâmica do jogo da vida. É uma pena que ambas se percam nos excessos de uma sociedade tão rápida como a nossa.

Vocação

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“Eu não escolhi a Psicologia Positiva. Foi ela que me chamou. Era o que eu queria desde o primeiro momento, mas a Psicologia Experimental, e depois a Psicologia Clínica, eram os únicos brinquedos disponíveis que me faziam lembrar o meu chamamento. Não o consigo dizer de uma forma menos mística. Vocação – ser chamado a agir em vez de optar por agir – é uma palavra antiga, mas é algo real. A psicologia Positiva chamou-me tal como a sarça ardente chamou a Moisés.

Os sociólogos distinguem entre um emprego, uma carreira e um chamamento. Temos um emprego em troca de dinheiro e, quando o dinheiro para, nós paramos de trabalhar. Seguimos uma carreira por causa das promoções e, quando as promoções param e já não podemos progredir mais, desistimos ou limitamo-nos a cumprir horários. Um chamamento, por comparação, vale por si próprio. Mesmo que não fôssemos pagos nem promovidos, fa-lo-íamos na mesma. “Ninguém me consegue parar!”, grita o nosso coração quando encontramos algum obstáculo.”

Martin Seligman in “A VIDA QUE FLORESCE”