Arquivo mensal: Dezembro 2015

Peregrinação de Confiança – Valência

Irmão Alois, Valência, quarta-feira à noite, 30 de Dezembro de 2015

Ao passar o Natal na Síria, entendi melhor como é uma preocupação para as pessoas de todo este país saber que as zonas de combate nunca estão longe. As pessoas estão acostumadas a ouvir as bombas. Gostaria de vos trazer hoje à noite a palavra mais forte que ouvi na Síria. Ela vem de um jovem. Disse-me: “Diga na Europa, diga no Encontro de Valência que a maioria das pessoas na Síria sempre viveram e querem continuar a viver juntas, entre diferentes religiões”. E este jovem sírio concluiu com tristeza: “Mas a nossa voz não é ouvida. O ruído das armas é mais forte”.

Confrontados com a violência, onde quer que ela se manifeste, alguns podem perguntar-se: onde está Deus? Deus está ali, ele sofre com as vítimas. Cabe-nos ser testemunhas disso, através da compaixão e da misericórdia. Por vezes, deixamo-nos hipnotizar pelo medo. Resistir ao medo não significa que ele deva desaparecer, mas que não devemos ficar paralisados por ele.DSC_4636 (1024x681)

A fraternidade restabelecida entre os homens é o único caminho de futuro para preparar a paz. Não devemos permitir que a recusa do outro se introduza nos nossos corações, porque esse é o germe da barbárie. A fraternidade é o caminho aberto por Jesus. Ele fala deste caminho na parábola do Bom Samaritano que estivemos a ler e que se encontra ilustrada no ícone da misericórdia que temos diante de nós.

Nós, cristãos, formamos juntos a Igreja visível, mas acreditamos que o Evangelho cria uma comunhão mais ampla: no coração de Deus todos os homens constituem uma família. Será que aceitamos plenamente o pluralismo desta família humana? Caso contrário, não seremos capazes de pretender uma fraternidade universal.

Amanhã, irão procurar modos de estender a misericórdia às suas dimensões sociais: como ir para lá do medo do estrangeiro, das diferenças de culturas; como contribuir para moldar a nova face que os migrantes dão às nossas sociedades?

Peregrinação de Confiança – Valência

Irmão Alois, Valência, terça-feira, 29 de Dezembro de 2015

Ontem à noite, contei-vos como vivi o Natal na Síria. Antes de ir para a Síria, estive no Líbano. O Líbano está inundado de refugiados; quase dois milhões de refugiados para quatro milhões de habitantes.

No Vale de Bekaa, visitámos acampamentos improvisados. Tal como na Síria, fiquei impressionado com a preocupação que todos têm pelas crianças. Num dos acampamentos, os próprios refugiados improvisaram escolas, mesmo para os mais pequenos. Várias vezes ouvi dizer que a educação das crianças era para eles uma prioridade.DSC_4486 (1024x681)

Outra prioridade para eles é a de viver em conjunto com a sua diversidade. O Líbano envia-nos esta mensagem: é possível que as diferentes religiões vivam em conjunto. Este país é baseado neste respeito mútuo. Mesmo depois de provações que chegaram até à guerra civil, os Libaneses regressaram sempre a este ideal. Rezemos com eles para que possam continuar.

Hoje, foi proposto a todos que se confiassem à misericórdia de Deus, que permanecerá para sempre uma fonte a jorrar. Ao consagrarmos o próximo ano à procura de modos de viver a misericórdia, juntando-nos assim ao ano da misericórdia lançado pelo Papa Francisco, gostaríamos de descobrir que a Igreja é antes de mais uma comunidade de amor e de perdão. Amanhã, irão aprofundar isto.

Claro, as nossas comunidades, as nossas paróquias, os nossos grupos estão muitas vezes longe de ser o que sonhamos. Mas o Espírito Santo está presente na Igreja e faz-nos avançar sobre o caminho do perdão.

A misericórdia e a compaixão são valores do Evangelho que podem ser resposta para os acontecimentos das nossas sociedades. A misericórdia e a compaixão são capazes de desarmar a espiral de violência entre os seres humanos. Muitos cristãos de todo o mundo dão as suas vidas pela reconciliação e a paz. Na história dos cristãos, muitos mártires apelaram ao amor e ao perdão.

Perdoar é uma palavra que não vem sempre aos nossos lábios. Há mesmo situações em que não somos capazes de perdoar. Mas pelo menos podemos confiar a Cristo aqueles que fazem o mal e dizer, como quando ele estava na cruz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”.

Para que a Igreja se torne cada vez mais uma comunidade de amor e de reconciliação, nós, cristãos, somos pressionados a encontrar uma resposta para esta pergunta: como mostrar que a unidade é possível, no respeito pelo pluralismo?

Será que sabemos que, como cristãos, temos um dom específico para preparar caminhos da paz e confiança através da terra? Nós somos o Corpo de Cristo e uma comunhão entre os que seguem a Cristo pode tornar-se um sinal credível da reconciliação no meio dos homens.

Natal

mensagem Urbi et Orbi do Papa Francisco

Queridos irmãos e irmãs, feliz Natal!

Cristo nasceu para nós, exultemos no dia da nossa salvação! Abramos os nossos corações para receber a graça deste dia, que é Ele próprio: Jesus é o «dia» luminoso que surgiu no horizonte da humanidade. Dia de misericórdia, em que Deus Pai revelou à humanidade a sua imensa ternura. Dia de luz que dissipa as trevas do medo e da angústia. Dia de paz, em que se torna possível encontrar-se, dialogar, e sobretudo reconciliar-se. Dia de alegria: uma «grande alegria» para os pequenos e os humildes, e para todo o povo (cf. Lc 2, 10).

Neste dia, nasceu da Virgem Maria Jesus, o Salvador. O presépio mostra-nos o «sinal» que Deus nos deu: «um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2, 12). Como fizeram os pastores de Belém, vamos também nós ver este sinal, este acontecimento que, em cada ano, se renova na Igreja. O Natal é um acontecimento que se renova em cada família, em cada paróquia, em cada comunidade que acolhe o amor de Deus encarnado em Jesus Cristo. Como Maria, a Igreja mostra a todos o «sinal» de Deus: o Menino que Ela trouxe no seu ventre e deu à luz, mas que é Filho do Altíssimo, porque «é obra do Espírito Santo» (Mt 1, 20). Ele é o Salvador, porque é o Cordeiro de Deus que toma sobre Si o pecado do mundo (cf. Jo 1, 29). Juntamente com os pastores, prostremo-nos diante do Cordeiro, adoremos a Bondade de Deus feita carne e deixemos que lágrimas de arrependimento inundem os nossos olhos e lavem o nosso coração. Disto todos temos necessidade.

Ele, só Ele, nos pode salvar. Só a Misericórdia de Deus pode libertar a humanidade de tantas formas de mal – por vezes monstruosas – que o egoísmo gera nela. A graça de Deus pode converter os corações e suscitar vias de saída em situações humanamente irresolúveis.

Onde nasce Deus, nasce a esperança: Ele traz a esperança. Onde nasce Deus, nasce a paz. E, onde nasce a paz, já não há lugar para o ódio e a guerra. E no entanto, precisamente lá onde veio ao mundo o Filho de Deus feito carne, continuam tensões e violências, e a paz continua um dom que deve ser invocado e construído. Oxalá israelitas e palestinianos retomem um diálogo directo e cheguem a um acordo que permita a ambos os povos conviverem em harmonia, superando um conflito que há muito os mantém contrapostos, com graves repercussões na região inteira.

Ao Senhor, pedimos que o entendimento alcançado nas Nações Unidas consiga quanto antes silenciar o fragor das armas na Síria e pôr remédio à gravíssima situação humanitária da população exausta. É igualmente urgente que o acordo sobre a Líbia encontre o apoio de todos, para se superarem as graves divisões e violências que afligem o país. Que a atenção da Comunidade Internacional se concentre unanimemente em fazer cessar as atrocidades que, tanto nos referidos países, como no Iraque, Líbia, Iémen e na África subsaariana, ainda ceifam inúmeras vítimas, causam imensos sofrimentos e não poupam sequer o património histórico e cultural de povos inteiros. Penso ainda em quantos foram atingidos por hediondos actos terroristas, em particular pelos massacres recentes ocorridos nos céus do Egipto, em Beirute, Paris, Bamaco e Túnis.

Aos nossos irmãos, perseguidos em muitas partes do mundo por causa da sua fé, o Menino Jesus dê consolação e força. São os nossos mártires de hoje.

Paz e concórdia, pedimos para as queridas populações da República Democrática do Congo, do Burundi e do Sudão do Sul, a fim de se reforçar, através do diálogo, o compromisso comum em prol da edificação de sociedades civis animadas por sincero espírito de reconciliação e compreensão mútua. Que o Natal traga verdadeira paz também à Ucrânia, proporcione alívio a quem sofre as consequências do conflito e inspire a vontade de cumprir os acordos assumidos para se restabelecer a concórdia no país inteiro. Que a alegria deste dia ilumine os esforços do povo colombiano, para que, animado pela esperança, continue empenhado na busca da desejada paz.

Onde nasce Deus, nasce a esperança; e, onde nasce a esperança, as pessoas reencontram a dignidade. E, todavia, ainda hoje há multidões de homens e mulheres que estão privados da sua dignidade humana e, como o Menino Jesus, sofrem o frio, a pobreza e a rejeição dos homens. Chegue hoje a nossa solidariedade aos mais inermes, sobretudo às crianças-soldado, às mulheres que sofrem violência, às vítimas do tráfico de seres humanos e do narcotráfico.

Não falte o nosso conforto às pessoas que fogem da miséria ou da guerra, viajando em condições tantas vezes desumanas e, não raro, arriscando a vida. Sejam recompensados com abundantes bênçãos quantos, indivíduos e Estados, generosamente se esforçam por socorrer e acolher os numerosos migrantes e refugiados, ajudando-os a construir um futuro digno para si e seus entes queridos e a integrar-se nas sociedades que os recebem. Neste dia de festa, o Senhor dê esperança àqueles que não têm trabalho – e são tantos! – e sustente o compromisso de quantos possuem responsabilidades públicas em campo político e económico a fim de darem o seu melhor na busca do bem comum e na protecção da dignidade de cada vida humana.

Onde nasce Deus, floresce a misericórdia. Esta é o presente mais precioso que Deus nos dá, especialmente neste ano jubilar em que somos chamados a descobrir a ternura que o nosso Pai celeste tem por cada um de nós. O Senhor conceda, particularmente aos encarcerados, experimentar o seu amor misericordioso que cura as feridas e vence o mal.

E assim hoje, juntos, exultemos no dia da nossa salvação. Ao contemplar o presépio, fixemos o olhar nos braços abertos de Jesus, que nos mostram o abraço misericordioso de Deus, enquanto ouvimos as primeiras expressões do Menino que nos sussurra: «Por amor dos meus irmãos e amigos, proclamarei: “A paz esteja contigo”»! (Sal 122/121, 8).