José Luís Peixoto, Em Teu Ventre
Não te cansas de ser sempre um lencinho?
Como me iria cansar, menina? Falta-me tudo para deixar de ser eu próprio. Mesmo que embarcasse nessa ilusão, nunca poderia imaginar ser outra coisa, não conseguia. Mesmo que me convencesse de que havia alternativa, que podia ser outro, aquilo que imaginasse não chegaria a ser diferente da minha espécie porque, no fundo, seria concebido pelos meus padrões, ideias e preconceitos.
Pensas demasiado, lencinho, complicas. Só te queria dizer que estou cansada de ser eu. Parece-me agora que gostava de ser outra coisa, talvez um lencinho, como tu, guardado no meu bolso, dobrado e morno.
Irias admirar-te com o tanto que te falta saber sobre a vida dos lenços. E, se estás cansada de ser tu, este é um momento tão bom com outro qualquer para abandonares essa imprudência. Cansa-te seja do que for, mas nunca te canses de ti porque, em toda a lonjura deste mundo, só tu podes ser essa pessoa que és e, se faltares, não há quem te possa substituir.