Os ditadores

indiceuhviugD. Nuno Brás, bispo auxiliar de Lisboa, A Voz da Verdade

Não consigo entender os ditadores. A história está cheia dos seus nomes, descrevendo-os habitualmente como homens sanguinários. E se sobre eles faz algum juízo positivo é por causa do império que construíram, a ferro e fogo, com sangue e opressão, nos anos em que estiveram à frente dos destinos dos povos, com os problemas que daí surgiram para todos.

Julgaram-se salvadores; pensaram que eram os únicos a saber resolver problemas, a indicar caminhos, a tomar resoluções. Mas todos foram derrubados. Sem excepção. Uns caíram devido a revoltas populares; outros por causa dos ódios que fizeram nascer à sua volta; outros por doença; outros porque, simplesmente, morreram. Pensaram fazer-se grandes e que o seu nome permaneceria para sempre. O poder humano é, de facto, uma espécie de droga que pode criar uma clara dependência naqueles que o exercem. Nunca lhes passou pela cabeça que mesmo os homens importantes, depois de mortos, são apagados da memória dos que vivem, no espaço de alguns anos. Deles ficará apenas o registo num livro, numa pedra, num resto de arqueologia.

Apenas Deus permanece. E isso relativiza todos os poderes humanos. Senhor do tempo e da história, Deus tudo governa com amor. S. João não hesita em dar uma definição de amor: “não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados” (1Jo 4,10). O próprio Deus, para nos mostrar quem é e para nos convidar a participar da Sua Vida, nos mostrou o caminho: fez-se o menor de todos, até à morte de cruz. Só aí o homem encontra o amor e a salvação. Só aí o poder faz sentido.

O Advento proclama, em cada ano que passa, a Verdade de Deus acima dos pensamentos, das vontades e das atitudes humanas. Não é a história que julga – que absolve ou condena – os ditadores ou qualquer ser humano. Ao recordar que o único poder que permanece é o do amor que se esquece de si mesmo – e que é o próprio Deus –, o Advento convida a olhar e a viver o poder que temos não como afirmação da vontade pessoal mas como serviço. No fundo, o Advento é já o começo do julgamento dos ditadores, grandes ou pequenos.