Com um sorriso, esta pergunta surgia-nos à medida que ouvíamos as intervenções do Papa Francisco nesta JMJ Lisboa. De facto, quase tudo o que o Papa foi dizendo em jeito de observação, orientação e esclarecimento já por nós foi sendo escrito nas nossas reflexões mensais ao longo destes quase dois anos. É claro que o Papa Francisco não acompanha o nosso site. Como se explica, então, este “plágio” de muitas das nossas reflexões nos seus discursos nesta JMJ? A resposta é muito evidente. Conhecendo e partilhando a mensagem de Jesus Cristo, vivendo conscientemente o Cristianismo, estando atentos ao mundo que nos rodeia, estando disponíveis para o acolhimento e para a presença do Outro nos outros e escolhendo viver cada dia com as suas alegrias e tristezas, os seus desafios e assombros, de facto, só poderíamos usar todos a mesma linguagem, as mesmas palavras, as mesmas afirmações, não importando muito se somos uns simples leigos da vinha do Senhor ou um admirável Papa. Tudo o que o Papa Francisco foi partilhando na JMJ reflete claramente tudo o que nós também já pensamos, vivemos e acreditamos desde há muito tempo. Por isso, que bom sentir que estamos em sintonia! Que felizes somos ao vermos os nossos pensamentos nas palavras do Papa! Que alegria está em nós ao nos reconhecermos plenamente em tudo o que foi partilhado pelo Papa! Para quem anda mais afastado da Igreja, para quem está mais distraído, para quem não conhece o que este Papa vem dizendo há anos, tudo o que ele disse poderá soar a inovação, modernização, mudança de paradigma e até alguma contradição com a ideologia da Igreja. Contudo, tudo o que o Papa foi anunciando na JMJ não é novidade para quem vive a e em Igreja, pois é tudo o que Jesus Cristo já havia dito há mais de dois mil anos. Cabe-nos agora, nos nossos contextos e realidades, atualizar e continuar a praticar o que foi e tem sido dito.
Assim, partilhamos aqui algumas das frases proferidas pelo Papa Francisco durante a JMJ em paralelo com algumas das nossas frases dos textos de reflexão mensal.
Durante a JMJ, como já é habitual, a Comunidade de Taizé dinamiza tempos de oração comunitária. Em Lisboa, estes momentos aconteceram na bela e despojada Igreja de São Domingos. Estas orações com cânticos de Taizé e com a presença de alguns irmãos da Comunidade estiveram abertas a todos os que nelas quiseram participar. E realmente foram muitos! Tantos que a fila de espera, cerca de uma hora antes de cada oração começar, embora sendo já interminável, nunca demoveu nenhum dos participantes. Na última oração, na 5.ª feira à noite, organizada juntamente com a Comunidade “Chemin Neuf”, muitos não conseguiram lugar dentro da Igreja. No entanto, assistiram à oração no exterior da Igreja, acompanhados pelo sistema sonoro (podem comprovar pela fotografia que um amigo nosso que estava cá fora tirou, testemunhando o que aconteceu). Sentados no chão, na zona mais movimentada de Lisboa, a antítese era evidente: o silêncio e a contemplação foram mais fortes do que o barulho e a agitação. Para quem (ainda!) não conhece a Comunidade de Taizé, este fenómeno parece ser inexplicável, mas é apenas um reflexo natural da necessidade que as pessoas têm de mais silêncio, de mais intimidade com um Deus que é só Amor, de mais envolvimento espiritual.
A oração de 5.ª feira foi a última a que podemos assistir com o Irmão Alois enquanto prior de Taizé. São momentos sempre significativos para nós que tivemos o privilégio de estar presentes em alguns eventos marcantes da vida da Comunidade de Taizé: estivemos em 2004, em Lisboa, naquele que foi o último Encontro Europeu do Irmão Roger e, no ano seguinte, estivemos em Milão no primeiro Encontro Europeu com o Irmão Alois como novo prior. A partir de dezembro, o Irmão Matthew será o novo prior e, se tudo correr como previsto, no Verão do próximo ano estaremos a rezar juntos em Taizé (sim, estamos a organizar uma viagem de peregrinação a Taizé em 2024 com a @paroquia.da.matriz.pvz ).
Taizé. Nos próximos meses, a propósito da preparação que iremos fazer para a nossa peregrinação, iremos partilhar aqui o que significa para nós, Comunidade, esta Comunidade.
Integrado na JMJ aconteceu o chamado “Festival da Juventude” constituído por eventos nas áreas da Música, Cinema, Teatro, Dança, Conferências, eventos estes formativos, numa partilha de vivência cristã com os peregrinos de todo o mundo. Destaco aqui duas atividades nas quais participamos e que foram da responsabilidade dos Jesuítas.
Na 4.ª feira, assistimos à conferência “Today’s FAQ’s about Faith and Church” dinamizada pelo sacerdote jesuíta James Martin. Numa igreja repleta de pessoas desejosas de o ouvir, o sacerdote jesuíta foi elencando as questões mais comuns sobre a fé e sobre a Igreja, sobre a importância de trabalharmos as nossas crenças e sobre o papel da comunidade na construção da identidade cristã. O sacerdote terminou a palestra com as seguintes palavras: “Lembrem-se que o convite mais eficaz à crença, à fé, à religião, ao cristianismo, à Igreja Católica e até à oração não é a resposta a uma pergunta, mas a uma pessoa: Jesus Cristo. E a maneira que funciona hoje é fazer com que as pessoas vejam Jesus Cristo em cada um de vós! A vossa própria vida é um instrumento de evangelização.” Sigam o trabalho deste padre jesuíta que tem tido um papel central na construção de pontes de relação.
Na 5.ª feira, na belíssima casa cultural Brotéria, tivemos a oportunidade de assistir ao workshop “Escuta-te em corpo”, orientado pelo padre Paulo Duarte. Durante uma hora, fomos trabalhando a noção de sermos também um corpo, dando especial enlevo à respiração, seguindo as orientações do padre Paulo, ativando em cada um de nós a consciência do presente, a gratidão do aqui e do agora, a perceção das emoções que nos habitam e nos moldam. Conheçam o pe Paulo Duarte que tem feito um trabalho muito fecundo dedicado a esta noção do corpo que somos. Em muitas publicações e outros encontros, este sacerdote jesuíta tem sublinhado que o ser humano é muito mais do que o intelecto e a fé é algo que também se sente a partir do corpo que somos e que, por isso, precisa tanto de ser escutado.
As JMJs são também este espaço de aprendizagem, de observação, de cultura, de pensamento. Que bom é poder assim viver esta Igreja que somos!
As JMJs são música e canções. Por Lisboa, espalharam-se palcos onde muitos grupos cristãos levaram as suas melodias, testemunhando a fé através da arte. E o hino destas JMJ cantado a tantas vozes, com as palavras e a música perfeitas, motivando cada um a partir ao encontro da VIDA.
Nesta dimensão musical da JMJ, partilho aqui dois momentos especiais, que foram para nós sinais da certeza de que o Amor que vivemos nesta dimensão terrena é eterno.
Na cerimónia de acolhimento ao Papa, quando os símbolos das JMJ eram levados ao palco, o @tiagobettencourt cantou a “Viagem”. Uma canção poderosa, de caminho, de aceitação das partidas, de esperança de reencontros numa voz com sabor a casa. Um hino à eternidade! E nada é um acaso! Dias antes, publicávamos, como de costume no nosso site, o texto da reflexão mensal. Eu já tinha um texto meu preparado, mas algo me lembrou que o Jorge tinha escrito, já em 2008, um texto intitulado “Viagem” sobre o simbolismo da viagem que é a Vida. Uma vez que dali a dias partiríamos para Lisboa, entendi ser uma recordação bonita colocar as palavras dele a acompanharem-nos no caminho. E assim foi! Por isso, quando dias depois ouvimos esta canção “Viagem” naquele ambiente de luz, logo os nossos corações se encheram de comoção pois acreditamos que as nossas energias se ligam e se fundem e a presença de quem amamos faz-se sempre inexplicavelmente presente e continua viva em nós.
Na vigília com o Papa, ninguém ficou indiferente quando a doce @carminho cantou “Estrela”. Quando a vimos naquele palco magistral, numa noite tão cheia e tão serena, o nosso coração voltou a encher-se de alegria, aquela alegria que só brota de quem entende que a vida acontece nestes detalhes aparentemente insignificantes, mas que são tudo. E isto porque esta música “Estrela” tem sido a nossa companhia nestes dois últimos anos no “Encontro em TI”, o nosso momento de oração mensal na Igreja da nossa paróquia, esse que foi um projeto antigo e muito desejado pelo Jorge.
A música. Nós. A vida a dar-nos sinais. E ele, com Ele, a falar-nos através das músicas. E sempre connosco, a olhar-nos. Que felizes somos!
A experiência das JMJ vai além da viagem, dos workshops, das celebrações, do Papa, do hino, dos locais. Viver as JMJ é fazer a experiência da vida em comunidade, do que é estar com os nossos irmãos noite e dia, aprendendo a conhecer os seus silêncios e gargalhadas, a entender pedidos e escolhas, a oferecer-lhes caminhos novos e lugares de acolhimento. É por isso que a participação nas JMJ tem de ser feita em grupo, uns com os outros. Tudo o que as JMJ nos possibilitam viver é agigantado quando é vivido em comunidade. A vida torna-se sempre maior quando é partilhada e a experiência nas JMJ é prova disto. Um workshop em que participo é sempre mais interessante quando a ele assisto com o meu grupo. A experiência na vigília do fim de semana é inesquecível porque a vivo com os meus amigos que não me deixam sucumbir ao calor e ao cansaço e me fazem cantar mais, rir mais, abraçar mais.
Para nós, estas JMJ foram diferentes do habitual. Pela primeira vez, fomos sem estarmos responsáveis por um grupo de jovens e sem ficarmos alojados em casas de família ou escolas. Nuclearmente, formamos um grupo de cinco elementos que, mais tarde, passou a comunidade de oito. E foi, genuinamente, a concretização do viver em comunidade, em partilha, em oração, em caminho. E ser e estar em Igreja significa isto mesmo! Cada um de nós vive o que acredita, vive a sua relação pessoal com Deus, mas esta dimensão só se torna plena e verdadeiramente revolucionária e impactante quando é partilhada e vivida em comunidade. As alegrias e as tristezas, os avanços e as quedas, as perguntas e as respostas só se tornam verdadeiramente VIDA quando são vividas com os outros num caminho que é feito e construído para nos levar ao Outro que é Tudo com TODOS em nós. Foi isto que vivemos em Lisboa. E quão maravilhosa foi esta nossa partilha em comunidade! Com tempo e disponibilidade para estar, sentir, rir, conversar, observar. Com atenção e dedicação para sermos mais pessoas e possibilitar a este pequeno grupo a riqueza que é a vida que nós temos e escolhemos em nossa casa, a vida em comunidade.
Tanto para guardar no coração e trazer para a vida, inteira e única. Começo pela beleza da arte vivida naquele palco e assumida por cada um que assistiu àquela celebração. Quando a Via-sacra começou, já nós havíamos iniciado o nosso caminho de regresso a casa (por questões pastorais, não pudemos ficar o resto dos dias em Lisboa). Foi uma experiência diferente, esta a de ouvir a celebração através do rádio e, assim, imaginando o que estaria a acontecer naquele espaço onde poucas horas antes tínhamos estado. Depois, em casa, vendo na televisão, confirmamos que aquilo que imagináramos ser maravilhoso, era realmente grandioso e impactante.
Nesta Via-Sacra, nada houve que brilhasse por si só. Tudo foi um só porque todos, com todos e por todos, souberam ser luz, presença, comunidade, ação, movimento, entrega. O coro e a orquestra uniram magistralmente todos os momentos, numa suavidade constante e coerente. E aquele doce cântico de Taizé a fazer de forma tão sentida e marcada a passagem das estações. Os magníficos bailarinos do Ensemble 23 foram o tudo em corpo e em alma: irmandade, alegria e dor, caminho, dúvidas e certezas, emoção e, acima de tudo, testemunho. Um testemunho de tudo aquilo que é vivido por cada um de nós, nas nossas circunstâncias, no nosso quotidiano simultaneamente diferente e comum. Toda a encenação da sensibilidade de @matildetrocado foi arte de vida, comunicação de luz, busca sentida de um futuro comum. Os delicados desenhos do pe @nunosj foram caminhos de autenticidade transformadora, impactantes no momento certo, poderosos na mensagem a anunciar, genuínos memoriais daquela vida que não tem fim. Os textos do pe Nuno Tovar de Lemos foram todas as nossas palavras, anseios, perguntas, raízes. E o silêncio. Sempre o silêncio. O silêncio avassalador e, ao mesmo tempo, tão sereno que aquele sem fim de peregrinos foi capaz de fazer porque soube sentir toda a beleza, a harmonia, a conversão. Esta Via-sacra não foi uma mera lembrança emotiva da condenação e morte de Jesus. Esta Via-sacra foi a arte a servir-se da vida toda e toda a vida em forma de arte.
Aos pouquinhos, como se estivesse a regressar de uma outra dimensão, vou começando a rever as fotografias que tiramos, vou recolhendo testemunhos dos que viveram esta experiência das JMJ, vou ouvindo em loop a avassaladora “Viagem” do @tiagobettencourt , vou lendo os discursos impactantes do Papa, vou assistindo, em emoção intensa, às gravações das diferentes cerimónias na televisão e anotando todos os detalhes. E assim nestes dias pós-jornadas vou serenando o espírito, fazendo o silêncio necessário para discernir o que é importante, guardando as emoções no sítio certo e da forma correta, ouvindo o que o coração me traz para encontrar as palavras luminosas que possam exprimir, com fidelidade e generosidade, o que estes dias das pré-jornadas e das Jornadas nos ofereceram.
Enquanto estava neste quase recolhimento espiritual, alguém partilhou comigo esta poderosa fotografia e a sua história, que mais não é do que a concretização perfeita do que o Papa Francisco havia dito uns dias antes. Estamos TODOS! E só é possível estarmos TODOS quando TODOS estão. Esta imagem é fortíssima! Comoveu-me profundamente não só a força destes braços amigos que suportam e elevam o jovem Lourenço, mas sobretudo a alegria genuína e gigante deste jovem, um sinal forte da vida e da eternidade que todos nós carregamos. A tal alegria que não é fútil nem acaba quando tem as suas raízes bem alicerçadas no Amor. A alegria que nos traz o Amor destes amigos que nos erguem para lá dos nossos limites e que nos fazem do tamanho do Universo.
Esta ideia da alegria e da necessidade de viver a alegria como tão bem reforçou o nosso Papa trouxe-me à memória um texto do nosso querido Vergílio Ferreira que uma vez utilizamos nuns exercícios de dramatização numa das atividades com os nossos grupos de adolescentes:
“Não te queixes. Os outros têm já tanto de quê. Não fales de coisas tristes. Os outros têm já tanto que chegue. Não fales em solidão. Todos os outros estão tão sós. Fala de alegria, da força, de tudo o que nos instaure em imortalidade. Assenta de uma vez que o homem é imortal.”
Texto de Jorge Ferreira, Comunidade Estrada Clara (este texto foi escrito pelo Jorge em julho de 2008)
Cada um de nós tem de fazer da sua vida uma viagem. E, muitas vezes, para nos descobrirmos e nos conhecermos, há momentos em que esta viagem tem de ser feita na solidão, na relação connosco próprios. Sabemos que para cada pessoa há uma viagem distinta a fazer, um caminho distinto a percorrer. A pessoas diferentes correspondem viagens e caminhos diferentes. Não podemos ter a vida que os outros têm nem eles podem ter a nossa. Somos únicos. Ninguém pode escolher por nós nem nós por os outros. A escolha é sempre nossa. Muitas vezes cedemos à tentação de nos deixarmos ir na corrente, de sermos cópias do que outros já são. Comportamo-nos como os outros para mais facilmente nos sentirmos aceites e não sermos alvo fácil da avaliação dos outros que, quase sempre, é atroz.
Percorrer esta vida sem respeitar quem eu sou significa não andar, não evoluir, estar parado. Parece-me que todos experimentam, numa ou noutra vez, ser diferente dos outros. Uns têm sucesso, evoluem e distinguem-se. Mas à maior parte das pessoas acontece não ter muito êxito na primeira experiência e desistem porque pensavam que se pode obter tudo logo na primeira investida. “É a vida!”, “Não se pode seguir os sonhos!”, “Tens de ser realista.”, “Esse curso não tem saída nenhuma!”, “Não percas tempo com o teu grupo de jovens, agora tens de ter uma vida séria.”, são apenas alguns exemplos ditos por quem passou a pertencer à maioria, à normalidade. Por aqueles que se inscrevem no clube Dia-a-dia, procuram outros iguais a eles, gritam pelo mesmo clube, passam a gostar de coisas que não gostavam, comem o que nem sonhavam existir e olham para as vidas dos outros como meta a alcançar, idolatrando-as. As suas próprias vidas começam a desaparecer. Vivem, mas não vivem. Entre festas e comida, empregos e carreiras, férias e filhos, lá vão andando e cumprem apenas os requisitos mínimos, esquecendo-se da dádiva de uma Vida maior.
Por isso, é-se diferente quando se decide caminhar, quando decidimos saber mais e melhor. É-se diferente quando aceitamos que não podemos ter tudo, mas o que temos, podemos capitalizar em energias renovadoras. É-se diferente quando aceitamos que não podemos ser como os outros, mas podemos valorizar os recursos que temos e começar daí. E ser diferente implica também aceitar que a nossa viagem, em certos momentos, pode ter de ser feita, muitas vezes, no silêncio e na solidão. Sim, sozinhos. Porque num dado momento podemos ter de perder um amigo que não escolheu o mesmo curso que eu, mas eu tenho de continuar. Ou porque não há ninguém que queira fazer comigo uma dieta para me dar força, mas eu tenho de a fazer. Ou porque ninguém quer ir passear comigo, mas posso ir eu. Estudar é um ato solitário. A solidão não é uma morte, mas um estado por vezes necessário ao ato do crescimento. E é deste tipo de solidão que todos fogem. Solidão que nos ensina a refletir e ser responsável. Ter medo deste tipo de solidão implica a pouca reflexão e leva à prática de atos instintivos. A solidão pode ser um momento de redirecionar a nossa vida. Abraão e Moisés ouviram Deus falar-lhes na solidão. Os relatos bíblicos apresentam-nos, cada um deles, em tempos diferentes, na busca de um sentido para a vida, refletindo sobre o seu verdadeiro significado. Abraão, na sua solidão, descobre que Deus não pode estar sujeito às disposições religiosas locais, mas que, a existir, deve ser imenso e estar em toda a parte e ser Um e único para todos os homens. Moisés, na sua solidão, descobre que Deus lhe confia uma missão, a de libertar os seus irmãos que sofrem no Egipto. E descobre que não pode ficar indiferente a esse chamamento. Verdadeiros milagres da solidão. Verdadeiros milagres para a história e para cada um de nós. A ação criadora tem origem na solidão, na quietude. Muitas decisões e mudanças nascem nestes momentos. É certo que o homem é um ser social e com os outros se realiza, mas o que acontece àquela vida que nunca para para refletir e ponderar? O que acontece a uma vida que não tem momentos calmos de contemplação? O que acontece a uma vida que não contempla o sagrado?
Gosto particularmente dos dias a seguir às festas. A seguir ao Natal, a seguir à Páscoa, a seguir às festas do futebol, às festas populares, ao S. Pedro, a seguir às férias. Gosto porque sinto que a vida continua indiferente às festas e enfeites dos homens. Festas, muitas vezes, vividas sem sentido, vividas só para o exterior, para mostrar que se está alegre e feliz. Numa sociedade cheia de barulho e apelos ruidosos, precisamos de encontrar um equilíbrio que nos dê serenidade, que nos faça por a render os nossos dons. Onde está o quadro que foi pintado no meio duma multidão? Onde está o livro que foi escrito no meio do barulho? Onde está a música escrita no meio de uma festa? Não existem. Onde estão as vidas feitas só de barulhos, de shoppings, de modas, de ídolos? Estão vazias.
É no silêncio que tantas vezes descobrimos os maiores significados da nossa vida. Tantos, que há coisas que nem sabemos revelar aos outros. Tão particular o que descobrimos, tão íntima a vivência que, por vezes, não conseguimos partilhar. E guardamos para nós. Ou para dizer noutra ocasião. E crescemos nesse momento. O silêncio não é um buraco onde tudo desaparece. É uma oportunidade de crescimento. O silêncio e a interioridade obrigam-nos a enfrentar e resolver os problemas que temos.
Nas nossas viagens, depois do entusiasmo inicial, depois de cantarmos, depois de conversarmos, de rirmos bem alto, há momentos em que todos se calam e se acalmam e simplesmente pensam. Momentos quietos, mas nos quais ninguém dorme. Momentos em que todos olham pela janela. Momentos em que vemos os pinheiros a andar para trás. E nós para a frente. A natureza tem este poder: o de chamar cada um de nós para aquela solidão preenchida, para o silêncio, para a interioridade, para esse lugar único onde cada um de nós consegue descobrir verdadeiramente quem é. Aquela tal viagem. A viagem.