Vinde a mim

Reflexão para o mês de agosto de 2024

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

“Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos, e Eu hei-de aliviar-vos.” (Evangelho de Mateus, 11, 28)

Soube há dias, por um mero acaso (dirão alguns, mas eu sou descrente em relação a coincidências…), que um amigo estava a passar por uma situação de perda recente. Uma dor que ele não quis partilhar com ninguém. Uma tristeza que ele desejou esconder. Um acontecimento sofrido que ele guardou só para si. Invadiu-me, em primeiro lugar, uma sensação de um certo espanto pelo facto de ele não ter procurado ajuda, não pedir um ombro onde descansar do sofrimento. E não foi por falta de amigos, pois ele está rodeado de gente de bem e que lhe quer bem. Isto incomodou-me bastante e deixou-me a pensar neste tema que sobrevoa a nossa existência quotidiana, que anda sempre de braço dado com a vida corrida, frenética, avassaladora – a dor da perda. Como é que cada um de nós lida com o que lhe desaparece? Como é que cada um de nós enfrenta o fim de um projeto, o cancelamento de uma perspetiva nova? Como é que cada um de nós atravessa esse deserto árido da perda?

Atualmente, a banalização do sofrimento é algo generalizado na medida em que perante situações adversas é-nos pedido que sejamos perfeitos, que continuemos a sorrir, que encaremos a dor como um desafio a vencer. Nestes imperativos, as emoções confundem-se e os sentimentos precipitam-se. Obrigamo-nos a colocar a máscara da fortaleza para que não encontrem as nossas fragilidades, as nossas inquietações, as nossas perdas. Ora, ir por este caminho solitário não nos vai levar à paz e à serenidade que tanto precisamos para conseguir lidar com os desafios que a vida nos oferece. Precisamos de companhia. Precisamos de quem nos dê a mão, de quem nos ajude a olhar a situação de uma outra perspetiva, de quem nos carregue ao colo quando as nossas forças adormecem.

Não é segredo para ninguém o facto de me assumir como uma pessoa abençoada pela diversidade de almas que me acompanham nesta estrada da vida. Digo e não me canso de repetir muitas vezes que o meu Euromilhões já me saiu na sorte que tenho de viver acompanhada com tanta gente irmã. Não seria eu a pessoa que sou hoje se em momentos duríssimos da minha vida não me tivesse deixado cuidar pela minha família e pela minha comunidade, se não tivesse partilhado com elas as minhas lutas, as minhas mortes, os meus fracassos. Algumas destas pessoas são muito diferentes de mim, nem sempre estamos de acordo, mas coincidimos em muitos pontos que nos unem nos caminhos partilhados. E chegamos sempre à mesma conclusão: esta nossa irmandade salva-nos todos os dias. Salva-nos de nos sentirmos sozinhos. Salva-nos de vivermos em piloto automático. Salva-nos de nos tornarmos meros funcionários humanos a cumprir um qualquer plano terreno. Salva-nos, tantas vezes, de nós próprios. Das nossas fragilidades. Das vozes pessimistas que povoam o nosso interior. Dos nossos medos paralisadores e paralisantes. Dos julgamentos a que nós próprios nos submetemos e onde não há espaço para a compaixão.

Precisamos de viver um sofrimento acompanhado. Um sofrimento acompanhado não é um sofrimento lamechas, não é um estado de “curtir” a fossa, não é uma adoração às lágrimas. Um sofrimento acompanhado é uma partilha de vida que nos ajuda a encontrar a alegria na tristeza, o amparo no desamparo, a companhia na solidão. É ter a certeza de que não estamos sozinhos na dor que nos invade. É saber que podemos descansar naqueles que nos querem dar descanso e apaziguar o nosso sofrimento. É ter uns braços abertos para nos abraçar em forma de colo e de casa. Muitas vezes, quem nós deixamos que nos acompanhe, não nos traz a solução para o que nos magoa, não nos cura da doença que nos aflige. Mas traz-nos alento, paz, consolo.

Há dois mil anos, já Jesus nos dizia isto mesmo, oferecendo-se a Ele próprio para nos acompanhar em todas as adversidades da vida: “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei” (Mateus 11, 28). Jesus faz-nos um convite não à fuga no sentido de fingirmos que está tudo bem e nos distrairmos do mal, mas um convite à relação. À relação com Ele, fonte de vida, lugar de descanso, homem de paz. Jesus reforça nesta frase tão simples o poder da relação, a salvação que encontramos quando nos sentimos vazios, ocos, incapazes de avançar. Jesus reconhece que a nossa vida está, tantas vezes, pautada pela falta de forças, pela incapacidade de estarmos presentes na vida, pelo cansaço que a apatia nos traz. Por isso, Ele mesmo nos consola e apresenta-nos a sua proposta: vinde comigo e trazei todos os vossos problemas, sem necessidade de ocultar, disfarçar ou esconder; vinde comigo tal como estais e eu vos consolarei e vos farei ver a vida à  minha maneira. Jesus nunca promete receitas mágicas. Jesus promete uma nova visão da vida.

Há dias, quando falava para um grupo de jovens acerca da Parábola dos Talentos, dizia-lhes que a maior graça que podemos ter é a possibilidade de crescermos acompanhados por quem nos quer bem. A nossa maior missão é procurarmos viver rodeados de pessoas que nos interroguem quando andamos à procura, que nos amparem quando caíamos, que se riam connosco quando as lágrimas teimam em cair e que nos abracem no conforto pleno da amizade. Há dois mil anos, Jesus prometeu este acompanhamento a todos os homens e mulheres de boa vontade. Hoje, nós podemos e temos de ser, uns para os outros, este acompanhamento na dor, este consolo na tristeza, este lugar que acolhe e ama. Que saibamos cuidar e também deixarmo-nos cuidar. Que ofereçamos não as respostas mas o caminho acompanhado para as encontrar. Que os nossos braços estejam sempre abertos e o nosso coração disponível.