“Encontro em Ti” é o nosso momento de oração mensal, na igreja Matriz e alargado a toda a comunidade paroquial. Uma experiência de partilha com quem vem meditar connosco e assim fazer memória e presença de um Deus que vem sempre ao nosso encontro. A oração é a base primordial na identidade da Comunidade Estrada Clara. Desde sempre que, como qualquer grupo cristão, privilegiamos estes momentos de meditação e de silêncio, num encontro com Ele e connosco próprios.
A oração na Comunidade Estrada Clara surge como compromisso comunitário. O esquema da nossa oração baseia-se na Liturgia das Horas, a oração pública e comunitária oficial da Igreja. A esta liturgia juntamos os cânticos, as nossas reflexões e o silêncio. Sempre o silêncio. Tão importante numa sociedade em que parece que o mais valioso é sempre o barulho, o ruído, o que fala mais alto. Há muito que descobrimos que é no silêncio e na serenidade que vamos sendo mais pessoas, que vamos conhecendo mais a nossa luz, que nos vamos tornando embaixadores do divino que vive em nós e assim construindo uma comunidade pensante e orante.
“Encontro em TI” – na 1.ª quinta-feira de cada mês, na Igreja Matriz da Póvoa de Varzim, das 21h às 22h
O canto na liturgia e na oração tem um significado profundo para os elementos da nossa Comunidade e esta animação litúrgica está associada ao nosso modo de viver a Igreja na Igreja. Não somos só um grupo coral, mas sim uma Comunidade que se junta para rezar e viver a liturgia através do canto e da música. Alguns dos elementos da Comunidade Estrada Clara têm formação musical em canto e em instrumentos (piano, guitarra clássica, saxofone, entre outros). Muitos de nós já cantamos juntos desde muito novos, há já quase trinta anos. Muitos dos cânticos que cantamos nas Eucaristias são da nossa autoria, precisamente porque são o fruto do nosso modo de rezar, de louvar, de anunciar, através das palavras e da música, este Deus que nos ressuscita todos os dias. A nossa música, os nossos cânticos, os nossos silêncios musicais são parte da nossa identidade como comunidade. Hoje em dia, gerindo disponibilidades e agendas, famílias, responsabilidades profissionais, idas e vindas, ensaios e outras combinações, vamos mantendo este compromisso mensal de nos juntarmos, na nossa comunidade paroquial, para cantar este Deus que nos une e que fez e faz de nós uma irmandade com tempo e espaço para descobrirmos em nós a alegria de vivermos juntos!
A Comunidade Estrada Clara é responsável pela animação do canto na Eucaristia do 1.º domingo de cada mês, às 19h, na paróquia de Nossa Senhora da Conceição (Matriz), Póvoa de Varzim.
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
“Mas Jesus costumava retirar-se para o deserto para rezar.” (do Evangelho segundo São Lucas 5, 16)
Numa altura em que a sociedade se prepara para novos inícios, novos horários, recomeços e atividades, lembro algo que parece ser o oposto do que se anda a viver – a necessidade de silêncio e de paragem. Sim, é importante recordar que, apesar das férias terminarem por estes dias, precisamos cada vez mais de reservar, ao longo dos nossos dias, momentos de paragem que nos libertam dos estímulos em excesso, das distrações fúteis, da carga de superficialidade que inegavelmente faz parte da condição humana.
Vivemos, muitas vezes, tão descontroladamente como se fossemos capazes de controlar tudo e todos. Andamos, inúmeras vezes, apressadamente a realizar todas as tarefas para ontem como se soubéssemos que o dia de amanhã é sempre todo nosso. Corremos, tantas e tantas vezes, em direção a uma meta que, outras tantas vezes, nem sabemos bem onde ela está. Hoje, somos cada vez mais impelidos a ocupar todos os espaços que deveriam ser habitados pelo silêncio. Preenchemos esse espaço com música, televisão ou telemóvel. Sobrecarregamo-nos de ruídos que nos impedem de ouvir o silêncio que está dentro de nós. Temos medo que o silêncio se sobreponha e que fiquemos despidos da realidade que nos traz segurança e o conforto conhecido. Mas é precisamente neste espaço em que estamos em silêncio que a vida nos é dita, que as ideias fluem até nós, que a serenidade nos vem habitar.
São imensamente conhecidos os vários estudos sobre o benefício do silêncio: o silêncio ajuda a controlar a pressão arterial, reduz o risco de problemas cardiovasculares, melhora o sono, é um aliado seguro contra a ansiedade e a depressão. Algumas pesquisas comprovam também que ficar em silêncio pode ainda levar ao crescimento de novas células cerebrais no hipocampo, região do cérebro relacionada com a aprendizagem, à memória e às emoções. O silêncio é, por excelência, um instrumento de autoconhecimento. O silêncio é o tempo que nos é dado para pensar. Com o silêncio abrimos espaço à nossa vida interior. É também no silêncio que aprendemos a escutar quem somos e a trabalhar a empatia pelos outros. Por isso, saber estar em silêncio não é sinónimo de estar triste ou amuado. Saber parar também não significa desistir. Parar para estar em silêncio connosco próprios permite-nos receber novas forças, limpar pensamentos, procurar novas ideias.
Como seres humanos que somos, temos de cuidar da nossa interioridade e do nosso crescimento interior. E parte deste nosso desenvolvimento pessoal só é possível quando damos espaço ao silêncio. Nas palavras do Cardeal Tolentino, “o silêncio é indispensável. É uma condição da nossa existência. Sem o silêncio, as realidades sobrepõem-se – palavra acima de palavra –, e não damos espaço a uma audição efetiva da realidade, seja a externa, seja a nossa interior.”
O silêncio é difícil, pede-nos disponibilidade interior e faz-nos encarar, de frente, quem nós somos, as perguntas que nos fazemos e as respostas que nos damos. Mas é este mesmo silêncio que nos salva, que alarga a nossa profundidade, que nos faz descobrir quem nós vamos sendo. O silêncio é uma ferramenta de autoconstrução. Para a religião, o silêncio é uma dimensão importantíssima porque nos estrutura e através dele, tantas e tantas vezes, somos capazes de escutar a voz silenciosa de Deus. Jesus também sabia desta importância fulcral do silêncio e, nos momentos mais decisivos da sua história de vida, soube retirar-se para refletir e fazer do silêncio a sua fonte de serenidade. Há mais de dois mil anos, o Cristianismo vem fazendo anúncio desta necessidade de escuta interior, de paragem, de silêncio. O que hoje vemos nas redes sociais acerca de retiros detox ou outros similares já a Igreja vem oferecendo aos seus crentes, com a vantagem de ter sempre em perspetiva a ideia de comunidade e de crescimento pessoal em irmandade que somos e não um objetivo meramente individualista.
Por isso, desde sempre, temos muito presente na nossa comunidade a importância do silêncio e das paragens em momentos importantes das nossas rotinas. Na nossa oração comunitária, temos sempre alguns minutos em que estamos simplesmente a ouvir o nosso silêncio interior. Este exercício de estar em silêncio é isso mesmo, um exercício e, por isso mesmo, requer prática, disponibilidade, insistência até que se vai tornando natural. Também promovemos, entre nós, os nossos momentos de retiro, em que nos comprometemos, durante alguns dias, em estar uns com os outros e com o Outro de forma mais íntima, mais profunda, aproveitando esses momentos não para fugir da realidade, mas para olhar para a realidade com outros olhos e novas perspetivas. São momentos importantes, em que nos sentimos a crescer, em que nos voltamos para nós, em que percebemos a falta que nos faz dar espaço ao silêncio e ao estarmos connosco próprios. Em Taizé, essa grande casa do silêncio, é também o espaço privilegiado para, no meio da natureza, da música e da meditação, encontrarmos Deus e, consequentemente, escutarmos o nosso interior. Nesta necessidade de nos retirarmos, descobrimos também, há algum tempo, a prática dos Exercícios Espirituais, que são retiros, segundo o método de Inácio de Loyola. São uma experiência pessoal, através da qual nos dispomos a estar com Deus num ambiente de silêncio, durante alguns dias, acompanhados por um orientador espiritual. Quando, pela primeira vez, fizemos os Exercícios Espirituais, apercebemo-nos da falta imensa que nos fazia uma atividade destas. Ter tempo para nos escutarmos e para escutar o que Deus nos quer dizer.
Num dos seus poemas, Miguel Torga fala-nos do “sacramento do silêncio”, uma expressão belíssima para divinizar tudo aquilo que podemos viver quando experimentamos genuinamente o silêncio. As palavras ganham outra força, os sentidos surgem alinhados, a vida vai sendo vivida com outra consciência e foco. Que este novo tempo de recomeços e projetos que agora iniciamos seja ele entrelaçado sempre com momentos de silêncio e de paragens interiores para irmos construindo quem somos na arte do encontro, da comunhão, da história de um amor sempre maior.