No passado dia 12 de janeiro, inauguramos o ano com o nosso encontro mensal Estradas Partilhadas. Desta vez, a responsabilidade do tema partilhado foi do Pedro que nos trouxe um texto seu, escrito a partir da sua reflexão após a leitura de “A Economia de Deus”, uma obra de João César das Neves. Economista de formação, o Pedro ajudou-nos a mergulhar nesta temática e a compreendê-la de um ponto de vista cristão. Tivemos a oportunidade de aprender conceitos novos (e que bom que é estarmos sempre dispostos à aprendizagem!) e de perceber de que forma pragmática estes mesmos conceitos podem ser lidos e vividos à luz da ideologia cristã. Ao longo da partilha, também visitamos as diversas encíclicas escritas pelos Papas acerca do modo como a economia se faz presente na vivência cristã e de que modo cada um de nós, no âmbito dos seus contextos pessoais, familiares, sociais e laborais, pode e deve fazer fluir e transparecer esta noção de Economia de Deus. Foi uma tarde de conversa, de partilha, de aprendizagem onde pusemos em comum as nossas experiências pessoais de trabalho e o modo como vivemos a nossa essência cristã num mundo, por vezes, tão frenético e competitivo como é o mundo laboral.
“Estradas Partilhadas”, o nosso espaço para termos espaço para vivermos com tempo o tempo que trazemos em nós, para como comunidade fortalecermos em nós uma dimensão orante e pensante e assim promovermos a atenção e a escuta ao(s) Outro(s).
“Estradas Partilhadas”, os nossos domingos de gratidão, os nossos primeiros dias da semana, os nossos caminhos para chegarmos juntos a casa, à Terra Prometida.
Hoje celebramos a vida de todos aqueles que decidiram fazer da sua vida a presença de Deus em nós. Esta foi a nossa escolha, minha, da Beatriz e do Jorge há já muitos anos. Por isso, este dia vai ser sempre um dia celebrado e lembrado a três. Um dia em que cabem nele todos os dias em que escolhemos entregar aquilo que somos a este projeto de vida chamado Comunidade Estrada Clara, o nosso projeto de vida cristã inserido na grande família que é a Igreja.
Temos sido muito felizes com esta nossa escolha. Costumo dizer que se todas as pessoas fossem felizes com as suas escolhas de vida como eu sou com a minha, sentir-se-iam plenamente realizadas como eu me sinto. Porque o que realmente importa é escolhermos aquilo que nos completa, que nos faz sair de nós mesmos e crescer em graça e em sabedoria, aquilo que vai ao encontro da melhor versão de nós mesmos. E nós encontramos a nossa melhor versão nesta vida comunitária cheia de alegrias e desafios, de perguntas e de certezas, de contemplação e de ação. Encontramo-nos porque decidimos partir à descoberta e fomos confiando no que Deus ia colocando no nosso caminho, sempre respeitando a nossa liberdade e o nosso tempo.
“A vida toda para toda a vida” foi o que prometemos os três num dia bonito de verão há mais de vinte anos. E assim foi e assim tem sido. Escolher a vida que faz vida em nós para sermos vida para que a vida dos outros seja sempre a vida do Outro. Eu e a Beatriz celebramos este dia nesta gratidão profunda de termos vivido este compromisso com o Jorge e também celebramos neste dia a alegria e a esperança de continuarmos a viver a nossa escolha na nossa comunidade, nos nossos projetos, na nossa Igreja.
Um feliz Dia dos Consagrados para todos os que vivem este compromisso e para todos aqueles que acompanham quem vive neste compromisso de vida!
Ana
📷nós os três numa noite fria de verão, em São João D’Arga, em julho de 2012.
“E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido“(da Carta aos Gálatas 6, 9)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
“A gramática da Bondade”. Há dias deparei-me com esta expressão sublime num manual de Português do 12.º ano. É da autoria do Cardeal José Tolentino Mendonça e nela se resume todo o plano da vivência cristã. De facto, a bondade não é apenas um valor ou um comportamento ocasional, mas sim um elemento estrutural essencial dentro da fé cristã. A bondade permeia todas as áreas da vida cristã, moldando relacionamentos, atitudes e a maneira como os cristãos interagem com o mundo ao seu redor.
Ser bondoso, na identidade cristã, significa viver de acordo com essa gramática, onde cada ação, palavra e intenção se alinham com a vontade de Deus. E isto manifesta-se no perdão, na caridade, na paciência e no compromisso com a justiça e a verdade. Portanto, a bondade cristã não é apenas um princípio ético, mas uma resposta ao amor de Deus, moldando a vida de quem crê ao plano de salvação que Deus tem para cada um de nós. É o amor a Deus que nos faz sempre reconhecer no outro o próximo, o irmão ou a irmã a ser amado. E isso requer compromisso pessoal, decisões e escolhas de vida.
A bondade é ativada pela escuta genuína da Palavra de Deus que nos impele a viver de modo pleno a totalidade do Amor divino. Quando verdadeiramente conhecemos e nos deixamos orientar pela mensagem de Jesus, percebemos que os nossos esquemas mentais têm de ser alterados. Compreendemos que temos de investir mais nas relações, que temos de praticar mais a atenção para com o outro. E se assim nos deixarmos ir, na base da confiança e da esperança, há todo um mundo novo que vem até nós. Um cristão é um agente de mudança, é uma luz que ilumina a escuridão, é um desafiador de lógicas e julgamentos.
Como podemos nós, nos nossos contextos e histórias diárias, concretizar este mistério da bondade? A resposta a esta questão encontrámo-la sempre na ordem da simplicidade. A bondade está sempre ao alcance de todos porque todos nós fomos feitos à imagem de um Deus que só nos ama e que, sendo Ele próprio um mistério de bondade insondável, só espera de nós a concretização desta mesma bondade. A grande novidade que o Evangelho anuncia não é tanto o facto de que Deus é fonte de bondade, mas que todos os homens podem e devem agir à imagem do seu Criador. Por isso, o mais pequeno gesto de bondade tem um valor incalculavelmente maior do que muitas teorias, belas palavras ou boas intenções. Pessoalmente, não consigo deixar de acreditar na perseverança da bondade. Se a procurarmos à nossa volta, vamos encontrá-la, pelo que concluo que o que é verdadeiramente humano e revolucionário é isto mesmo, esta necessidade de acolher o outro, de fazer o bem, de personalizar este mesmo bem. A bondade é como uma chama que pode estar momentaneamente oculta, mas nunca se extingue definitivamente ou como uma semente debaixo da terra que, mais tarde ou mais cedo, vai brotar e dar fruto. Nem sempre a bondade é notória e evidente, mas ela existe e torna-se real se nela escolhermos investir. E o que investimos ser-nos-á devolvido, conforme a promessa do Senhor.
Na missa inaugural do seu pontificado, o Papa Francisco deixou-nos esta imagem fortíssima: “Não devemos ter medo da bondade.” Parece ser algo contraditório, mas acaba por ser a fotografia de uma certa realidade que nos envolve. A bondade não é virtude dos fracos, antes, pelo contrário, denota fortaleza de ânimo e capacidade de solitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro. Bondade implica ação, envolvimento, ousadia em contrariar a lógica mercantilista das relações humanas. Anos mais tarde, o Papa voltou a repetir a que talvez seja uma das suas declarações políticas mais forte: “Que a vossa bondade seja revolucionária.” Porque viver a bondade numa sociedade que idolatra o umbiguismo, a competição e o sucesso desenfreado é ir contra a corrente, é assumir um cariz revolucionário. Bondade gera bondade. Alegria provoca alegria. Afeto multiplica afeto. Não há contagens negativas nem cálculos premeditados. É a lógica do Amor de Deus que vai contra todos os cálculos, previsões e estimativas humanas.
Precisamos de espaços onde praticar a bondade. Precisamos de pessoas que exijam de nós essa prática da bondade. Precisamos de nos descentralizarmos e de olharmos para o Outro nos outros. Precisamos de procurar ativamente a bondade, de nos deixarmos guiar pela empatia, de provocarmos generosidade em quem nos rodeia. Precisamos de ver com o coração que limpa a negrura dos dias, que abraça as dores partilhadas, que nos ergue sempre em esperança. A escolha é nossa. A de procurar ativamente esta bondade que existe. A de criar gestos de bondade para multiplicar essa bondade. A de salvar o nosso mundo. A de fazer da palavra bondade um verbo na voz ativa e conjugado no presente do Indicativo. Peçamos ao Senhor a graça de contemplar a vida através da beleza da bondade: “Ensina-nos, Senhor, o que significa bondade, esta forma afetuosa de conduzir a realidade e as relações.”