Reflexão para o mês de fevereiro
“E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido“ (da Carta aos Gálatas 6, 9)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

“A gramática da Bondade”. Há dias deparei-me com esta expressão sublime num manual de Português do 12.º ano. É da autoria do Cardeal José Tolentino Mendonça e nela se resume todo o plano da vivência cristã. De facto, a bondade não é apenas um valor ou um comportamento ocasional, mas sim um elemento estrutural essencial dentro da fé cristã. A bondade permeia todas as áreas da vida cristã, moldando relacionamentos, atitudes e a maneira como os cristãos interagem com o mundo ao seu redor.
Ser bondoso, na identidade cristã, significa viver de acordo com essa gramática, onde cada ação, palavra e intenção se alinham com a vontade de Deus. E isto manifesta-se no perdão, na caridade, na paciência e no compromisso com a justiça e a verdade. Portanto, a bondade cristã não é apenas um princípio ético, mas uma resposta ao amor de Deus, moldando a vida de quem crê ao plano de salvação que Deus tem para cada um de nós. É o amor a Deus que nos faz sempre reconhecer no outro o próximo, o irmão ou a irmã a ser amado. E isso requer compromisso pessoal, decisões e escolhas de vida.
A bondade é ativada pela escuta genuína da Palavra de Deus que nos impele a viver de modo pleno a totalidade do Amor divino. Quando verdadeiramente conhecemos e nos deixamos orientar pela mensagem de Jesus, percebemos que os nossos esquemas mentais têm de ser alterados. Compreendemos que temos de investir mais nas relações, que temos de praticar mais a atenção para com o outro. E se assim nos deixarmos ir, na base da confiança e da esperança, há todo um mundo novo que vem até nós. Um cristão é um agente de mudança, é uma luz que ilumina a escuridão, é um desafiador de lógicas e julgamentos.
Como podemos nós, nos nossos contextos e histórias diárias, concretizar este mistério da bondade? A resposta a esta questão encontrámo-la sempre na ordem da simplicidade. A bondade está sempre ao alcance de todos porque todos nós fomos feitos à imagem de um Deus que só nos ama e que, sendo Ele próprio um mistério de bondade insondável, só espera de nós a concretização desta mesma bondade. A grande novidade que o Evangelho anuncia não é tanto o facto de que Deus é fonte de bondade, mas que todos os homens podem e devem agir à imagem do seu Criador. Por isso, o mais pequeno gesto de bondade tem um valor incalculavelmente maior do que muitas teorias, belas palavras ou boas intenções. Pessoalmente, não consigo deixar de acreditar na perseverança da bondade. Se a procurarmos à nossa volta, vamos encontrá-la, pelo que concluo que o que é verdadeiramente humano e revolucionário é isto mesmo, esta necessidade de acolher o outro, de fazer o bem, de personalizar este mesmo bem. A bondade é como uma chama que pode estar momentaneamente oculta, mas nunca se extingue definitivamente ou como uma semente debaixo da terra que, mais tarde ou mais cedo, vai brotar e dar fruto. Nem sempre a bondade é notória e evidente, mas ela existe e torna-se real se nela escolhermos investir. E o que investimos ser-nos-á devolvido, conforme a promessa do Senhor.
Na missa inaugural do seu pontificado, o Papa Francisco deixou-nos esta imagem fortíssima: “Não devemos ter medo da bondade.” Parece ser algo contraditório, mas acaba por ser a fotografia de uma certa realidade que nos envolve. A bondade não é virtude dos fracos, antes, pelo contrário, denota fortaleza de ânimo e capacidade de solitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro. Bondade implica ação, envolvimento, ousadia em contrariar a lógica mercantilista das relações humanas. Anos mais tarde, o Papa voltou a repetir a que talvez seja uma das suas declarações políticas mais forte: “Que a vossa bondade seja revolucionária.” Porque viver a bondade numa sociedade que idolatra o umbiguismo, a competição e o sucesso desenfreado é ir contra a corrente, é assumir um cariz revolucionário. Bondade gera bondade. Alegria provoca alegria. Afeto multiplica afeto. Não há contagens negativas nem cálculos premeditados. É a lógica do Amor de Deus que vai contra todos os cálculos, previsões e estimativas humanas.
Precisamos de espaços onde praticar a bondade. Precisamos de pessoas que exijam de nós essa prática da bondade. Precisamos de nos descentralizarmos e de olharmos para o Outro nos outros. Precisamos de procurar ativamente a bondade, de nos deixarmos guiar pela empatia, de provocarmos generosidade em quem nos rodeia. Precisamos de ver com o coração que limpa a negrura dos dias, que abraça as dores partilhadas, que nos ergue sempre em esperança. A escolha é nossa. A de procurar ativamente esta bondade que existe. A de criar gestos de bondade para multiplicar essa bondade. A de salvar o nosso mundo. A de fazer da palavra bondade um verbo na voz ativa e conjugado no presente do Indicativo. Peçamos ao Senhor a graça de contemplar a vida através da beleza da bondade: “Ensina-nos, Senhor, o que significa bondade, esta forma afetuosa de conduzir a realidade e as relações.”